Do Valor Econômico
Foto: Carolina Antunes/PR/Ilustração
Antes da posse presidencial, quando se juntava em um “gabinete de transição” no Centro Cultural Banco do Brasil, a equipe de Jair Bolsonaro traçou como meta elevar os investimentos anuais em infraestrutura para a marca de R$ 250 bilhões em 2022 – mais do que dobrando o patamar herdado da gestão Michel Temer.
Até a metade do mandato de Bolsonaro, entretanto, os investimentos andaram de lado e ficaram praticamente no mesmo nível de antes. Um levantamento inédito da Inter.B Consultoria, presidida pelo economista Claudio Frischtak, aponta que os aportes públicos e privados na área de infraestrutura atingiram R$ 115,2 bilhões no ano passado.
Isso abrange investimentos nos setores de transportes, energia elétrica, telecomunicações e saneamento. É um valor abaixo do que foi aplicado nos anos de 2019 (R$ 118 bilhões) e de 2018 (R$ 117,6 bilhões), quase igualando o de 2017 (R$ 114,7 bilhões). Como proporção do PIB, é o sexto ano seguido de queda e representa 1,55% da economia nacional. De forma geral, há desembolsos cada vez menores do Estado, sem compensação por investimentos do setor privado.
Para ilustrar o tamanho do déficit existente hoje, Frischtak faz um exercício: se o Brasil simplesmente dobrar o ritmo de seus investimentos anuais, levando em conta a média de aportes nas últimas duas décadas (2,01% do PIB), só alcançaria a modernização de sua infraestrutura em 2044. É quando se atingiria um estoque de capital acima de 65% – plenamente compatível com as necessidades da economia nacional – nos setores analisados.
O governo tem buscado acelerar a agenda de concessões e privatizações para impulsionar investimentos. O leilão da Ferrogrão, a relicitação da rodovia Presidente Dutra (Rio-São Paulo), a construção das novas redes de 5G na telefonia celular, as desestatizações da Eletrobras e do porto de Santos estão entre os grandes projetos até o fim de 2022.
Na avaliação de Frischtak, cinco fatores devem ser observados quando se fala em atrair capital privado para a infraestrutura: segurança jurídica, previsibilidade regulatória e independência das agências, atualização dos marcos legais, restrições de financiamento e ambiente político-institucional.
1) Insegurança jurídica: o Brasil ocupa o 120º lugar em eficiência do aparato legal para a resolução de disputas no ranking do Fórum Econômico Mundial. Para a Confederação Nacional da Indústria (CNI), o país está na 64ª posição global na qualidade da aplicação de normas. O caso da Linha Amarela, que teve a concessão encampada no Rio, foi um dos mais comentados entre investidores. Recentemente, uma liminar do Superior Tribunal de Justiça (STJ) retirou Manaus do leilão dos aeroportos depois do certame. “São decisões incompreensíveis à luz do direito, com base na liberdade interpretativa que se dá ao juiz”, afirma.
2) Autonomia das agências: os órgãos reguladores continuam sujeitos a cortes orçamentários e indicações políticas. Um artigo da nova lei das agências, de 2019, foi vetado por Bolsonaro. Criava um comitê de especialistas, indicados pelo presidente da República, para elaborar lista tríplice de candidatos à diretoria dos reguladores. Bolsonaro disse que isso o tornaria uma “rainha da Inglaterra”. Para o economista, foi um veto péssimo. “Em vez de fortalecer, enfraquece o Executivo.”
3) Atualização dos marcos legais: o saneamento básico e o gás natural ganharam novas legislações, recentemente, favoráveis aos investimentos privados. Também foi aprovado o projeto do “free flow”, que moderniza o pagamento de tarifa em rodovias pedagiadas, permitindo a cobrança do usuário por trecho efetivamente percorrido. No entanto, outras propostas aguardadas com expectativa estão travadas no Congresso: o novo marco das ferrovias, a lei de geral PPPs e concessões, a reforma do setor elétrico. “Com a antecipação do calendário eleitoral, haverá provável esgotamento da agenda legislativa”, diz Frischtak.
4) Restrições de financiamento: o presidente da Inter.B Consultoria não vê limitação de recursos disponíveis para financiar projetos de infraestrutura. A trava maior, na visão dele, está nos balanços das empresas e sua capacidade de endividamento. Por isso, enfatiza a necessidade de tornar mais comum o uso do “project finance” (em que as receitas futuras de uma concessão são dadas como única garantia dos empréstimos). Um bom exemplo recente é o da Way 306, que opera uma rodovia concedida em Mato Grosso do Sul, mas ainda é algo ainda raro no país, argumenta.
5) Ambiente político-institucional: para o economista, a instabilidade e a excessiva polarização assustam investidores, principalmente quem ainda não está instalado no Brasil. “Entramos em uma espiral que já começou a afetar os investimentos. Mesmo na crise da dívida, nos anos 1980, a percepção internacional era melhor. Talvez pelo ‘soft power’, pela música, pelo futebol, pela perspectiva de crescimento.”