Em 10 anos, licitação do transporte público de Natal não sai do papel

Por G1 RN
Foto: Matheus Felipe

Há 10 anos, um grupo de estudantes iniciou um protesto contra o aumento no preço da passagem de ônibus em Natal após ela subir de R$ 2,20 para R$ 2,40. Aquela manifestação deu início a uma série de protestos que continuou até o ano seguinte e ganhou uma pauta ainda maior: a melhoria no transporte público na capital potiguar.

De 2012 pra cá, o que mudou? Um dos pontos mais cobrados era uma licitação do transporte público, que ainda não saiu do papel uma década depois. Ou melhor, chegou a ter o edital lançado nesse período, mas não teve prosseguimento.

Empresas não demonstraram interesse para virarem concessionárias numa primeira tentativa e as duas sessões públicas deram desertas(entenda mais abaixo). Na segunda tentativa, a falta de sincronia entre os poderes Legislativo e Executivo – diante dos vetos da prefeitura ao projeto aprovado – fizeram o trabalho retornar para a Câmara Municipal de Natal e novamente não caminhar.

Assim, quem precisa precisa entrar em um ônibus na capital potiguar não viu melhoria efetiva em 10 anos: nem no aumento de linhas, nem na rapidez do serviço, muito menos na qualidade dos veículos.

A nova licitação, que se arrasta há anos, é tida como uma alternativa para resolver problemas das linhas de transporte, da superlotação e do sucateamento das frotas na capital. Mas a elaboração de um novo projeto, em 2022, ainda esbarra em outros problemas, como o aumento do diesel, e segue sem previsão, segundo a Secretaria de Mobilidade Urbana de Natal (STTU).

Não bastasse os problemas existentes, nos últimos anos a população ainda viu a quantidade de linhas e a frota reduzirem por conta da pandemia – atualmente são cerca de 55 linhas que circulam pelos bairros.

Entenda o que aconteceu nos últimos 10 anos em relação à licitação do transporte público na capital e as perspectivas:

Duas vezes deserta: Em 10 anos, a prefeitura de Natal lançou apenas uma vez a licitação do transporte público, em novembro de 2016. Mas, nas duas sessões para recebimento de propostas, que ocorreram em 2017, o edital deu “deserto”, ou seja, nenhuma empresa se interessou.

A primeira sessão aconteceu em 31 de janeiro, mas não houve recebimento de nenhuma proposta por parte da prefeitura. Na segunda oportunidade, em abril, novamente nenhuma empresa teve interesse.

O edital, na época, contemplava dois lotes de serviço, cada um com 37 linhas de ônibus – um para atender as zonas Oeste e Sul e outras para as zonas Leste e Norte. A concessão seria válida por 10 anos com possibilidade de prorrogação por mais 10. Não houve interessados.

O documento previa a introdução de veículos novos com melhorias, como piso baixo, câmbio automático, motor central ou traseiro e ar-condicionado.

Para o professor da UFRN e especialista em engenharia de trânsito, Rubens Ramos, as licitações não tiveram sucesso em Natal porque as empresas não vislumbraram um resultado positivo.

“Se, em um processo licitatório como os citados, ninguém apareceu para ofertar uma proposta, é porque o edital era, evidentemente, inviável”, comentou.

Segundo ele, essa inviabilidade se dá pela “rede de linhas que foi apresentada, uma rede excessiva”. “Pegue-se por exemplo a situação atual. Havia em Natal 81 linhas que cobriam 94% da área ocupada da cidade. Hoje são 50 linhas e cobre-se 93%. Então, a rede anterior era excessiva, irracional. E as licitações anteriores até tornavam essa rede anterior ainda mais irracional”, disse.

Outro ponto citado pelo professor é o planejamento da oferta do serviço, que ele também considerou excessivo para a demanda. “No transporte de pessoas, e também de carga, a oferta não gera demanda. Basta ver o Circular do Campus, que é gratuito, e que se rodar o dobro do que opera hoje, não vai aumentar em nenhum passageiro”.

“A oferta no transporte público tem que se ajustar à demanda. Demanda de se mover para estudar, trabalhar, ir às compras, lazer, visitar alguém. Então, as licitações anteriores, de certa forma, esqueceram estes princípios e fizeram uma modelagem da concessão inviável.”

Após as duas sessões darem desertas, a prefeitura enviou no fim de 2017 mais um projeto de licitação para ser aprovado na Câmara Municipal de Natal. O projeto foi aprovado pelos vereadores no fim de 2018, mas recebeu vetos do prefeito Álvaro Dias em 2019 e precisou voltar para a Câmara.

O especialista Rubens Ramos considera que a modelagem feita em 2019 também é “excessiva e inviável, com excesso de linhas, de frota e de quilometragem” e que isso “desemboca na tarifa”.

“A proposta atual da STTU resultaria em uma tarifa muito superior à atual, que está em R$ 3,90 desde 2019. Então, licitações com mais custos, que exigem tarifas mais altas, são inviáveis, pois a tarifa mais alta vai acabar resultando em menor demanda que a atual”.

Situação atual: A prefeitura de Natal prometeu, em 2021, que lançaria uma nova licitação do transporte público até o fim daquele ano, o que não ocorreu.

Naquela altura, a STTU justificou o adiamento dizendo que não conseguiu analisar as mais de 1,8 mil contribuições da população feitas durante 17 reuniões presenciais nos bairros para o redesenho das linhas.

Isso porque, em setembro de 2021, a STTU mostrou na Câmara uma proposta para o redesenho das linhas. Esse projeto foi discutido com representantes de vários bairros de Natal. O projeto propunha inicialmente tornar os trajetos mais curtos, diminuindo a extensão das viagens, além de criar mais estações de integração.

Em março deste ano, a STTU adiou mais uma vez o prazo previsto para o lançamento do edital da licitação do transporte público. A mudança, dessa vez, se deu, segundo a pasta, para refazer os cálculos dos custos operacionais diante do aumento do preço do diesel.

“Havia uma perspectiva do município, desde o ano passado, da gente lançar o edital até o final do ano passado. A gente fez, apresentou à sociedade a nova rede, tivemos reuniões, recebemos as contribuições, analisamos essas contribuições e a rede foi fechada. Só que a gente começou num período de muita incerteza, devido a esses aumentos do óleo diesel e de todos os insumos do transporte público”, explicou a secretária de Mobilidade Urbana, Daliana Bandeira.

A titular da STTU disse que atualmente não há uma perspectiva de nova data para o projeto ser levado à Câmara Municipal de Natal. Segundo ela, a equipe técnica da pasta tem reavaliado o projeto diante do cenário atual, considerando ainda que a tarifa nessas circunstâncias poderia ser prejudicial aos usuários.

“A gente chegou a uma tarifa pra esse novo sistema que é uma tarifa que o município considera que está acima das possibilidades que a população pode pagar, que a população ainda suporta pagar pelo serviço de transporte público. Então, a gente está num momento de considerações e de não ser irresponsável de lançar um edital em que a população não tenha condições de pagar por esse serviço”, explicou.

“A gente está num momento de estudar, de ver o que que a gente pode, dentro do sistema proposto, ainda otimizar pra que haja uma redução desses custos e consequentemente uma redução da tarifa”.

A secretária cita a diminuição da demanda do transporte público nos últimos anos e acredita que isso se deve também ao preço da tarifa.

“A gente perdeu o usuário do transporte e eu acredito que uma parte dessa perda se deva a impossibilidade de se pagar pelo transporte. Então, não é desejável o município lançar um edital com uma tarifa que a população não seja capaz de suportar”.

A tarifa na capital potiguar é de R$ 3,90 para o cartão magnético e R$ 4 para dinheiro. O aumento mais recente aconteceu em 2019. Em 2020, a prefeitura de Natal chegou a publicar no Diário Oficial um aumento para R$ 4,25 em dinheiro e R$ 4,15 no cartão magnético, mas revogou a decisão.

Diminuição da frota na pandemia: Desde o início da pandemia da Covid, a situação do transporte público de Natal ficou ainda mais difícil para os passageiros. Isso porque houve uma diminuição de um terço das linhas nesse período.

A diminuição ocorreu porque as empresas concessionárias devolveram a operação de algumas linhas à prefeitura de Natal, alegando prejuízo. E, desde então, não houve reposição.

De acordo com a STTU, em 2020, a capital potiguar tinha 83 linhas em circulação – o número caiu para 55 em 2022, representando uma redução de 33,7%.

A secretária titular da STTU, Daliana Bandeira, admite o problema, mas diz que a pasta trabalha para que “não haja mais devolução de linhas como aconteceu no passado, corte de serviço, suspensão de de horários, e empresa não operar em feriado e domingo”.

Ela reconhece a reclamação da população diante da realidade atual, e diz que a STTU “está trabalhando para cobrir as áreas da cidade que ficaram afetadas pela suspensão”.

A secretária diz que, mesmo que não haja retorno das linhas que deixaram de circular, o trabalho é para o retorno do atendimento às rotas. “Pode ser que determinada linha que foi paralisada não retorne, mas que a gente consiga o serviço através de outra linha, fazendo alguma alteração de itinerários pra que dê esse atendimento”.

Momento de incertezas: O professor da UFRN e especialista em engenharia de trânsito, Rubens Ramos, acredita que o momento atual é de incertezas, tanto no cenário local como a nível nacional e mundial, o que prejudica a elaboração de uma nova proposta para licitação do transporte público. Isso dificulta ainda a aceitação do mercado.

“O principal problema é que vivemos um momento de muitas incertezas. Incerteza político-eleitoral, de qual rumo vai tomar o país em 2023. Incerteza macroeconômica, devido à eleição, mas também devido ao cenário internacional. Incerteza tecnológica, com a mudança de tecnologia do ônibus a diesel para o ônibus elétrico. Incertezas do novo Plano Diretor, como ele vai impactar a urbanização nos próximos 10 anos. E incertezas na sociedade, de mudanças de comportamento no pós-pandemia, o chamado novo normal”, explicou.

“Esse conjunto de incertezas sugere que não é um bom período para se licitar um contrato de 10 anos. Eu diria que a chance de um contrato de concessão, com a rigidez contratual dos tradicionalmente feitos no Brasil, dar certo, é próxima a zero”, acredita.

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