Do Jornal Valor Econômico
Foto: Arquivo (Marcopolo / Via Secco Comunicação)
A praticidade e conforto dos assentos leito de ônibus frente às tarifas elevadas das companhias aéreas têm sido diferenciais importantes para o fotógrafo e produtor audiovisual do Rio de Janeiro João Rocha, 28 anos, na hora de viajar entre sua terra natal e São Paulo, sua nova casa há três anos.
Assim como Rocha, milhares de brasileiros estão redescobrindo o transporte rodoviário e o movimento tem criado um mercado de assentos premium que antes era bastante incipiente nas rodovias.
Empresas de transporte passaram a ajustar a oferta para atender a esse cliente disposto a pagar mais por conforto. Na plataforma Clickbus, a oferta de assentos mais confortáveis na rota Rio-São Paulo hoje é 800% maior do que era em 2019. Já no lado da Marcopolo, principal fabricante de ônibus do país, os assentos leito representaram 14,49% do total entregue ao mercado em 2022, contra 5,18% em 2019. Em 2019, 0,11% das poltronas (91 unidades) comercializadas pela fabricante eram “massageadora” – top da linha da empresa. Em 2022, o percentual saltou para 0,82% (231 unidades).
Em março, 41% dos usuários de ônibus tinham migrado do avião nos 12 meses anteriores.
“Já fiz o trecho de avião algumas vezes no passado. Conforme o tempo foi passando a passagem foi ficando mais cara”, disse Rocha, destacando que a viagem de ônibus não precisa ser planejada com uma antecedência tão longa. “Às vezes decido viajar na quinta de noite e na sexta eu consigo comprar passagem”. Segundos dados do IBGE, em 2022 a tarifa rodoviária interestadual teve alta de 13,8% contra o ano anterior, enquanto isso a aérea saltou 23,53%.
O conforto tem conquistado os passageiros, que chegam a pagar pelo assento leito/semi-leito cerca de 41% a mais do que a convencional no trecho Rio-São Paulo, segundo levantamento da Clickbus. Em média, os preços dos assentos premium no trecho estão em R$ 140,19. A demanda é tamanha na rota que fez as empresas ampliarem a oferta dessas poltronas em 800% na comparação com 2019, enquanto a oferta geral saltou 400% no trecho, considerando o inventário da plataforma.
O presidente da Clickbus, Phillip Klien, disse que o mercado de assentos mais confortáveis tem ganhado espaço diante da concorrência agora mais favorável com o modal aéreo e mudanças regulatórias. “A ANTT deu mais flexibilidade em 2019 e isso favoreceu o mercado”, lembrou. A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) deixou livre a precificação de tarifas interestaduais, antes tabeladas – no setor aéreo há liberação desde o início dos anos 2000.
Hoje, 54% dos assentos na Clickbus na Rota Rio-São Paulo são premium, enquanto em 2019 representavam 45% – o trecho tem forte demanda pelo serviço. Considerando toda a oferta da Clickbus, 10% dos assentos são de categorias como leito/semi-leito – em 2019 esse percentual era de 4%. Levantamento da consultoria Blend, realizado em março de 2023 a pedido da ClickBus, mostra que 41% dos usuários do modal rodoviário trocaram o avião pela viagem de ônibus nos 12 meses anteriores; 31% nunca viajaram de avião; e 27% viajaram de avião e seguem viajando.
A mudança do mercado tem sido sentida também pela Marcopolo, que responde por 77% do mercado brasileiro. Em 2019, dos 80.710 assentos entregues ao mercado, 5,18% eram da categoria leito. Em 2022, o total de assentos entregues foi bem menor, 28.257, mas a representatividade dos leitos aumentou para 14,49%. Estas poltronas mais confortáveis são alocadas sobretudo na parte inferior dos ônibus de dois andares.
“O movimento de ônibus de dois andares no exterior veio muito antes. No Brasil, se iniciou há cerca de 10 anos, mas passou a ser predominante em relação aos outros modelos a partir da pandemia”, disse Ricardo Portolan, diretor de operações comerciais de mercado interno e marketing da Marcopolo.
A empresa lançou em setembro de 2021 sua nova geração de ônibus, a G8, que atingiu as mil unidades produzidas em março. “Nossa estimativa era alcançar esse patamar mais para a metade do ano”, disse. A linha G8 representa 90% das vendas. O veículo com dois andares custa a partir de R$ 1,5 milhão – e pode passar dos R$ 2 milhões a depender da configuração.
A startup Buser também tem apostado no segmento com mais conforto. São mais de 378 destinos operados por ônibus leito, leito-cama ou cama-premium, sendo as principais rotas São Paulo-Rio e São Paulo-Belo Horizonte. Só saindo de capital paulista, são mais de 150 destinos com essas opções de assento. “Estamos tentando expandir o uso de ônibus ‘premium’ para mais viagens. A expectativa, até o segundo semestre, é ampliar os trechos operados por ônibus dessa categoria, buscando cada vez mais parceiros que possuem esse tipo de veículo”, informou a empresa, que oferta tanto o chamado fretamento colaborativo quanto via marketplace. Em 2022, registrou quase 1,2 milhão de passageiros viajando nas categorias leito, leito-cama e cama premium, uma alta de 40% sobre 2021.
Além de uma tarifa maior, parte dos clientes desse segmento costuma se programar com um pouco mais de antecedência, outro aspecto positivo apontado pelas empresas do setor, como a capixaba Águia Branca – que por sinal foi a empresa escolhida para lançar a nova geração de ônibus da Marcopolo. No geral, 55% da demanda da Águia Branca tem antecedência de até 48h. Na categoria leito-cama, essa fatia cai para 35% – em média, metade destas poltronas é vendida entre 7 e 14 dias de antecedência. No setor aéreo, é comum passageiros comprarem bilhetes mais de 60 dias antes e o movimento é o sonho do setor rodoviário.
Entre janeiro e abril, a Águia Branca teve aumento de 20% na venda de passagens da classe leito-cama. Trechos mais curtos, como o Rio-SP e Vitória-Rio registraram alta de 20% e 57%, respectivamente. O trecho Salvador-Vitória teve aumento de 130%.
“De 2015 para cá, com a chegada dos veículos de dois andares na frota, passamos a investir cada vez mais em produtos”, disse Thiago Juffo, diretor comercial da empresa. Hoje, 98 dos cerca de 650 carros são de dois andares. “Em meados de abril, maio do ano passado a gente já venceu o nível de demanda do pré-pandemia [no geral]. E a procura tem sido resistente nesse tipo de produto de maior valor agregado”, disse. Em março, cerca de 15% da demanda geral da empresa foi leito ou leito-cama. Em igual período de 2019 esse percentual era de 2%. Ele explicou ainda que o setor tem sido incentivado por renovar frota, uma vez que as gerações mais novas têm um custo por assento menor.