Idec defende enfoque de gênero em contrato do BRT do Rio de Janeiro

Do IDEC
Foto: Paulo Jacob (Agência O Globo / Via Valor Econômico)

No mês de março, o Idec enviou 17 contribuições para a consulta pública sobre o processo de licitação da operação do sistema BRT do Rio de Janeiro. Em várias delas, o Instituto destacou aspectos importantes sobre gênero, que vão desde ações sobre assédio até paridade entre trabalhadoras e trabalhadores do serviço.

“O Rio está experimentando um novo modelo de licitação para melhorar a qualidade do transporte. Essa é uma grande oportunidade para se incluir uma perspectiva de gênero em todo o ciclo de planejamento urbano, corrigindo a exclusão histórica das mulheres do planejamento territorial, e um olhar que supõe neutralidade mas que, na prática, planeja para usuários majoritariamente masculinos”, explica Aline Leite, consultora do Programa de Mobilidade Urbana do Idec.

De acordo com a pesquisadora, o atual planejamento das cidades não facilita a conciliação da vida pessoal, familiar e/ou profissional. Em nossa sociedade, essa situação afeta principalmente as mulheres, pois são elas que mais acumulam funções, a chamada dupla jornada, que inclui as atividades relacionadas ao trabalho remunerado e o trabalho doméstico não remunerado. Em outras palavras, são elas que dedicam mais tempo e esforço às compras, burocracias familiares, escolas dos filhos, além de viagens para visitar ou acompanhar outras pessoas a consultas médicas, ou seja, as viagens associadas ao “cuidado diário”.

Isto significa dizer que, homens e mulheres deslocam-se de maneiras diferentes e, portanto, possuem necessidades diferentes dentro do transporte. “Essas necessidades precisam e devem ser consideradas, pois trata-se de de um serviço essencial e direito fundamental, que deve atender a todas as pessoas com igualdade, como prevê a Constituição Federal”, reforça Aline Leite.

Nesse planejamento é preciso buscar um enfrentamento mais contundente do problema dos assédios sexuais sofridos por usuárias. A cada 16 horas é registrado um caso em algum transporte público no Rio de Janeiro, segundo matéria do Jornal Extra, de setembro de 2017.

“Essa é uma questão muito grave, cujas ações de combate precisam estar mais explícitas no contrato de concessão. O BRT Rosa, por si só, é uma iniciativa bastante questionável, uma vez que segrega as vítimas em poucos vagões e não altera a infraestrutura que de fato possibilita a violência”, completa Aline. Como forma de complementar as ações de combate ao assédio no transporte coletivo, o Idec sugeriu o monitoramento do número de ocorrências nos veículos operados pelas empresas concessionárias.

Outro ponto fundamental é a necessidade de se estabelecer paridade entre trabalhadoras e trabalhadores do serviço. O setor de transporte coletivo é um dos maiores empregadores em cidades. Um estudo da consultoria McKinsey indica que a economia global poderia ganhar alguns trilhões de dólares nos próximos 10 anos aumentando o número de mulheres no mercado de trabalho. A pesquisa revela também que as empresas latino-americanas que possuem pelo menos uma mulher em sua alta gerência são mais rentáveis.

O Laboratório de Gênero em Transporte, Transport Gender Lab (TGL), menciona que apenas 15% dos empregados do setor de transporte são mulheres e que é fundamental promover a inserção da mulher no setor em atividades que vão desde o manuseio de maquinário pesado até motoristas de ônibus. “Diante desses dados, acreditamos que seria importante o edital exigir metas progressivas de paridade de gênero na composição do pessoal das empresas, reduzindo a desigualdades entre os gêneros no sistema de transporte, que limitam o acesso das mulheres ao desenvolvimento econômico e social”, salienta a consultora.

Historicamente, as cidades foram planejadas e projetadas para refletir os papéis tradicionais de gênero e a divisão sexual do trabalho. Portanto, elas funcionam melhor para os homens do que para as mulheres. Promover a igualdade de gênero no transporte é pensar também nos lugares onde a cidade não foi pensada para as mulheres. Assim, devemos entender que um transporte “justo” deve considerar a diversidade de impactos que o sistema de transporte urbano tem sobre a vida humana e natural, e como os custos e benefícios são distribuídos de forma desigual entre os diferentes grupos que compõem a sociedade.

Licitação inovadora: A licitação do BRT do Rio de Janeiro tem sido considerada pelo Idec como inovadora no segmento de transportes públicos. Isso porque é a primeira vez que uma capital brasileira separa os contratos de concessão de aquisição de frota e operação dos ônibus, como já acontece, por exemplo, em Santiago, no Chile, e em Bogotá, na Colômbia.

Ao propor a segmentação do mercado, o processo proporciona maior concorrência entre empresas interessadas em operar o serviço, controle e transparência sobre os recursos públicos. Isso pode ter impacto direto no valor da tarifa, tornando-a mais barata para o usuário.

Justamente por se tratar de uma licitação muito inovadora, entendemos ser possível integrar essa perspectiva de gênero ao ciclo de planejamento de transporte. Já que a cidade do Rio de Janeiro está demonstrando interesse em erradicar velhos equívocos na forma de gerir e operar o transporte, a questão de gênero não pode ficar de fora, pois é um dos aspectos que mais determinam os padrões de viagem ”, completa Aline.

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