Da ANTP
Por Rodrigo Tortoriello*
Foto: Divulgação (Ford / Via Agência Brasil)
Logo no início do ano de 2021 a notícia de que a Ford encerrou a produção de veículos no Brasil pegou muitos de surpresa. A empresa foi a primeira montadora a se instalar no país em 1919 e em muito contribuiu para o desenvolvimento da indústria nacional. No passado, o Brasil viu na indústria automobilística uma opção relevante para se tornar um dos pilares do processo de industrialização.
O Poder Público, em suas três esferas, fez vários investimentos para alavancar esse setor industrial. A estratégia utilizada foi a concessão de incentivos fiscais, isenções de impostos, doações de terrenos, entre outros mecanismos que impulsionaram a indústria. O modelo escolhido fez com que o país se tornasse um importante polo de produção de automóveis na América Latina, abastecendo diversos outros países. Pode-se então dizer que a estratégia cumpriu seu papel de gerador de empregos e desenvolvimento econômico em diversas regiões do País.
A abertura do mercado brasileiro, a globalização e os baixos custos de mão de obra no Brasil despertaram o interesse de diversas montadoras e a estratégia de apoiar a indústria automobilística é retomada no início dos anos 90. Marcas reconhecidas no mercado mundial como Audi, Mercedes-Benz, Renault, Peugeot, Honda, Toyota, entre várias outras, que antes importavam automóveis para o mercado nacional passaram a montá-los em novas unidades espalhadas pelo território. A escolha feita trouxe diversas externalidades positivas e a sociedade se beneficiou dos investimentos estrangeiros, dos empregos gerados e da melhoria na qualidade dos produtos feitos no Brasil.
Voltando ao caso da Ford e o fechamento das fábricas no Brasil, segundo estimativas da Receita Federal, a empresa recebeu a soma de R$ 20 bilhões em incentivos fiscais desde 1999. Esse assunto vem ocupando espaços nas mídias e não é para menos. A decisão da empresa pode ser o início de um processo de desindustrialização do setor automotivo no país e a exemplo da crise que assolou Detroit, pode impactar de modo significativo a sociedade como um todo. Segundo informações da própria montadora, serão cerca de cinco mil empregos diretos perdidos com o fechamento dessas fábricas.
No cenário de tensões econômicas os sistemas de transporte público no Brasil também estão em destaque. Enfrentando sua maior crise, mesmo antes da pandemia, não teve a mesma oportunidade e espaço nos noticiários que o setor automotivo. A lei de apoio ao setor, aprovada no final de 2020, foi integralmente vetada pelo Presidente da República. A perda de demanda constante e o modelo de financiamento com base, quase que exclusivamente, na tarifa paga pelo cidadão, formam uma combinação complexa para aqueles que utilizam o transporte público ou, em muitos casos, dependem exclusivamente dele para seus deslocamentos diários. Como a formação da tarifa, normalmente, é o custo total dividido pelos passageiros pagantes, quanto menor o número de clientes maior o preço. Esse ciclo perverso acaba por diminuir ainda mais a quantidade de clientes pagantes no sistema.
No ano de 2020, o setor perdeu mais de 70 mil postos de trabalho, cerca de 14 vezes o número de empregos que a Ford estima eliminar com o fechamento das fábricas no Brasil. Segundo dados apresentados pelo levantamento “Impactos da Covid-19 no Transporte Público por Ônibus” da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), o setor de transporte público por ônibus apresenta prejuízos da ordem de R$ 9,5 bilhões de reais no período da pandemia em 2020. Os sistemas de transporte sobre trilhos, metrôs, trens e VLTs também agonizam e muitos correm riscos suspender a oferta de serviços.
Enquanto o fim das unidades da montadora de veículos ganhou espaços nos principais meios de comunicação, a crise do transporte público, que sem dúvida é muito maior, ainda não encontrou o mesmo eco. Afinal, como dizia aquele comercial dos anos 90, o brasileiro é apaixonado por carro. Entretanto, essa paixão nacional não é capaz de resolver os problemas de mobilidade nas áreas urbanas. Não existe solução sustentável e eficiente para os deslocamentos nas cidades que prescinda dos serviços de transporte coletivo. Uma pesquisa publicada pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) em fevereiro desse ano indica que os aplicativos de transporte foram responsáveis pelo aumento da intensidade e dos tempos de congestionamento, que sua utilização não impactou na redução da propriedade de veículos e a demanda do transporte público caiu.
Nosso sistema de transporte público precisa evoluir muito, é verdade. Assim como aconteceu nos anos 90 no governo Collor de Mello, quando nossos carros foram comparados a carroças e a indústria cresceu, nosso modelo de transporte também precisa de uma transformação. A modernização passa por uma série de ações que objetivam atrair o cliente para esse serviço essencial, é necessário dar mais conforto e pensar na viabilização de veículos com combustíveis mais limpos. A digitalização pode melhorar a informação e fiscalização em tempo real e ampliar os meios de pagamento, facilitando ao cidadão utilizar o transporte público. É fundamental que se tenha mais transparência e uma política de dados abertos pode ser um caminho para o avanço tecnológico. Além de todas essas transformações, também é necessário que se mude a compreensão da importância e do papel desse serviço público nas cidades brasileiras.
A maioria dos sistemas de transporte público pelo mundo não vive exclusivamente da tarifa e é necessário que governantes e a sociedade participem desse debate com urgência. Não há como se pensar em um transporte público de qualidade no formato que temos hoje no Brasil, onde só o cidadão que anda de ônibus paga a passagem para custear todo o serviço. A pandemia fez com que diversos setores se adaptassem à nova realidade e o transporte também precisa passar por todas essas adaptações.
Assim como houve um período de grandes investimentos públicos para modernizar a indústria automobilística, chegou a hora do país optar pelo desenvolvimento de uma indústria que, em termos de empregos, é bem significativa para o país e, no aspecto ambiental, é menos poluente por passageiro transportado que os demais modos motorizados de transporte. Para aqueles que só possuem o transporte público como alternativa, essa é a única forma de terem acesso à educação, saúde e tudo mais que as cidades oferecem. Ou seja, assim como foi importante naquele momento investir na indústria automobilística no Brasil, agora se faz necessário investir em mobilidade urbana para democratizar o acesso aos serviços públicos, reduzir os congestionamentos e a poluição e, sobretudo, para darmos o tão esperado salto de qualidade nos serviços prestados ao cidadão que anda de transporte coletivo.
* Rodrigo Tortoriello é Consultor especialista em Mobilidade Urbana e Mobilidade Ativa, pós-graduado com MBA em engenharia de transportes pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pós graduado no Master em Liderança e Gestão Pública – MLG do Centro de Liderança Pública (CLP).
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