Por Marcos Fontoura de Oliveira
Foto: Ilustração/UNIBUS RN/Arquivo
Em 1883, Machado de Assis propôs um regulamento com normas a serem obedecidas pelos passageiros do bonde, “meio de locomoção essencialmente democrático”. Tempos depois, Carlos Drummond de Andrade escreveu seu “Hino ao Bonde”, saudando-o como “sede da democracia em movimento”.
Apostando no envelhecimento ativo, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou o “Guia Global das Cidades Amigas das Pessoas Idosas” em 2007 e o “Relatório Mundial sobre Envelhecimento e Saúde” em 2015.
A OMS passou a reconhecer a mobilidade urbana em geral e o transporte coletivo em particular como chaves para o bem viver das pessoas idosas e, por conseguinte, das sociedades humanas.
O guia oferece um checklist para qualquer cidade usar, preparar seus planos de ação e se habilitar a ser uma cidade amiga do idoso.
Mostra que muitos planejadores brasileiros de mobilidade urbana estão reféns de um pensamento conservador e provinciano, embora travestido de moderno. Alguns declaram abertamente que idosos são uma despesa para os sistemas de transporte. Outros, mais descarados, querem que os idosos fiquem sempre em casa, esperando a visita da velha senhora com a foice.
O relatório da OMS, nas palavras de Margaret Chan, ex-diretora-geral, é otimista: “Na vigência das políticas e serviços apropriados, o envelhecimento da população pode ser considerado uma preciosa oportunidade tanto para os indivíduos como para as sociedades”.
Machado, Drummond e Chan nos ajudam a acreditar que não faz sentido o apego à crença de que nossos transportes coletivos não seriam tão ruins, supostamente melhores que os de Kinshasa e Calcutá. No entanto, brasileiros, congolenses e indianos precisam é ter bons sistemas como os que já existem em muitas cidades mundo afora.
A OMS nos alerta de que mesmo as melhores cidades ainda têm o que ajustar em seus sistemas de mobilidade. Ao implementar suas melhorias, essas cidades levarão os referenciais de excelência para mais adiante e, cada vez mais, em um processo permanente de concessão e garantia de novos direitos. Isto é democracia.
Para que tenhamos um transporte amigo do idoso, é preciso que nossos governantes tomem decisões ousadas, abandonando o senso comum imediatista. Para que o façam, todos nós, cidadãos, precisamos pressioná-los.
Imponhamos, portanto, as metas, tendo a legislação brasileira como aliada. Basta cumpri-la para tornar amigáveis todos os nossos sistemas de mobilidade urbana.
Ao elaborar planos de ação, usuários com mobilidade reduzida e os trabalhadores que fazem os sistemas funcionarem devem ser tomados como métricas. Nossos ônibus, por exemplo, precisam ser novos e limpos, sem degraus e sem catracas, com rampas e câmbio automáticos, equipados com tecnologias modernas que proporcionem um verdadeiro bem-estar a todos.
Um transporte amigo da pessoa idosa é um transporte amigo de todas as idades. Tê-lo pode nos dar uma bússola. Ele nos dará, certamente, um badalo para tocar o sino de Ouro Preto que hoje mobiliza instigantes pesquisas na 34ª Bienal de São Paulo.
Marcos Fontoura de Oliveira – Engenheiro civil e doutor em ciências sociais, é autor do livro “Transporte, Privilégio e Política” (2002). Coordenador da área de mobilidade urbana do Centro Internacional de Longevidade (ILC) no Brasil