Tarifa zero para ônibus em São Paulo esbarra em lei e não empolga nem prefeito

Do Jornal Folha de S. Paulo
Foto: Rovena Rosa (Agência Brasil)

Um estudo conduzido a pedido do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), para saber se é possível garantir a gratuidade no transporte público é tido como oportunista entre os vereadores da oposição.

O transporte público já vivia uma crise de financiamento antes mesmo da pandemia de Covid e, desde o fim do isolamento social, não reconquistou a totalidade dos usuários. Neste ano, nem com os subsídios bilionários da prefeitura as empresas evitaram greve de motoristas e cobradores.

Para o ano que vem, não está descartado o reajuste da passagem, represado em 2022 para não prejudicar o governador Rodrigo Garcia (PSDB) na corrida eleitoral em outubro.

Ainda assim, aliados do prefeito, como o presidente da Câmara Municipal, Milton Leite (União Brasil), insistem que a proposta será concretizada e dará prestígio a Nunes, que tentará em 2024 se manter no cargo.

Ao mesmo tempo, o próprio prefeito ficou contrariado com o vazamento da informação e demonstrou cautela para que a implantação da proposta não gere expectativas.

“Pedi um estudo para SPTrans, que ficou de me entregar em 60 dias e contratou uma consultoria. Estão fazendo levantamento de todos os aspectos do ponto de vista financeiro e jurídico”, disse Nunes, nesta segunda-feira (21). “Se for possível, a gente implanta. Se não for, vou mostrar as razões.”

Entre as alternativas para quem aposta na gratuidade, está a de criar uma taxa a ser paga pelas empresas de acordo com o seu quadro de funcionários. A manobra é bem questionável do ponto de vista jurídico.

“A legislação trabalhista é toda federal, e um prefeito não teria competência para criar uma taxa ou imposto a partir do fato para substituir o vale-transporte”, afirma o advogado trabalhista Carlos Eduardo Dantas, sócio do escritório Peixoto e Cury Advogados.

Outra possível fonte de receita para sustentar a ideia é com a venda de espaços publicitários nos ônibus. Para isso, será necessário modificar a Lei Cidade Limpa.

Atualmente, já existe uma diferença entre o valor da passagem definido pela prefeitura, R$ 4,40 desde janeiro de 2020, e o seu custo, que é de R$ 7,96, segundo cálculos da SPTrans.

Para amenizar de alguma forma esse impacto no bolso do cidadão, a prefeitura repassa às empresas de ônibus um subsídio, renomeado como tarifa de remuneração.

A gestão Nunes transferiu às empresas R$ 4,6 bilhões neste ano, sendo que em 2021 o repasse foi de R$ 3,3 bilhões. O valor é considerado insuficiente entre os donos de ônibus.

De acordo com a SPUrbanuss, sindicato das empresas que operam o transporte público na cidade, os gastos do serviço chegam a R$ 10 bilhões —e o setor arrecada, no máximo, a metade deste valor com a venda de tarifa aos passageiros.

O vereador Senival Moura (PT), presidente da comissão de transporte do Legislativo paulistano, diz que irá convocar audiências públicas para debater o tema. “Essa política é muito importante para o trabalhador e trará mais pessoas para o transporte público. A educação, a saúde são gratuitos, o transporte é fundamental também. Cabe ao governo mostrar de onde vem o dinheiro”, diz Senival.

Rafael Calabria, coordenador de mobilidade urbana do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), afirma que, caso a prefeitura decida bancar o passe livre, a conta não será tão simples, como considerar somente os gastos totais do serviço, R$ 10 bilhões, hoje.

“Com a gratuidade a demanda pelo serviço irá aumentar. Em cidades pequenas, o passe livre teve um aumento de 300% [usuários]”, diz ele.

Outro ponto, segundo Calabria, é se o passe livre poderá desestimular a procura pelas linhas férreas. “É preciso envolver o estado para não gerar uma disputa entre os dois sistemas de trilhos e de ônibus, para que os ônibus atendam a demanda com qualidade, e o metrô e trem não sofram uma debandada.”

Em São Paulo, ônibus, metrôs e trens tem o mesmo valor de tarifa exatamente para evitar que o passageiro acabe por privilegiar um dos modais —é o governo estadual quem administra as linhas férreas.

O vereador Donato (PT) cobrou da gestão Nunes esclarecimentos quanto à eficácia do modelo de financiamento e ao compromisso fiscal.

“Qual seria o valor desta taxa a ser paga pelas empresas? E o vale-transporte é uma legislação federal. Não sei se a conta é sustentável a longo prazo, a curto pode ser porque a prefeitura tem R$ 12 bilhões livre no caixa”, diz o petista.

“Cidades menores que adotaram a tarifa zero mudaram toda a logística e o número de passageiros aumentou. Esse mecanismo não tem comparação com uma metrópole com 13 mil a 14 mil ônibus”, completou.

Crítico contumaz dos valores pagos como subsídio, o vereador Toninho Vespoli (PSOL) questiona as motivações da gestão Nunes com o estudo tendo em vista “que o número de usuários diminuiu”.

“Com a gratuidade do transporte, como será realizada a fiscalização da prefeitura sobre a prestação do serviço? Haverá melhorias ou sucateamento? Precisamos estar atentos em como a gratuidade será posta em prática”, afirma o vereador.

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