Do UOL
Foto: Ervans Andrey (Gentilmente cedida ao UNIBUS RN)
O mesmo poder público que é severo – com razão – ao fiscalizar veículos particulares que circulam sem cumprir as normas de segurança – como cinto de segurança em todos os ocupantes -, considera viajar de pé em um ônibus lotado como algo natural e seguro. Ou, no mínimo, fecha os olhos para a situação. Transitar sem equipamentos de segurança no transporte público é praxe em qualquer cidade brasileira, e em vários países do mundo, mas apresenta riscos fatais para os passageiros.
Por ser algo extremamente comum, o assunto é pouco discutido, mas não significa que não existam estudos sobre o tema. A Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet) explica que pessoas que viajam em pé em um ônibus ou em um vagão do metrô são suscetíveis a sofrer quedas e lesões, principalmente as idosas.
“A análise de idade e gênero mostra que uma alta proporção dos feridos (cerca de um terço) são mulheres mais idosas, com maior exposição deste grupo e sua fisiologia, ou seja, maior probabilidade de queda e menor tolerância ao impacto. Os ferimentos devem-se a colisão e manobras severas, em particular frenagens de emergência”, explica Flávio Adura, diretor científico da Abramet.
A grande questão é que os ferimentos não acontecem somente em sinistros, como uma colisão ou manobra inesperada, mas na entrada e saída do veículo e acesso aos assentos e ao corredor principal, ou seja, quando o passageiro está se locomovendo dentro do ônibus. Isso coloca em risco até mesmo os usuários que encontram assentos vazios e dificulta a notificação dos casos.
“Os idosos, apesar de terem assentos preferenciais, têm dificuldade pelo pouco tempo que têm para executar os deslocamentos necessários. Resultados de um estudo que avaliou os fatores de risco destacaram problemas como corrimãos mal posicionados, falta de compartimentação (contenção) e objetos com arestas e cantos vivos”, alerta Adura.
Risco de ferimentos fatais: A tolerância humana a impactos provocados por sinistros de deslocamentos é ultrapassada com velocidades a partir de 30 km/h. Ou seja, impactos recebidos pelo corpo humano quando está acima dessa velocidade podem causar ferimentos fatais. De acordo com a associação, a probabilidade de ocorrer uma lesão fatal aumenta onze vezes quando as velocidades superam 60 km/h e dezesseis vezes quando superam 80 km/h.
Em uma colisão frontal a uma velocidade de 50km/h, o ônibus ou o vagão do metrô experimentam uma mudança brusca de velocidade, passando de 50km/h para zero km/h em cerca de 120 milésimos de segundo, aponta o diretor da Abramet. A estrutura do veículo, projetada com este objetivo, absorve progressivamente o impacto, mas os ocupantes continuarão a mover-se na velocidade em que o veículo vinha se deslocando antes do impacto. Cada parte do corpo do ocupante atinge as estruturas internas à sua frente em momentos diferentes.
“Os órgãos internos impactam a estrutura óssea em desaceleração, fato que possibilita a ocorrência de rupturas de órgãos e graves hemorragias internas. Toda essa série de colisões atingirá com muito maior probabilidade e intensidade os passageiros que estiverem em pé! As principais regiões corporais lesionadas são a cabeça/pescoço (29,5%), extremidades superiores (22%) e extremidades inferiores (30,5%), e ficar em pé foi associado a apresentar mais ferimentos”, esclarece Adura sobre um estudo a respeito de ferimentos em colisão de ônibus.
Por que não se fala nisso? Existem dois fatores que, provavelmente, fazem o poder público se calar sobre o assunto. O primeiro, é claro, é o fator econômico. Seria muito mais caro ter uma frota de ônibus e metrôs que atendesse a todos os usuários de forma segura.
A segundo questão, segundo explica o Flavio Adura, é que, por quilômetro percorrido, aqueles que se deslocam através de ônibus ou metrô têm menor probabilidade de sofrer ferimentos do que ocupantes de um veículo de passeio, motocicletas, bicicletas ou como pedestres. “A superioridade numérica dos sinistros envolvendo outros modais de deslocamento faz com que os aqueles que se deslocam através de ônibus ou metrô sejam negligenciados enquanto objeto de políticas de prevenção. Priorizar opções seguras e eficazes de transporte público é fundamental.”, opina.
Dados da Seguradora Líder, que administrou até 2020 o Seguro DPVAT, destinado a vítimas de trânsito, apontam que, há dois anos, enquanto 47.522 pessoas receberam indenização relacionada a ferimentos de acidentes de trânsito com um carro, apenas 4.126 estavam em um ônibus, micro-ônibus ou van. É claro que existem milhares de casos em que as vítimas não buscaram a instituição por falta de conhecimento. E também há as pessoas que se machucam em frenagens bruscas e aceleradas, o que não é considerado um sinistro de trânsito, portanto, não contabilizado pelas estatísticas.
Dados à parte, quando estamos falando de vidas, a busca por soluções mais seguras e preventivas são mais do que bem-vindas, mas uma obrigação dos agentes públicos.