Do UOL
Foto: Luiz Guilherme Nascimento (Ônibus Brasil)
A viagem na linha de ônibus mais “perrengue” de São Paulo durante o jogo do Brasil x Croácia na tarde desta sexta-feira foi um prenúncio do que estava por vir.
A depressão pós-Copa que toma conta dos brasileiros e aquela sensação de que “acabou a festa, vou ter de voltar a trabalhar” já eram sentidas antes mesmo da eliminação brasileira na linha 477P/10, a mais longa da cidade, com 78 quilômetros.
Ali, motorista, cobrador e o gato pingado de passageiros honravam a máxima: melhor mesmo é torcer pelo boleto, que sempre vence. E trabalhar bastante para conseguir pagá-lo — mesmo em dia de Copa do Mundo.
Quando o apito do juiz deu início à partida entre Brasil e Croácia, o motorista Manoel Edivânio tomava lugar no volante e começava a sua viagem, que duraria quase duas horas do Ipiranga, na zona sul, até o Rio Pequeno, na zona oeste. Não havia bandeira do Brasil nem vuvuzelas ou qualquer transmissão de jogo.
Essa era apenas uma das quatro viagens que ele faz todos os dias na mesma linha, com paisagens que alternam de prédios luxuosos a quebradas paulistanas.
Na cabine do motorista, nem um sopro de clima de Copa aliviava o ar quente. Desde que o torneio começou, ele trabalhou em todos os jogos do Brasil — e trabalharia até mesmo se a seleção chegasse à final. “Já estou escalado.”
A solução era acompanhar de “orelhada” os comentários sobre a partida feitos pelos poucos passageiros — a maioria também a caminho do trabalho — que entravam e saíam da condução.
“Não tem outro jeito. Tenho de trabalhar”, dizia Manoel. Já o cobrador Marcelo Lourenço até olhava para o celular de vez em quando, em meio ao sacolejo da lotação, para verificar o placar do jogo.
Pelo caminho, não havia trânsito na tarde desta sexta-feira nem mesmo na Rodovia Raposo Tavares, conhecida por travar em horários de pico.
Os passageiros na hora do jogo eram poucos — em todo o trajeto, não subiram mais do que 15. Duas senhoras, as primeiras a entrar no ônibus ainda no início da partida, na rua Lino Coutinho, desceram pouco depois do Museu do Ipiranga e disseram não ligar para a Copa.
Uma outra mulher, que se identificou apenas como Maria Regina, não passou dez minutos na condução até descer em uma farmácia. A 12 mil quilômetros dali, no Qatar, a seleção brasileira não fazia seu serviço.
“Eu assistia a todos os jogos, mas desde o 7 a 1 eu não vejo mais, não. Até hoje! Fico torcendo para sair o gol, mas não assisto. Hoje mesmo, fiz pipoca para os meus filhos e sai”, completou. Poucos estavam vestidos de verde e amarelo.
O jogo que se estendeu até a prorrogação também não ajudou o trabalhador paulistano. Nas proximidades do Rio Pequeno, a lojista Amanda Vitória teve de sair de casa e tomar a condução antes de a partida terminar.
“Como o jogo não acabou, tive de sair para trabalhar. Assisti em casa, mas logo depois da partida o shopping reabre e eu preciso estar lá”, contou.
No momento em que Neymar marcou o gol do Brasil, no primeiro tempo da prorrogação, Amanda descia em frente ao trabalho sem tirar os olhos da tela do celular.
O ônibus voltou a ficar completamente vazio — a não ser pela presença de motorista e cobrador. A Croácia empatou e não houve qualquer reação. A partida foi aos pênaltis e só o barulho da lataria interrompia o silêncio que pairava sobre o veículo.
O Brasil foi eliminado, mas motorista e cobrador continuavam inabaláveis na missão de completar mais uma jornada de trabalho e voltar para casa, finalmente.