Do Jornal Valor Econômico
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil/Ilustração/Fotos Públicas
Um dos setores mais atingidos pela pandemia, o transporte público no Brasil tem sido palco de dezenas de falências e recuperações judiciais. Entre abril de 2020 e fevereiro deste ano, 18 empresas e três consórcios de ônibus encerraram suas atividades no país, segundo estudo do FGV Ceri (Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura).
Há ainda uma série de recuperações judiciais em curso. Só no Rio de Janeiro, além da Supervia (que administra os trens urbanos da região metropolitana), seis empresas de ônibus estão em reestruturação: Real, Expresso Pégaso, VG, Palmares, Paranapuan e, na última, semana, a Viação Pavunense entrou com pedido de tutela cautelar para antecipar os efeitos da proteção judicial. A tendência, segundo advogados, é que o número ainda aumente.
O setor já vinha sofrendo com a perda de passageiros antes mesmo de 2020, principalmente as companhias de ônibus, afirma Filipe Cardoso, pesquisador do FGV Ceri. A pandemia, porém, agravou muito a situação.
No caso das empresas de ônibus, o prejuízo somou R$ 11,57 bilhões de março de 2020 a fevereiro deste ano, segundo a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos. Entre metrôs e trens, a perda de receita tarifária foi de R$ 8 bilhões em 2020, aponta a Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos).
Na avaliação de empresas e especialistas, um dos grandes problemas é a forma de remuneração do sistema, já que, na maior parte do país, a operação é bancada só com a tarifa – no setor de ônibus, há poucas exceções, como Brasília, São Paulo e Curitiba.
“Isso gera um ciclo vicioso, pois os custos do setor são praticamente fixos. Então, quanto menos passageiros, mais pressão sobre a tarifa, o que afasta ainda mais o usuário de baixa renda”, diz Cardoso. “Esse modelo em que o passageiro é o único responsável pelo financiamento está colocando em risco o futuro do transporte público no país.”
Os desafios se estendem a diversas regiões do Brasil. Porém, a situação dramática no Rio de Janeiro chama a atenção. Além da pandemia, há problemas regulatórios adicionais, que motivaram 16 empresas de ônibus na capital a fecharem as portas desde 2015. Hoje, 30 companhias operam na cidade, divididas em quatro consórcios: Intersul, Internorte, Transcarioca e Santa Cruz.
Entre as queixas está justamente a falta de suporte do governo às concessionárias, que arcam sozinhas com os subsídios de gratuidade e ainda travam batalhas com o transporte clandestino.
André Moraes, sócio-fundador do Moraes & Savaget Advogados, que representa cinco das seis empresas em recuperação judicial no Rio, apontou o “abraço do afogado” como um dos maiores problemas. Pela regra, os grupos que operam são obrigados a arcar com dívidas de empresas que quebraram dentro do mesmo consórcio, como as trabalhistas.
“O setor no Rio é colapsado. Não é viável e sofre muita influência política. Mesmo as empresas mais saudáveis estão entrando em recuperação judicial”, afirma. O “abraço do afogado” tem gerado uma corrida nas empresas para evitar problemas mais graves. Ao menos quatro grupos estão em conversas avançadas na capital para recuperação judicial, diz.
Paulo Valente, porta-voz do Sindicato das Empresas de Ônibus da Cidade do Rio de Janeiro (Rio Ônibus), destaca que a pandemia levou a uma queda de 80% na receita, no seu ápice – hoje, está 50% abaixo do que costumava ser.
No setor de metrôs e trens urbanos, a situação também é mais grave no Rio. Em outros Estados, como São Paulo e Bahia, a queda de passageiros foi igualmente alta, porém, as concessões preveem compartilhamento de riscos, o que garante uma receita mínima. Já no Rio, os contratos, mais antigos, não incluem subsídio.
As concessionárias do Estado vinham alertando há meses sobre o esgotamento do caixa. Portanto, não foi exatamente uma surpresa quando, na semana passada, a Supervia entrou com seu pedido de recuperação judicial.
Na avaliação de pesquisadores e empresas, a saída da crise deverá passar pelo apoio emergencial e por uma mudança estrutural na remuneração do sistema – inclusive com apoio federal.
Em 2020, entidades do setor chegaram a costurar um pacote de socorro de R$ 4 bilhões com a União, mas o projeto foi vetado. Agora, as empresas tentam obter ao menos uma linha de crédito com o BNDES, para garantir o custeio das operações, afirma Joubert Flores, presidente da ANPTrilhos. “Há uma esperança de retomada com a vacinação. Porém, hoje, o setor segue com a demanda estacionada, em um patamar 50% menor que o pré-crise”, afirma.
Já o debate sobre a mudança do financiamento do sistema ainda precisa ser amadurecido, avalia Rafael Martins de Souza, também pesquisador do FGV Ceri. “Há desafios de implementação para, por exemplo, evitar a criação de incentivos perversos, como o superdimensionamento.”
Porém, a proposta já começa a avançar. Na prefeitura do Rio, há estudos para alterar a forma de remuneração, diz a secretária municipal de Transportes, Maína Celidonio. “Sabemos que há problemas de transparência, mas esse modelo se esgotou”, afirma. A ideia é criar uma nova forma de remuneração, com base nos custos, e não na tarifa. “Dessa forma, com um passageiro ou mil passageiros, o ônibus vai rodar.”
Para isso, a prefeitura planeja lançar em agosto a licitação de um novo sistema de bilhetagem, que permita à prefeitura ter acesso e auditar os dados. O objetivo é implementar a rede em 2022. “Será o fim da caixa preta do transporte. Teremos todas as informações sobre a receita das empresas, saber quantas pessoas entraram, em que linha, a que horas.”