Do Jornal Valor Econômico
Foto: Divulgação (Via Automotive Business)
Os brasileiros que forem ao Qatar assistir a seleção de futebol do Brasil disputar a Copa do Mundo, em novembro, têm grandes chances de ir e voltar aos estádios em um dos 1,8 mil ônibus elétricos que a chinesa Higer enviou ao país sede dos jogos para o transporte dos torcedores das 32 equipes classificadas. Já quem vai ficar no Brasil terá de torcer também para que os programas de eletrificação da frota de ônibus urbanos avancem para conhecer o veículo. Mas a expectativa é que isso aconteça rapidamente, principalmente na capital paulista.
A fabricante chinesa montou um plano de negócios para ganhar as ruas do Brasil e fazer do país a porta de entrada para os vizinhos das Américas do Sul e Central, como Peru e Colômbia. Ela pretende disputar um jogo que tem como favoritas as grandes marcas que dominam o mercado brasileiro, algumas há mais de 60 anos rodando no país.
Jovem quando comparada aos seus concorrentes, principalmente os europeus, a Higer nasceu em 1998 e hoje tem quatro fábricas na China, que alcançaram faturamento de US$ 5,5 bilhões no ano passado. “Temos 50 mil ônibus elétricos rodando, a maior parte na China. Mas também na Europa”, afirma Marcelo Barella, diretor para América Latina da Higer. No Brasil, os chineses vão atuar pela TEVx Motors, que será a importadora e distribuidora dos veículos.
A Higer montou um plano de negócios no qual os operadores do sistema de transporte, sejam privados ou públicos, não vão precisar comprar os veículos nem se preocupar com a infraestrutura de carregamento. Tudo será alugado. O ônibus elétrico é 2,5 vezes mais caro quando comparado ao movido a diesel. “Um ônibus a combustão fica em torno de R$ 900 mil. O elétrico chega a R$ 2,6 milhões”, diz Barella.
Para disputar o fornecimento de ônibus elétricos em São Paulo, o maior mercado e para a chinesa a estreia perfeita no país, ela fechou acordo com a companhia italiana de energia elétrica Enel. A elétrica tem a concessão de distribuição na capital paulista e mais 22 municípios na região metropolitana.
É a Enel que vai disputar a licitação ou concorrência para fornecimento dos veículos. Caso vença, a Enel compra os veículos da Higer, monta a estrutura de carregamento e aluga todo o pacote para os operadores. A Higer fica responsável pela manutenção dos ônibus e treinamento dos motoristas. Inclusive com pessoal próprio dentro das garagens dos operadores.
“O sistema de aluguel permite que a troca da frota seja feita o mais rapidamente possível. Se o operador tivesse de comprar um ônibus elétrico, não sei se conseguiria o crédito para isso”, avalia Barella. Ele lembra que São Paulo tem frota de 14 mil ônibus e planeja chegar em 2028 com 12 mil deles movidos à eletricidade. Desse total, 2,6 mil até 2024, sendo 600 unidades entre 2022 e 2023.
O executivo conta que o plano é ganhar espaço em São Paulo porque é um dos sistemas de transporte urbano mais complexo no mundo. Se conseguir atender as exigências da SPTrans, responsável pela gestão na cidade, diz o executivo, conseguirá atender qualquer outro município no país. A Higer investiu US$ 10 milhões para adaptar os ônibus às normas brasileiras. “Temos todo o ferramental pronto. Se eu tiver uma encomenda de mil ônibus, tenho condições de atender.”
Se os planos da Higer caminharem como esperado, a empresa estimar ter 300 funcionários em 2023 e atingir 500 em 2024. Seriam de oito a dez funcionários em cada garagem.
Movidos a bateria, a princípio os veículos serão importados inteiros, mas a empresa negocia com o governo do Ceará uma área em Pecém para instalar sua linha de montagem, com investimento estimado de US$ 20 milhões. Com a unidade local, a ideia é importar os ônibus em sistema de PKD (Partial Knock-Down). “A estrutura do carro vem pronta e aqui colocamos vidros, assentos e motor”, conta.
Em um segundo momento, seria adotado o SKD (Semi Knock-Down), com maior valor agregado local. Barella explica que boa parte dos fornecedores da montadora na China já estão no Brasil e poderiam atender as necessidades da Higer no Ceará. São fornecedores globais como Siemens e Dana, para motores; ZF para suspensão; Bosch para caixas de direção; ou Wabco para freios. As baterias são da CATL, que fechou acordo com a fabricante brasileira de baterias Moura para serviços de pós-venda. A unidade cearense também será a base de exportação para a região.
A escolha do Ceará revela o próximo passo da estratégia da montadora para o Brasil: os ônibus a hidrogênio. O Estado tem grande oferta de energia limpa e promessa de vários projetos para produção de hidrogênio verde no médio prazo. A Higer já tem 400 ônibus a hidrogênio rodando na China. Mas para o Brasil se trata de um projeto de mais longo prazo.
Bem antes do uso do hidrogênio, o grupo asiático planeja entrar no país no segmento de vans de passageiros e carga e de caminhões, todos elétricos. As vans devem chegar ainda neste ano e vão exigir a montagem de uma rede de concessionárias. Já em caminhões, admite Barella, a disputa promete ser acirrada.
Na Higer desde 2004 e com passagem por vários países, o executivo sabe que o segmento de caminhões tem seus líderes, mas, como se viu na Copa do Mundo de 2018, com a limitada Coreia do Sul desclassificando a então campeã mundial Alemanha, o favoritismo só se confirma ao fim do jogo.