Sucessivos reajustes do óleo diesel está forçando a insolvência das empresas e o colapso do transporte público

Da Folha de S. Paulo
Foto: Matheus Felipe/Ilustração

A NTU (Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos), que representa o setor, emitiu um posicionamento no qual faz críticas ao governo federal e à política de preços dos combustíveis em vigor no país. “Preço do diesel mostra que governo quer ônibus lotado e serviço ruim”, diz o comunicado. A política adotada pela Petrobras leva em conta a variação da taxa de câmbio e das cotações do petróleo no mercado internacional. Essa estratégia é vista com bons olhos pelo mercado financeiro, que enxerga uma tentativa de equilíbrio nas finanças da estatal.

“A omissão do governo federal frente aos sucessivos reajustes do óleo diesel, insumo que representa em média 26,6% do custo do transporte público coletivo, está forçando a insolvência das empresas operadoras e o colapso dos sistemas de transporte público organizado em todo o país”, diz a NTU

Procurado, o Ministério da Economia afirmou que não vai se manifestar sobre o assunto. Segundo a entidade, o setor amarga um prejuízo acumulado de pelo menos R$ 17 bilhões durante a pandemia. O quadro reflete sobretudo as restrições geradas pela Covid-19. “A situação é de calamidade”, afirmou o presidente-executivo da NTU, Otávio Cunha, em entrevista à Folha na segunda-feira (25).

Conforme a entidade, houve redução de 51,1% na quantidade de viagens realizadas por passageiros pagantes em 2020 frente a 2019, considerando as médias dos meses de abril e outubro de cada ano. Além disso, o preço do diesel engatou a escalada no país. O reajuste mais recente, de 9,1%, foi anunciado pela Petrobras na segunda.

Com a medida, o combustível passou a acumular alta neste ano de cerca de 65% nas refinarias da estatal. De acordo com a Petrobras, o aumento refletiu a elevação das cotações internacionais do petróleo e da taxa de câmbio.

“A política de preços dos combustíveis está ajudando a asfixiar o paciente que é o transporte público”, disse Cunha. No comunicado divulgado nesta quinta, a NTU afirma que, em razão da alta no diesel, “as operadoras não terão outra opção além de acionar as cláusulas de reajuste tarifário e reequilíbrio dos contratos de concessão para evitar a suspensão da prestação dos serviços”.

“Tal suspensão representaria grave prejuízo para toda a população, que seria privada dos serviços públicos organizados de transporte e passaria a depender do transporte clandestino e irregular, muitas vezes operado pelo crime organizado”, emenda.

A escalada do diesel também provoca reclamações de caminhoneiros. Parte dos motoristas ameaça realizar uma nova greve a partir do dia 1º de novembro.

“A situação exige que os poderes públicos locais –estados e municípios– cumpram com sua responsabilidade e reestabeleçam o equilíbrio econômicofinanceiro dos sistemas de transporte público; e que o governo federal adote, com urgência, uma política de preços para os combustíveis que garanta um mínimo de previsibilidade e estabilidade, que não fique simplesmente à deriva das variações cambiais e das cotações das commodities”, aponta a NTU.

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) defendeu, nesta quinta, um “viés social” para a Petrobras e afirmou que a empresa deveria lucrar menos.

No terceiro trimestre de 2021, a companhia teve lucro de R$ 31,1 bilhões, conforme balanço apresentado nesta quinta. À Folha, Cunha disse não enxergar no curto prazo uma solução definitiva para a crise do setor de ônibus urbanos. A esperança, segundo ele, viria da criação de um marco legal para o transporte público.

Na visão do dirigente, a medida poderia dar forma a subsídios que ajudassem a cobrir parte das tarifas de ônibus, especialmente para as camadas da população com renda menor. “Com o marco legal, o governo federal poderia recomendar aos municípios a constituição de fundos públicos”, relata. “Os recursos desses fundos buscariam garantir uma remuneração justa dos serviços de transporte e a capacidade de pagamento da tarifa pelos usuários.

” Para o economista Claudio Frischtak, da consultoria Inter.B, medidas para o setor de ônibus devem ser avaliadas em conjunto com outros modais. Nesse sentido, o analista considera adequada a criação de um marco legal para a área de mobilidade urbana. “É preciso modernizar vários pontos, considerar o âmbito metropolitano, a integração intermodal e intramodal, o bilhete único […].

A criação de subsídios, desde que seja inteligente, faz sentido para mim. Não pode ser algo horizontal. Precisa olhar para a renda das pessoas”, afirma. “Acho que, neste governo, um marco legal não é mais possível. O governo a ser eleito na próxima eleição deveria ter na sua agenda essa discussão sobre a mobilidade urbana”, acrescenta. Marcus Quintella, diretor do centro de estudos FGV Transportes, também destaca que o transporte de ônibus urbanos precisa ser pensado em integração com outros modais, como trens e metrô, nas metrópoles brasileiras.

Ele pondera que as restrições fiscais de governos e prefeituras dificultam subsídios maiores. “Muitas vezes, nas capitais, as linhas de ônibus não têm abrangência. Não é possível ir a determinadas regiões. O ônibus urbano deve ser complementar a outros modais. É isso que precisa ser trabalhado. Não há uma solução imediata.”

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