Da Agência AutoData
Foto: Rovena Rosa (Agência Brasil)
A cadeia produtiva de ônibus foi pega de surpresa com a decisão da Prefeitura de São Paulo de não aceitar mais veículos movidos a diesel em sua frota. A alternativa, de acordo com a SPTrans, órgão responsável pelo transporte de passageiros urbano da Capital paulista, seria os ônibus elétricos – e apenas eles, uma vez que modelos a GNV ou biometano ainda não foram testados e certificados. Desta forma representantes da indústria e de empresas operadoras começam a juntar as peças do quebra-cabeça para tentar entender o que fazer com as unidades a diesel já encomendadas e como atender a uma demanda por modelos elétricos que foi criada da noite para o dia.
Cálculos preliminares indicam que apenas em 2023 a demanda paulistana superaria 1 mil ônibus elétricos. “Sendo muito otimistas, não conseguimos começar a atingir o que está proposto na determinação antes de quatro ou cinco meses”, disse Francisco Cristovam, presidente da SPUrbanuss, que representa os operadores de ônibus na cidade de São Paulo, e da NTU, Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos. “Comprar ônibus não é como comprar carro: é preciso fazer o pedido, esperar a produção do chassi e a da encarroçadora. E as fábricas atendem o Brasil todo e o mercado de exportação”.
Segundo Roberto Leoncini, vice-presidente de marketing, vendas e pós-vendas da Mercedes-Benz, que começa nas próximas semanas a produzir o chassi elétrico eO500U em São Bernardo do Campo, SP, a empresa e os encarroçadores estão tentando entender a dimensão da decisão: “Eu não tenho condições de fazer 1 mil ônibus elétricos em 2023. Não tenho nem bateria para isso. Nós nem saímos batendo na porta do fornecedor de bateria ainda. E bateria, hoje, é um problema no mundo”.
Ele disse que alguns clientes paulistanos já adquiriram unidades do eO500U e deverão começar a receber no fim do ano, início do ano que vem. Além da Mercedes-Benz fornecem chassis para ônibus elétricos, no Brasil, a BYD e a Eletra. Ambas foram procuradas pela reportagem mas não atenderam às solicitações até o fechamento deste texto.
Outra alternativa seriam os ônibus Azure A12 BR da chinesa Higer Bus, importados pela TEVX Motors. O modelo elétrico da empresa já está homologado e começa a chegar ao mercado nacional em 2023:
“Os projetos que temos no Brasil vêm na frente de vários outros mercados. É prioridade para a Higer atender ao mercado brasileiro”, disse Marcelo Barella, diretor geral da Higer Bus para a América Latina. “Temos uma grande capacidade de produção e de realocação de material de outros mercados para atender ao Brasil de imediato. Temos condições hoje de entregar duzentos carros nos próximos noventa dias e totalizar 3 mil veículos em 2023, porém as empresas precisam definir os pedidos de compra. Além disso, a partir de 2024 começaremos a fabricar no Brasil”.
Segundo Barella a empresa não depende de fornecedores de chassi ou de encarroçadores, pois produz o ônibus integralmente na China. O modelo já foi homologado pela SPTrans e é equipado com componentes fornecidos por empresas conhecidas dos brasileiros – o executivo citou Bosch, Valeo, CATL, Wabco, Sachs, Dana, Mobitec, Fanavid, Alcoa e Grammer.
Mas é preciso, antes, combinar com o cliente. A alternativa de importação não agrada a Cristovam, da SPUrbanuss: “Eu não gostaria de ver a importação desses veículos. Temos uma excelente indústria fabricante instalada aqui e o Brasil domina a tecnologia de produção de ônibus”.
Outras razões citadas por Cristovam são o receio de haver desabastecimento de peças de reposição que, aliado com as condições peculiares do asfalto brasileiro, pode fazer com que carros fiquem parados enquanto esperam peças chegarem do outro lado mundo.
“É muito provável que haja ocorrências frequentes de chassi trincado e carroceria rachada. Nossas condições não são das mais fáceis. Aí o veículo ficará parado na garagem até o novo chegar no mês seguinte. Embora a gente saiba que a manutenção seja mais simples, é tudo muito incipiente e experimental ainda. Não temos nenhuma experiência com manutenção de baterias.”
E o que já foi comprado?: Outra questão que não ficou clara ainda foi o que fazer com as compras já efetivadas, encomendadas e em produção. Rubens Bisi, presidente da Fabus, Associação Nacional dos Fabricantes de Ônibus, disse que cerca de seiscentas unidades estão na carteira de pedidos das fabricantes e encarroçadoras para entrar no sistema da Capital paulista ao longo do ano que vem: “Precisamos entender o que fazer com esses ônibus já encomendados. Grande parte deste volume tem entrega prevista para 2023 e a compra já foi fechada, está em fase de produção e encarroçamento”.
Ele acredita que, liberando os modelos diesel já adquiridos, haveria um prazo mais razoável para a indústria nacional se adequar para, então, iniciar o abastecimento com veículos elétricos para o transporte urbano paulistano: “Seriam quatrocentos ônibus, mais ou menos, para o ano que vem. As encarroçadoras têm capacidade para atender a esta demanda e acredito que as fabricantes de chassis elétricos também”.
Bisi espera que em 2023 as fabricantes de chassis ampliem sua capacidade de produção de elétricos, já esperando pela maior demanda do ano seguinte. Na sua opinião os empresários do transporte adiaram muito a discussão do tema e a Prefeitura de São Paulo tomou a decisão para colocar o assunto na mesa e debater com urgência.
“Mas a Prefeitura também precisa esclarecer alguns pontos: quem pagará esse alto custo inicial de investimento? A população não suportará um grande aumento das passagens e nem deve ser a responsável. Então é preciso conversar para entender como isso será feito, assim como a questão de toda a infraestrutura necessária nas garagens para recarregar os veículos.”.
Cristovam, da SPUrbanuss, disse que em 2018 foi promulgada a lei 16 802 que prevê a redução da emissão de CO2 pela metade até 2028 e a sua eliminação até 2038, gradualmente: “Então havia uma sugestão. De repente veio uma determinação e ainda sem um responsável assinando. Veio em nome da Superintendência de Contratos do Sistema de Transportes”.
Ele alega, ainda, que já haveria uma pressão de custos a partir de janeiro de 2022 com a introdução da norma P8 do Proconve, equivalente ao Euro 6, o que já reduziria as emissões pois, por contrato, as operadoras precisam renovar a frota.
A reportagem perguntou para a SPTrans se os ônibus a diesel já encomendados seriam aceitos na frota mas, até o fechamento do texto, não recebeu resposta.
Outras alternativas: A indústria de ônibus tem à disposição alternativas aos elétricos também com menor emissão, caso dos modelos GNV e biometano, já apresentados por Scania e Iveco e que entram em linha, em São Bernardo do Campo e Córdoba, Argentina, em 2023. Mas, segundo a SPTrans, estes modelos, que têm custo inferior aos elétricos, embora também superiores aos movidos a diesel, ainda não passaram por testes e, por isto, ainda não podem ser considerados opção pelos operadores.