SP: Em Santos, vendedor de doces resgata criança autista que viajava sozinha em ônibus

Do Portal Costa Norte
Foto: Ubirajara Gomes (Ônibus Brasil)

Quando foi para seu segundo trabalho como vendedor de doces perto da região central de Santos, no litoral de SP, o professor de 36 anos Carlos Henrique Salles não imaginava que, naquela noite, se tornaria uma figura inesquecível para a família da corretora de imóveis Rosângela Lopes, de 52 anos.

Quem fez o destino de ambos se cruzarem foi Arthur, um menino autista de 11 anos, filho de Rosângela. Por volta das 18h do último dia 2, uma terça-feira, quando ia acompanhado pelo pai e avô para a casa da avó, vizinha à sua, na Encruzilhada, perto do Canal 3, Arthur desapareceu. Segundo Rosângela, Henrique, como prefere ser chamado o professor doceiro, evitou que o pior acontecesse ao menino.

“A gente ia levar o meu filho na casa da minha sogra. Ela mora na mesma rua, a umas seis casas da minha”, relembrou Rosângela em entrevista por telefone ao Portal Costa Norte. “Eu não estava junto. Depois minha sogra me falou o que tinha acontecido. O Arthur tocou a campainha. Ela falou. Arthur, vovó vai pegar a chave e já vai abrir o portão”, explica Rosângela, que prossegue.

“Em questão de segundos, quando minha sogra chegou na porta, ele já não estava mais. Por uma distração, meu sogro e meu marido acharam que ele já tinha entrado dentro da casa. Porque é muito pertinho. E aí quando chegaram na porta, eles viram que o Arthur não estava e minha sogra percebeu que ele também não tinha ficado no portão. Saiu todo mundo desesperado aqui no Canal 3, na [avenida] Washington Luiz”.

Enquanto isso, Henrique, professor de educação física por formação, vendia doces normalmente perto dali. “Era um horário movimentado, por volta das 18h. Eu percebi um menino entrando no ônibus que ia pra Cubatão. Uma fila grande. Na hora pensei que pensei que fosse um menino furando a fila. Estranhei”, disse Henrique à reportagem.

Rosângela afirma que, assim que se deram conta do sumiço de Arthur, o pai e a avó dele saíram em desespero pela rua, perguntando a todos os estranhos com quem se deparavam se haviam visto um menino cuja fisionomia descreviam. “A minha sogra foi até a esquina, todo mundo perguntando. Já eram umas seis e pouco da tarde”.

Minutos depois, perto dali, em uma esquina da rua onde Arthur desapareceu, o pai e a avó dele se depararam com Henrique que afirma ter sentido o desespero deles. “Eu estava vendendo meus doces, quando vi um senhor passando, como se estivesse procurando algo. Em seguida, veio uma senhora. Aí, já percebi, liguei uma coisa na outra. Perguntei o que que eles estavam procurando. Aí eles falaram que era um menino, e descreveram ele”.

Henrique, que de dia trabalha como assistente operacional em uma transportadora, contou ao pai e a avó de Arthur que havia visto ele entrar no ônibus instantes antes. O ônibus, porém, já havia partido.

“Imagina, o Arthur subindo dentro de um ônibus. O motorista deve ter liberado achando que ele estava acompanhado”, tenta entender Rosângela. “O ponto final desse ônibus é lá na serra do mar. A minha sogra quase teve um troço do coração. Meu marido começou a ficar nervoso. De pensar que poderia ter acontecido alguma coisa com o Arthur”, diz ela, contendo as lágrimas. Enquanto isso, Arthur, sozinho e vulnerável, no ônibus, se distanciava.

Henrique afirma que a expressão de desespero do pai e da avó de Arthur o motivou a fazer algo. “Ele largou os doces, largou celular, largou tudo, e saiu voando atrás do ônibus”, conta Rosângela. “Você não tem noção. Meu marido também foi atrás, com muita dificuldade, porque ele tem um problema no joelho”.

“Saí correndo. Eu não pensava em nada. Só pensava em alcançar o menino no ônibus”, recorda-se Henrique. “Só falei ‘Deus, me dá forças pra poder alcançar esse menino’. Quando eu quase tinha alcançado o ônibus, comecei a gritar”.

Rosângela complementa. “O motorista viu o desespero dele, percebeu que estava acontecendo alguma coisa e parou. Meu marido entrou no ônibus. O Arthur estava lá no fundo, sentadinho, como se nada tivesse acontecido, segurando os livros de desenho dele. Meu marido perguntou, Arthur, por que você fugiu, filho? Ai ele assim. ‘Passear’. Ele não tem o senso de perigo”.

Após o reencontro de Arthur, a emoção foi generalizada, relata Rosângela. “A minha sogra e o meu marido começaram a chorar. Foi aquela choradeira”.

Depois que tudo aconteceu, eu cheguei no ponto, junto com a avó do Arthur, junto com ele”, confessa Henrique. “Pensei nos meus filhos. Tenho três. Poderia ser um dos meus filhos. Veio lágrimas”.

Também sem conter o choro, Rosângela reflete sobre o perigo a que esteve exposto o filho. “Passa um monte de coisa na cabeça, sabe? Tipo, se ele tivesse descido no ponto com alguém. Se alguém tivesse pego ele. O Henrique foi um anjo. Não posso parar pra pensar que até me emociono”.

Mais lágrimas rolaram quando Henrique e Rosângela se conheceram. “Eu não tive oportunidade de conhecê-lo no dia. Fiquei a semana inteira tentando achá-lo. Quando eu fui encontrá-lo, a gente se abraçou, eu chorei, mais uma vez. Falei pra ele da gratidão que sinto, que nada vai pagar o que ele fez. É o que a gente escuta, Deus coloca um anjo na nossa vida quando a gente menos espera”, conta Rosângela.

Morador do bairro Casqueiro, Henrique recusa a alcunha de anjo ou de herói. “Sou uma pessoa normal. Me compadeci ali. Eu dou todo crédito pra Deus. Eu fui só um instrumento usado por ele naquela hora”.

A própria Rosângela tornou o caso público em uma relato que viralizou nas redes sociais. “Eu divulguei o que aconteceu com o Henrique, como uma forma de gratidão e de homenagem. Porque ele é um pai de família, ele tem filhos. Ele trabalha e depois ele sai do trabalho e vai vender os doces que a esposa faz. Então é uma forma de retribuir, mostrando para as pessoas que ele é uma pessoa do bem”.

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