RJ: Motorista de ônibus faz plaquinha para garantir assento de criança autista

Do Jornal O Dia (RJ)
Foto: Reginaldo Pimenta (Agência O Dia)

Gabriel Monteiro de Souza Soares, de 11 anos, foi diagnosticado com autismo aos 4 anos. Desde então, estuda em uma escola especial e vai acompanhado de sua mãe, Roberta Soares, 35. Para não chegar atrasado e por ter poucas opções que os deixem em frente ao colégio, ambos usam a mesma linha no mesmo horário todos os dias – o 679 que faz o trajeto Grotão x Méier, às 6h20. No entanto, para o menino, a viagem acaba se tornando estressante, pois sua cadeira preferida, atrás do motorista, está sempre ocupada e ele acaba tendo que fazer a sua viagem em pé. Ao notar a tristeza no semblante de Gabriel, o motorista fez um recado pedindo para que ninguém se sentasse naquele lugar porque é um assento especial reservado.

“A gente pega esse ônibus há bastante tempo porque só ele nos deixa no mesmo horário. Se pegarmos outro, não chegaremos a tempo. Então a gente já até conhece o motorista e fizemos amizade com ele”, disse Roberta. “Nos últimos dias, o motorista estava percebendo que o Gabriel entrava triste e passava direto. Ele então me perguntou porque o meu filho estava daquele jeito e eu expliquei que ele gosta de sentar na cadeira que fica lá na frente, atrás do volante. Só que ela nunca estava vaga e ele não conseguia se sentar, o que o deixava chateado”.

Roberta explicou que por dois dias seu filho chorou bastante. “Geralmente, quando o ônibus está cheio, as pessoas descem na estação Maria das Graças e o Gabriel corre para pegar o lugar atrás do motorista. Por mais que a gente não passe a viagem toda sentado, ele às vezes consegue arranjar uma cadeira. Então Gabriel se sentiu muito frustrado e começou a ir chorando para a escola. Foi quando o motorista tomou uma iniciativa muito solidária e fez uma plaquinha, com folha A4 e canetinha colorida, pedindo para que ninguém sentasse naquela cadeira que meu filho gosta”.

Gabriel é filho único de Roberta e, por mais introspectivo que seja, ele adora ir para a escola ver os seus amigos e professores. Para controlar a sua ansiedade, já chegou a tomar remédio, mas logo o seu pediatra deu alta por não haver mais necessidade. De acordo com Roberta, o seu autismo se esbarrou na questão da comunicação. “Ele começou a falar as 3 anos de idade, mas não conversa como eu, por exemplo. Sua dificuldade está em formular uma frase, para pedir ajuda, para dizer o que quer. Fico preocupada porque se acontecer algo com ele, como vai explicar?”.

A criança também tem dificuldade em interagir socialmente. De acordo com a sua mãe, ele não gosta de estar na roda ou de brincar com muita gente. “Ele prefere ficar sozinho com os bonecos e os eletrônicos que tanto ama, como o vídeogame. Gabriel adora assistir comercial de mercado também e fala todas as promoções e os produtos”, disse. “Ele é uma criança vulnerável, não vê maldade em nada. Eu tento alertá-lo para um mundo real, digo que nem todo mundo é solidário e não são todos que vão fazer esse gesto tão nobre como o motorista fez”.

O motorista da linha 679, Giliard Pedroza, 30, contou que teve a ideia do bilhete para amenizar a reclamações das pessoas que fossem se assentar naquele local e deixar o Gabriel mais feliz. “Eu estava notando ele meio triste, aí perguntei para a Roberta o porquê. Ela respondeu que ele gostava de sentar no banco atrás de mim. Foi quando cheguei no ponto final do Méier, escrevi o bilhete e colei lá. Disse também para uma das moças que trabalham no colégio dele, que se alguém perguntar, era para falar que estava reservado”.

O sorriso do menino já foi o suficiente para alegrar o motorista. “O melhor a risada dele ao ver aquele banco livre para poder se sentar. Ali eu ganhei meu dia. Quando ele desceu do carro, foi todo feliz para a escola. A solidariedade é importantíssima pois com ela conseguimos mudar o nosso meio de convivência. Já que não podemos impactar o mundo de uma vez, vamos impactando o nosso círculo de convivência”.

A psicóloga infantil Vanessa Oliveira explicou que a necessidade em manter a rotina é uma das grandes características de quem tem o Transtorno do espectro autista. “Eles têm mais dificuldade na autorregulação, então uma simples mudança na rotina, pode ser o suficiente para gerar crises. Eles precisam que haja um padrão de organização mantido, para se sentirem mais seguros e confortáveis, reduzindo assim, os níveis de ansiedade”.

Vanessa ainda enfatizou que muitas vezes isso irá aparecer em pequenos hábitos do dia a dia, como comer as mesmas coisas no café da manhã, dormir com o mesmo pijama, só comerem balas de determinada cor ou só sentarem nos mesmos assentos na escola ou em transportes. “A empatia e entendimento das pessoas ao redor faz-se muito necessário, já que nem sempre é possível prever que tipos de mudanças irão incomodar a ponto de os fazerem entrar em crise. Às vezes, uma coisa que parece pequena para você, para alguém com autismo afeta bastante”.

Diagnóstico
Roberta começou a perceber que tinha algo diferente em seu filho quando ele tinha 1 ano de idade. Ela levou o menino aos médicos, entre eles pediatra, neurologistas e fonoaudiólogos, mas todos respondiam a mesma coisa: estava tudo normal. “Eu convivia com meus primos e via que tinha algo diferente. As pessoas pediam para eu esperar um pouco. Conversei com o pediatra, ele pedia para eu esperar, mas eu não deixava de achar que tinha algo ali”.

Ela então levou Gabriel ao psiquiatra infantil, que pediu uma série de exames, inclusive para saber se havia alguma coisa relacionada a audição do menino. “A princípio não tinha nada. A médica achava que era só questão de falar mesmo, porque até os 2 anos ele não falava. Disse-me que na fono ele desenvolveria e que como ele era muito agarrado a mim, não havia necessidade de pedir as coisas. Era como se Gabriel tivesse preguiça de falar”.

O diagnóstico enfim saiu quando Gabriel tinha 4 anos. “Quando um neurologista de fato falou o que estava acontecendo, foi então que comecei a correr atrás e ver que de fato meu filho precisava de um local que o atendesse. Quando descobri, não sabia o que era o autismo exatamente, não falavam tanto dessa questão, nem ouvia muito na televisão nem nos jornais”, disse Roberta. “Nunca foi fácil lidar com isso, mas sempre tentei levar da melhor maneira possível. Já passamos por alguns momentos de dificuldade por causa da falta de acessibilidade, mas a gente tenta lidar. Eu falo para o Gabriel que o mundo não é um mar de rosas, nem sempre vamos poder contar com a disponibilidade e gentileza das pessoas. O que esse motorista fez me emocionou muito”.

Melhorias no transporte
A acessibilidade e o respeito, para Roberta, deveria ser construída não apenas pelo governo, mas também com a população. Ela mencionou que os ônibus que pega são sucateados e precários, com condições difíceis de lidar. “Eles prometem o mundo para a gente, mas quando chega o momento não fazem nada. Os bancos são rasgados, falta encosto, os veículos são sujos, as portas não abrem nem fecham direito. Complicado. Em relação a acessibilidade, todos temos que trabalhar juntos. Falta muita empatia das pessoas. Muitos não veem que o Gabriel é autista porque o autismo não está na cara”.

Ela também explicou que quando Gabriel senta na cadeira preferencial do ônibus, os idosos pedem para ele se levantar porque não é justo uma criança tomar aquele lugar. “O autismo é um comportamento, às vezes é difícil de identificar. Já tive que engolir muita coisa a seco, como quando pedem para ele levantar dos assentos especiais. Peço que a sociedade não julgue, mas procure conversar com a mãe da criança. Muita das vezes eu vou em pé no ônibus e ele sentado, justamente para ceder lugar”.

De acordo com a Secretaria Municipal de Transportes, todos os ônibus convencionais da cidade devem possuir equipamento de acessibilidade, além disso, pessoas com Transtorno do Espectro Autista têm direito aos assentos preferenciais no transporte público.

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