Do Diário do Nordeste
Foto: Divulgação (Busscar)
“Com saída dos ônibus ficaram as topiques e a lotação. A lotação você tem que ligar um ou dois dias antes para poder ver se tem uma vaga para ir. Eu tenho loja, e não tenho carro próprio e faço compras em Fortaleza. Muitas vezes, pego a topique às 6h30 da manhã e vou até Fortaleza em pé”. A queixa é de Ana Camilla Pessôa, moradora de Paraipaba, e reflete uma situação vivenciada no município em outros 24 do Ceará, tanto da Região Metropolitana como do interior: a falta de circulação de ônibus intermunicipal.
Em Paraipaba, assim como nas outras 22 cidades cearenses (2 municípios que não têm ônibus intermunicipais têm ao menos um ônibus “metropolitano”), os deslocamentos tanto entre municípios vizinhos como entre os mais distantes, dentro do próprio Estado, é feito exclusivamente via serviço regular interurbano complementar, as vans, conforme a Agência Reguladora do Estado do Ceará (Arce).
Mas há as “saídas” informais e, diante da falta de circulação de linhas regulares de ônibus intermunicipais, em muitos desses territórios, a opção é pela lotação, uma modalidade “alternativa” de transporte na qual carros particulares são pagos pelos passageiros para a realização dos percursos.
“Para a gente conseguir ir de lotação tem que marcar dois dias antes. Se for para ir no mesmo dia, não tem mais vaga. A gente liga para as pessoas para marcar, para garantir a vaga. Paga 40,00 para ir até o Centro de Fortaleza”, conta Ana Camilla, residente de Paraipaba, que é balconista de Farmácia e tem um loja de roupas na cidade.
Ao todo, 25 cidades vivenciam esse gargalo, mas duas delas, Guaiúba e Pacoti contam, cada uma, com uma linha de ônibus relativa ao serviço regular metropolitano (aquele se limita a pequenas distâncias), diz a Arce.
O cenário de ausência de ônibus, explica a Arce, ocorre devido a dois fatores:
- Para a maioria das 23 cidades, o serviço de transporte regular interurbano foi objeto de três licitações consecutivas, mas não houve êxito, já que empresas não manifestaram interesse;
- Outras localidades específicas, diz a Arce, registram baixa demanda desde 2009, o que resulta na disponibilidade limitada ao serviço complementar.
Em 2020, a empresa Fretcar deixou de operar diversas linhas que passam pelas cidades hoje desatendidas pelos ônibus intermunicipais. Atualmente, conforme a Arce, cinco empresas são concessionárias de ônibus intermunicipais no Ceará: São Benedito Autovia LTDA, Consórcio Viação Princesa dos Inhamuns, Empresa Gontijo de Transportes LTDA, Expresso Guanabara LTDA, Auto Viação Metropolitana LTDA.
Impacto para moradores e visitantes
As cidades afetadas pela falta de ônibus intermunicipais estão em 7 regiões do Ceará: Região Metropolitana de Fortaleza, Cariri, Sertão de Sobral, Centro Sul, Litoral Oeste/Vale do Curu, Vale do Jaguaribe e Maciço de Baturité. Esta última região concentra o maior número de cidades sem o serviço.
“E tem outra coisa, Paraipaba é uma cidade turística, com a Praia da Lagoinha, mas muitas pessoas deixam de vir por falta de transporte. Na topic a passagem é 20,00. Na lotação é 40,00”, completa Ana Camilla, moradora da Paraipaba.
Em Baturité, cidade que também vivencia essa realidade e é um das maiores em população entre os municípios que não têm ônibus intermunicipal, o prefeito, Herberlh Mota, destaca que: “Infelizmente já tivemos várias licitações por parte do Governo do Estado mas não houve interesse após a saída da Fretcar. Ainda tentei com a Empresa São Benedito no início de 2021 mas alegaram que a rota não se pagava”.
Ele ressalta o impacto de não ter a circulação de ônibus: “é muito grande, tanto de forma econômica como social. Pois diminui o fluxo de pessoas e com isso as cidades da região perdem muito espaço para outros centros urbanos que possuem o transporte regular”.
Possíveis soluções
A possível baixa rentabilidade de algumas dessas linhas, aliada ao pequeno número de passageiros, reitera o professor do Departamento de Engenharia de Transporte da Universidade Federal do Ceará (UFC), Mário Azevedo, pode afetar a sustentabilidade e a oferta frequente do serviço.
Nesse contexto, reforça ele, “as pessoas à mercê e passam a usar um sistema que, muitas vezes, não é um serviço nem fiscalizado”. Ele acrescenta que em áreas mais afastadas das sede das cidades, esse dilema aumenta.
Além disso, diz o professor, nos deslocamentos há que se considerar que o transporte não inclui só “a própria pessoa”. O passageiro, lembra ele, muitas vezes “carrega alguma coisa consigo”. E, no caso de comerciantes, por exemplo, essa situação se torna ainda mais difícil.
O problema é complexo, avalia o professor, tendo em vista a necessidade de equacionar várias limitações: a demanda da população; o baixo número de passageiros (em determinadas situações); os custos do transporte e o desinteresse das empresas.
Uma solução pensada em diversos planos de transporte, relata, é desenhar sistemas de transporte que tenham cidades centrais e ramificações a partir delas. Tal mecanismo pode ser aprimorado para tentar solucionar o gargalo no interior do Ceará.
“Por exemplo, cidades principais tenham linhas que ligam a Fortaleza e vão ramificando depois. Fazer uma espécie de integração e as pessoas precisam trocar (de ônibus) depois. Para chegar nos locais menores”, explica.