Do Jornal O Estado de S. Paulo
Foto: Andreivny Ferreira (UNIBUS RN)
Uma das inovações que a minuta de projeto de lei do novo Marco Legal do Transporte Coletivo traz é a diferenciação entre tarifa e custo de operação. Isso significa basicamente que o poder público —prefeituras, governos estaduais e a União — terá de bancar o transporte coletivo. Claro, poderá continuar cobrando tarifa, mas ela não poderá mais ir diretamente para as empresas.
Essa diretriz, que poderá virar lei quando o novo marco legal for aprovado, unifica demandas antigas de prefeitos, empresas, pesquisadores e até militantes pelo passe livre. “Fazer essa separação é melhor porque pode cobrar uma tarifa menor e pagar um valor maior [para os operadores]”, afirma Lucio Gregori, ex-secretário de Transportes de São Paulo e defensor da tarifa zero.
Daniel Santini, pesquisador da USP na área de mobilidade e coordenador da Fundação Rosa Luxemburgo, define essa alteração como “muito saudável”. Luiz Carlos Mantovani Néspoli, superintendente da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), diz que a mudança significa “uma quebra de tabu enorme”. “Essa história de que é o passageiro quem paga depaupera o sistema.”
Edvaldo Nogueira (PDT), prefeito de Aracaju (SE) e presidente da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), afirma que a passagem não consegue mais bancar o transporte coletivo.
A busca é pelo melhor modelo de financiamento do transporte. Os defensores da tarifa zero acreditam que o próprio Tesouro poderia bancar os custos de operação. A mesma tese vem sendo defendida ultimamente pelas empresas operadoras. “As estimativas são que 5% do orçamento de uma cidade seriam suficientes para reduzir a tarifa pela metade”, calcula Néspoli, da ANTP.
Com aporte de recursos do governo federal, como também prevê a minuta do marco legal, essa conta deve fechar mais fácil. “No mundo inteiro o transporte nas metrópoles é bancado com dinheiro federal”, lembra o presidente da FNP.
Marcio Hannas, presidente da CCR Mobilidade, empresa que detém contratos de concessão de transportes em várias partes do País, comentou, no Meet Point Estadão “O Marco Legal do Transporte Coletivo e a qualidade do serviço prestado à população”, que educação e saúde são áreas que contam com recursos mínimos orçamentários estabelecidos na Constituição. “Mas sem transporte público as pessoas não chegam nem no hospital nem na escola.”
Aliadas ao financiamento vêm outras duas questões: os modelos de contratação e os critérios de qualidade. Um dos artigos da minuta recomenda que, sempre que possível, devem ser feitos dois contratos: um para a frota, outro para a operação. Dessa forma, uma empresa “alugaria” os ônibus, outra empresa forneceria motoristas e equipe operacional.
Gregori comemora. Ele lembra que o Rio de Janeiro já adotou esse modelo no BRT com muito sucesso. Para ele, o erro está em fazer o pagamento às empresas por passageiro transportado. Daniel Santini concorda: “Ter empresa que ganha por passageiro controlando também as catracas não é a coisa mais inteligente do mundo”.
Com novos modelos de contratação e critérios de qualidade nacionais estabelecidos, o governo federal deve ser parte da solução do financiamento do transporte. Entre os critérios exigidos para a União liberar subsídios aos sistemas locais de transporte, estarão questões ambientais, sociais e de padrão de qualidade como pontualidade e satisfação dos usuários.