Da Tribuna do Norte
Foto: Andreivny Ferreira (UNIBUS RN)
A Defensoria Pública do Rio Grande do Norte cobrou na Justiça o cumprimento da decisão do juiz da 6ª Vara da Fazenda Pública de Natal, Francisco Seráphico da Nóbrega, para o restabelecimento de 100% da frota de ônibus no transporte público na capital do estado. A Secretaria de Mobilidade Urbana (STTU) confirmou o descumprimento e disse que já aplicou 107 mil autos de infração nas empresas, que alegam não ter condições de manter a mesma frota de 2019, com uma demanda que ainda é menor do que naquele ano, além de todas as despesas que aumentaram sem reajuste da tarifa para os usuários – única forma de pagar os custos do serviço.
“Já foi comunicado ao Juízo de Direito competente o descumprimento da decisão nesse processo desde as primeiras manifestações de que a decisão não estava sendo cumprida. O comunicado pede o cumprimento da decisão judicial e restabelecimento da frota. O processo aguarda apreciação do Judiciário”, informou a Defensoria Pública Estadual, autora, junto ao Ministério Público do Estado (MPRN) da Ação Civil Pública nº 0836814-80.2020.8.20.5001.
O juiz não comenta sobre essas questões que dizem respeito ao próprio julgamento do processo que está concluso para decisão, apenas aguardando a sentença. A decisão liminar que determina que o Município garanta que as empresas circulem com a linha completa é de agosto de 2020, reafirmada em março de 2021 pelo desembargador do Tribunal de Justiça (TJRN), Vivaldo Pinheiro, mas até o momento, não se tornou realidade.
“Essa decisão não foi cumprida, como todo mundo pode ver e foi declarado pelo Seturn quando, na época, responderam à secretaria que não teriam condições de manter aquela operação”, informou a Secretária de Mobilidade Urbana de Natal (STTU), Daliana Bandeira, nesta semana à Tribuna do Norte. Ela também disse que, em certo ponto, o argumento das empresas faz sentido porque a demanda por passageiros hoje se aproxima dos 200 mil/dia, enquanto a frota exigida na decisão é a referente a uma demanda de 350 mil passageiros/dia, que era a realidade de 2019.
A Defensoria diz que esse argumento não se sustenta. “Sobre a redução do número de passageiros, não existem provas materiais comprovando que isso realmente está ocorrendo, após o retorno integral das atividades do comércio”, informou a defensora pública, Cláudia Queiroz.
Ela também refuta a idéia de que a STTU, responsável pela fiscalização, não consiga tomar alguma iniciativa sobre o cumprimento da decisão ou outra medida para garantir a regularidade do sistema por impedimento causado pela liminar, que obriga a totalidade de veículos das empresas circulando. “Existe uma lei municipal que só permite alterações mediante prévia consulta pública à população. Se trata da Lei 622/2020 e ela existe independentemente da decisão judicial e possui requisitos. Não pode ser ato unilateral da STTU, ou das empresas, as alterações”, pontuou.
Na determinação da 6ª vara também era exigido o retorno de 20 linhas de ônibus que tinham sido retiradas de circulação. O Seturn (Sindicato das Empresas de Transportes Urbanos) não é parte na ação, então é a STTU quem deve garantir o retorno da frota, mas não está conseguindo. Por essa razão, a pasta informou que as fiscalizações ocorrem todos os dias e são aplicados autos de infração que já somam 107 desde o ano passado. Esses autos podem se tornar multas e até ser judicializados, mas a STTU não informou quantos já foram processados, resultaram em multas ou outras sanções. Isto porque é necessário um levantamento mais detalhado que requer mais tempo.
O Seturn, por sua vez, alega prejuízos com a redução de passageiros e diz que não há como custear as despesas com a demanda reduzida e o aumento das despesas, de modo que impossibilita o restabelecimento da frota em 100% (566 veículos). Atualmente as empresas operam na cidade com cerca de 70% do efetivo e a lotação, especialmente nos horários de pico, é evidente, visto o retorno presencial de todas as atividades econômicas e também das aulas.
Soma-se a isso a devolução de 24 linhas tiradas de circulação pelas empresas e que a STTU ainda não conseguiu fazê-las operar novamente.
No mais recente capítulo da crise do sistema de transporte de Natal, que tem como pano de fundo o aumento exponencial no preço dos combustíveis, as empresas anunciaram que planejam reduzir ainda mais a frota, diminuindo suas operações em 10%.
A Defensoria Pública informou que, oficialmente, ainda não tem conhecimento sobre essa nova medida. “Não recebemos qualquer comunicação nesse sentido oriunda da STTU. Se ocorrer, será também comunicado no processo judicial já em curso. Não precisa de nova ação”, explicou a defensora Cláudia Queiroz.
Além disso, ela disse que não tem como aferir se o argumento da STTU e do Seturn sobre o desequilíbrio financeiro do sistema procede. “A Defensoria Pública Estadual não dispõe de elementos técnicos para avaliar planilha de custos das tarifas, assim como não constam esses dados nos processos. O Município utiliza um modelo de planilha, chamado GEIPOT, que sequer é mais utilizado em outros municípios do país. Eventual questão sobre reajuste também não é objeto da ação civil pública que trata da frota”, completou a defensora.
A Planilha GEIPOT, a que ela se referiu é de 1982 e foi, por décadas, a ferramenta disponibilizada pelo antigo Ministério dos Transportes como referência para determinar tarifas do transporte coletivo, levando em consideração valores de insumos básicos e dados operacionais. Com o passar do tempo, mais controle da variação dos índices econômicos e evolução tecnológica dos ônibus, esse método de cálculo do custo dos serviços se tornou praticamente obsoleto. Por volta de 2014, a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos – NTU e a Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP começaram a desenvolver uma nova planilha de custos, com o objetivo de calcular o custo da produção dos serviços, com mais acuidade, veracidade e transparência, contemplando a evolução e a complexidade do setor.