Da Folha de S. Paulo
Foto: Matheus Felipe
O esvaziamento do transporte público foi acentuado durante a pandemia de Covid-19, mas é um erro atribuir o problema exclusivamente à crise sanitária.
De acordo com um levantamento da NTU (Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos), a queda no volume de passageiros de ônibus teve início ainda nos anos 1990. O quadro se estabilizou na primeira década do século 21, mas o declínio voltou a partir de 2013. O desafio, portanto, é reconquistar usuários.
Francisco Christovam, presidente da entidade, aponta que a crise sanitária acabou por potencializar o problema. No total, as perdas do setor no país nos últimos dois anos são estimadas em R$ 30 bilhões pela associação.
Os motivos do prejuízo incluem a opção pelo carro, os aplicativos de transporte e os chamados “serviços oportunistas”, nicho em que estão as vans que circulam com ou sem autorização Brasil afora.
A retomada, na opinião de Christovam, passa por melhoria do serviço para atrair passageiros de volta aos modais do transporte público.
É a mesma preocupação da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), que em abril deste ano registrou um movimento 11,6% menor do que no mesmo mês de 2019. A empresa tem feito estudos sobre satisfação dos clientes.
Na Grande São Paulo, o processo de melhora terá de passar pelo reequilíbrio da oferta de transporte. Segundo dados de 2021 da SPTrans, as linhas em que houve retomada mais forte de usuários são as que transportam trabalhadores da periferia à região central.
“Os números da frota ainda estão desequilibrados, seja porque as empresas estão em busca de recuperar supostos prejuízos, seja porque as demandas mudaram em função da dinâmica de trabalho e consumo”, diz Valter Caldana, professor de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
O professor critica ainda os terminais na zona central, que considera nocivos à qualidade de vida geral da cidade, e a forma como as linhas são distribuídas. “Nosso sistema é montado de modo que se torna segregador e excludente, seja pelo desenho das linhas, pela falta de intermodalidade, ou pelo valor e a distribuição das tarifas.”
Em nota, a SPTrans afirma que, em São Paulo, é possível fazer a integração entre os modais de transporte coletivo utilizando o Bilhete Único, que dá direito a quatro embarques nos ônibus da capital em um período de até três horas, mediante o pagamento de uma tarifa de R$ 4,40.
Um dos pontos de evolução é a possibilidade de embarcar com bicicleta em ônibus superarticulados fora dos horários de pico. Segundo a SPTrans, a frota da capital tem 1.317 veículos desse tipo.
Na cidade de São Paulo, 1 em cada 5 viagens de bicicletas compartilhadas começam ou terminam em estações de metrô ou terminais de ônibus. O dado é da Tembici, que atua no setor de micromobilidade. Um estudo divulgado pela empresa em novembro de 2021 mostrou que 46% dos ciclistas entrevistados passaram a pedalar mais com a pandemia e 85% pretendem continuar a se deslocar de bike.
Quem opta pelo carro gasta três vezes mais em relação ao transporte público, calcula o professor Valter Caldana. “O motorista paga o imposto, o subsídio dos ônibus e o próprio carro e seus custos.”
O subsídio mencionado por ele tornou-se mais comum com a pandemia. Christovam, da NTU, diz que, antes da crise sanitária, apenas três cidades no Brasil dependiam de ajuda das prefeituras para prestar seus serviços. Hoje são cerca de 250. As razões disso estão naqueles R$ 30 bilhões de prejuízo e na alta dos custos.
Quando perguntado sobre o que fazer para que o serviço de ônibus volte a atrair o público, Christovam menciona a necessidade de se abrir corredores exclusivos — e cita São Paulo como exemplo.
“A cidade tem 17 mil km de ruas e avenidas, os ônibus circulam por 5.000 km. Mas são apenas 500 km de faixas exclusivas e 150 km de corredores”, afirma.
Em nota, a SPTrans diz que o Programa de Metas 2021/2024 prevê a criação de 40 km de corredores e 50 km de faixas exclusivas, além de quatro terminais e a ampliação da entrega de novos veículos à frota municipal. O órgão diz ainda que, de janeiro de 2021 a 14 de setembro de 2022, foram incluídos no sistema 1.826 ônibus novos.
Embora os veículos paulistanos estejam atualizados, a idade média da frota nacional aumenta ano após ano. Christovam atribui o problema a fatores como a falta de componentes para montagem.
Oferecer ônibus novos é parte da estratégia para reconquistar o público, e muitos serão movidos a eletricidade. Hoje, segundo o presidente da NTU, um veículo 100% elétrico custa três vezes mais que a versão a diesel. Apesar disso, o custo adicional é somente 10% maior ao longo de toda sua vida útil. Isso ocorre pelo preço menor da energia e pela baixa necessidade de manutenção, explica Christovam.