Do Jornal Folha de S. Paulo
Foto: Rovena Rosa (Agência Brasil)
A cidade de São Paulo tem mais dois anos para cumprir a meta, estabelecida pela prefeitura, de contar com 20% de ônibus elétricos em sua frota no transporte público. Mas o que falta para transformar em realidade aquilo que foi determinado pela gestão pública e ainda ir além, adequando-se totalmente ao que prevê a Lei de Mudanças Climáticas, de 2018?
A capital já tem parceria com a responsável pela infraestrutura de energia elétrica, a Enel X, e ao menos quatro grandes fornecedores de ônibus estão disponíveis para iniciar a produção em larga escala. A ideia é bem aceita, de forma geral, pelos donos das empresas de transporte, que são os operadores do sistema.
A própria prefeitura tenta agilizar o processo de substituição de 2.400 a 2.600 ônibus até o fim de 2024. A gestão Ricardo Nunes (MDB) enviou até mesmo carta, em outubro, aos operadores do sistema exigindo que veículos a diesel sejam trocados exclusivamente por elétricos a partir daquele momento —e chegou a ser questionada a respeito disso pelo Ministério Público, que viu certo afobamento e falta de transparência na medida.
“Na minha visão, a gente está próximo de tornar [a opção por ônibus elétricos] algo normal dentro da renovação da frota”, afirma o secretário-executivo de Transporte e Mobilidade, Gilmar Pereira Miranda. “Não é uma substituição integral dos 12 mil veículos, mas daqueles que, neste ano, cumprem o prazo máximo de operação”, ressalta.
Diretor da Enel X, Carlos Eduardo Cardoso afirma que a realidade paulistana é promissora. “Não falta mais nada. Está no caminho correto. Regras claras, quantidade de passageiros no pós-pandemia, grande estruturador interessado”, diz.
Segundo Cardoso, as negociações na capital paulista são privadas, entre a empresa e os operadores do sistema —os empresários de ônibus. A prefeitura não se responsabilizará pela compra dos veículos.
Apesar dos benefícios destacados por apoiadores da eletrificação, no setor de ônibus ainda há certo receio em relação ao modelo.
Disponibilidade (capacidade da indústria de atender os pedidos, com qualidade), confiabilidade (testes em larga escala, com linha de produção estável) e razoabilidade (custo para a implantação) são citadas por empresários como questões ainda a serem esclarecidas.
Os operadores também não querem “colocar todos os ovos na mesma cesta”, ficando reféns de um único modelo, com garagens voltadas apenas aos elétricos. A diversidade traria mais confiança a eles.
Como a lei não fala exclusivamente em eletrificação, mas em reduzir 50% da emissão de CO2 de origem fóssil, em dez anos, a partir de 2018 —eliminando totalmente em 20 anos, até 2038—, empresários pensam também em alternativas, como o uso de biometano, por exemplo, que é um gás proveniente de aterros, esgoto, não de petróleo.
Segundo um operador, o TCO (sigla para custo total de posse) de um elétrico ficaria hoje entre R$ 85 mil e R$ 90 mil por mês, ante R$ 75 mil de um diesel equivalente. Já fazem parte dessa conta a depreciação e a manutenção. Ou seja, quem tem os ônibus nas mãos diz que ainda sai mais caro o elétrico, ao fechar a conta.
Entre as propostas que poderiam ser colocadas na mesa está o arrendamento de ônibus elétricos aos empresários do setor, por fundo de investimento em parceria com outros interessados, com juros mais baixos que aqueles praticados pelo mercado financeiro em geral.
Por esse modelo, a prefeitura funcionaria como uma espécie de avalista do negócio, usando parte da arrecadação do sistema como garantia em caso de inadimplência.
Mesmo assim, não seria algo isento de risco para quem hoje detém os ônibus que circulam pela cidade. Qualquer “escorregada” poderia levar à perda da concessão e das garagens, estratégicas no xadrez do transporte municipal. Por consequência, perderiam o próprio negócio.
Equação financeira
Ônibus elétricos custam, em média, o triplo do preço dos coletivos convencionais —R$ 2,4 milhões ante R$ 800 mil, em média, entre modelos equivalentes de 12 metros. Essa diferença tende a ser amortizada ao longo dos anos, pelo custo mais baixo de manutenção e vida útil mais longa dos primeiros.
Mas a equação financeira ainda precisa de ajustes entre as partes, como apurou a reportagem.
Numa conta simples, colocar 2.600 ônibus elétricos em circulação até o fim de 2024 exigiria um investimento de R$ 6,24 bilhões só em relação ao “material rodante”, como são chamados os veículos, que devem contar com banco de baterias para 250 km de operação —para evitar que o coletivo interrompa a operação para fazer recarga.
Com ajustes de infraestrutura (subestações, carregadores etc.), esse cálculo poderia chegar facilmente a R$ 8 bilhões, uma estimativa do setor. Como comparação, a prefeitura prevê cerca de R$ 12 bilhões com custos de operação do sistema de transporte público em 2023 — sendo R$ 7 bilhões em subsídios.
Segundo o diretor presidente da ABVE (Associação Brasileira do Veículo Elétrico), Adalberto Maluf, a lei precisa ser cumprida. Ele diz que a prefeitura deixará de gastar o subsídio para queimar diesel e que o custo operacional será reduzido em 68% com os novos modelos.
“Um ônibus elétrico se paga em seis anos e depois não tem custo”, afirma. “Estamos falando de 150 [do elétrico] contra 5.000 componentes [diesel]. Não tem como comparar”, completa.
Para Maluf, os quatro grandes fabricantes instalados hoje no país têm condições de atender a demanda por ônibus, o que traz ainda mais confiança de que a substituição em larga escala é possível.