Do Diário do Nordeste
Foto: Flávio Eduardo (Acervo UNIBUS RN)
Em meio às lotações do transporte público num trânsito intenso, corriqueiro nas manhãs de Fortaleza, os ônibus articulados quase sumiram há 2 dois anos. Após a frota de oito veículos ser desativada no início da pandemia, sete coletivos foram vendidos e circulam agora pelas vias de Manaus.
Com capacidade para 150 passageiros e climatização, os ônibus articulados começaram a rodar na capital cearense em 2014. Mas em novembro de 2021 a frota parou totalmente de circular.
Isso porque, devido à impossibilidade de abrir as janelas na maioria dos veículos do tipo, a frota precisou ser desativada no começo da pandemia da Covid-19 — período no qual o uso de ar-condicionado foi suspenso e as janelas dos coletivos foram abertas para diminuir a transmissão viral.
A reportagem apurou que os sete ônibus seminovos da frota de Fortaleza foram adquiridos por uma empresa de Manaus. O Diário do Nordeste tentou contato com a entidade, por telefone e pelas redes sociais, mas não conseguiu retorno até a publicação desta matéria.
“Não houve impacto em termos de operação por este motivo, visto que os veículos desativados foram substituídos pela quantidade adequada de ônibus da categoria ‘pesado’ nas suas linhas”, informou o Sindiônibus por meio de nota.
Nos últimos meses, um ônibus “sanfonado”, como é conhecido pela população, voltou a rodar em Fortaleza. Nesse caso, as janelas do veículo podem ser abertas.
O modelo de coletivos, inclusive, consome mais combustível e tem manutenção mais cara. É possível “cobrir” a demanda dos veículos articulados com uma quantidade maior de outros ônibus tradicionais, como analisa Mário de Azevedo, professor do Departamento de Engenharia de Transportes da Universidade Federal do Ceará (UFC).
“Quando tem um corredor bastante carregado, se coloca esses ônibus para levar mais pessoas de uma vez só. A demanda do sistema caiu, mas é preciso ver a programação da linha para saber se faz falta”, pondera.
Com mais veículos rodando, o tempo de espera dos passageiros pode encurtar, como acrescenta Mário. “Se numa hora você precisa transportar 900 pessoas, eu preciso de 6 viagens num desses ônibus (articulados), se for no pesado, eu preciso de 9 viagens”, exemplifica.
Falta dos “sanfonados”
Para Glauber Nogueira, fundador da página STU Ceará, grupo que reúne admiradores de ônibus, o ideal seria esperar mais um período “para ver se a demanda reagia porque ela tem crescido, ainda que lentamente”. Contudo, pelo lado empresarial, também considera muito custoso realizar a manutenção dos veículos parados.
“Do meu ponto de vista, eles fazem falta, ainda que não na mesma quantidade, porque Fortaleza não tem a mesma demanda de São Paulo e Rio de Janeiro, mas pelo menos uns 4 resolveriam alguma coisa”, explica.
O busólogo – aficionado em ônibus – entende também que a gestão municipal realizou um grande investimento na criação de corredores expressos, especialmente preparados para receber articulados. Hoje, porém, Glauber os considera subutilizados. “Nos horários de pico, até os ônibus maiores ficam que nem lata de sardinha”, observa.
A ausência dos coletivos é considerada como um prejuízo para o deslocamento do economista Sávio Medeiro, de 26 anos.
“Fui uma das primeiras pessoas a usar os ônibus articulados, na linha 222 (Antônio Bezerra-Papicu), quando foi criada esta rota em 2014. Era um conforto, parecia o metrô com ar-condicionado, lia os livros do vestibular sentado”, lembra.
Sávio concluiu os estudos num colégio na Dom Luís e começou a trabalhar na Barão de Studart. Por isso, permanece como passageiro da linha cotidianamente.
“Cabia muita gente e (era positivo), principalmente, para quem fazia esse deslocamento Papicu-Bezerra de Menezes. Agora está muito ruim, porque além do ônibus menor, está sem ar-condicionado e eu tenho a impressão de serem veículos velhos”, compara.
Implantação na década de 1990
Os ônibus articulados não são, de fato, uma novidade em Fortaleza. Dois veículos do tipo começaram a rodar em janeiro de 1990 após testes para cobrir as linhas Antônio Bezerra-Unifor e Campus do Pici-Unifor.
Na época, o chefe da Companhia de Transportes Coletivos (CTC) contou ao Diário do Nordeste que o ônibus sanfonado atenderia cerca de 400 passageiros nas horas de pico. Os coletivos funcionavam das 5h às 23h. As imagens e reportagens veiculadas na época foram resgatadas pelo Núcleo de Pesquisa do DN.
Em 2002, um projeto buscava ampliar a quantidade de ônibus articulados, adaptados para pessoas com deficiência, e capacidade de 180 passageiros e equipados com ar-condicionado. Os veículos também deveriam dispor de câmbio automático.
A Empresa de Trânsito e Transporte Urbano S/A (Ettusa), responsável pela iniciativa, tinha previsão de garantir 350 ônibus do tipo em circulação até 2020. Os veículos circularam por cerca de 10 anos, mas perderam a vida útil e não foram reimplantados até 2014.
Ainda na década de 1990, não havia um planejamento para a implantação dos coletivos sanfonados. “Na época, não existiam faixas exclusivas e só rodavam em linhas com demanda maior. Mas já era um ônibus mais confortável”, avalia Mário de Azevedo.
De lá para cá, os transportes individuais e alternativos, como corridas por aplicativo, alteraram a forma de se deslocar, mas “o sistema de transporte coletivo público dá a base (da mobilidade urbana), principalmente numa cidade desse tamanho”, conclui o professor.