Do PORTAL UNIBUS
Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom (Agência Brasil)
O transporte público brasileiro vive uma crise de imagem e desempenho que se reflete diretamente no comportamento dos passageiros. Diante de um sistema deficiente, com ônibus lotados, lentos e inseguros, cresce o número de pessoas que migram para os aplicativos de transporte com motocicletas, como Uber Moto e 99 Moto, mesmo sabendo dos riscos.
A escolha é descrita por muitos usuários como uma mistura de necessidade com praticidade. “Uso com frequência o serviço de moto porque ele me dá mais confiança do que o ônibus ou o metrô. O Uber Moto me pega em casa, é mais barato e ganho tempo no trânsito”, relatou o atendente de marketing Márcio Ferraz ao “Jornal do Commercio”. Ele reconhece os riscos de acidentes, mas vê o custo-benefício como decisivo. “Se pudesse, usaria só os apps de carro, mas é muito caro. E o transporte público também tem seus perigos.”
Aplicativos “roubam” passageiros do transporte coletivo
Esse deslocamento do público para os apps não é novidade, mas foi acelerado nos últimos anos com a chegada da modalidade por motocicleta. Dados da Pesquisa CNT de Mobilidade da População Urbana, divulgada em 2024, mostram que o percentual de brasileiros que migraram dos ônibus para os aplicativos de transporte saltou de 1% em 2017 para 11,1% em 2024.
A saída é ainda mais forte entre os brasileiros de menor renda: 56,6% dos que trocaram o ônibus por apps pertencem à classe C, e 20,1% às classes D e E. Quase 60% dos entrevistados (56,9%) afirmaram ter deixado de usar ônibus completamente ou ter reduzido seu uso. O avanço dos aplicativos de moto, especialmente após 2021, teve papel determinante nesse cenário.
Imagem negativa e tarifa cara afastam o usuário
O transporte coletivo é cada vez mais visto como um problema. A percepção negativa dobrou em sete anos, saltando de 12,4% para 24,3% dos entrevistados. Entre 2017 e 2024, o percentual de pessoas que utilizam ônibus caiu de 45,2% para 30,9%. Os sistemas sobre trilhos, como metrôs, perderam menos público, reforçando sua maior atratividade.
Ainda que mais da metade dos usuários (58,5%) admita o risco de acidentes em viagens com moto por aplicativo, a percepção de conforto e agilidade é fator decisivo na escolha. O serviço vai onde o ônibus não chega e proporciona economia de tempo. A falta de equipamentos de proteção e segurança é uma preocupação para 17,1% dos entrevistados, mas não suficiente para barrar o uso crescente.
População quer qualidade — e está disposta a pagar
Curiosamente, a Pesquisa CNT aponta que uma parcela expressiva dos passageiros estaria disposta a pagar mais por um transporte público melhor. Cerca de 57% dos entrevistados se mostraram favoráveis a uma tarifa mais cara desde que viajassem apenas sentados. Outros 52,6% aceitariam pagar mais por ônibus menos poluentes, e 32,1% preferem veículos elétricos, mesmo com tarifa diferenciada.
Esses dados revelam que a crise do transporte público no Brasil não é apenas técnica, mas também simbólica. O passageiro não se sente valorizado nem seguro. Enquanto isso, os apps de transporte, especialmente os de moto, avançam sobre um terreno fértil de insatisfação, oferecendo aquilo que o cidadão mais busca: deslocamento rápido, direto e — apesar dos riscos — acessível.
A Pesquisa CNT entrevistou mais de 3 mil pessoas em 35 municípios brasileiros e ajuda a expor um dilema estrutural da mobilidade urbana no país: ou o transporte público se reinventa com qualidade, conforto e capilaridade, ou continuará perdendo espaço — e vidas — para modelos individuais mais frágeis e perigosos.