TCU impõe sequência de reveses a Tarcísio Freitas, ministro da Infraestrutura

Do Valor Econômico
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O Ministério da Infraestrutura tem amargado uma sequência de reveses no Tribunal de Contas da União (TCU) que ameaçam ou atrasam projetos considerados prioritários para a pasta. Mesmo sendo temporária e passível de reversão, a maioria das decisões pode atrapalhar os planos do ministro Tarcísio Freitas, que corre contra o relógio para fazer suas últimas entregas no cargo até abril de 2022 – quando precisará se desincompatibilizar, caso concorra nas próximas eleições.

O presidente Jair Bolsonaro quer Tarcísio, um de seus auxiliares mais elogiados pelo mercado e bastante popular nas redes sociais, como candidato ao governo de São Paulo. O ministro já foi cotado também como vice na chapa de Bolsonaro para a reeleição em 2022. Ele evita falar sobre isso, até mesmo com interlocutores próximos, mas estaria cogitando ainda disputar uma vaga no Senado.

As derrotas no TCU colocam em xeque o futuro do aeromóvel ligando a estação de trem da linha 13-jade ao terminal de passageiros do aeroporto de Guarulhos (SP), a relicitação do aeroporto de São Gonçalo do Amarante (RN) e o redesenho do Porto de Santos (SP) a partir do fim do contrato de um terminal retroportuário hoje destinado à movimentação de contêineres.

Em algumas dessas decisões, o órgão de controle já reclamou de “pressa” e de informações “pueris”, repassadas sem detalhamento pelo ministério ou agentes ligados à pasta, como a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).

Tarcísio ainda depende do tribunal para bater o martelo no leilão de Congonhas (SP) e do Santos Dumont (RJ), as últimas duas “joias” nas mãos da Infraero, que fazem parte da sétima rodada de concessões aeroportuárias. Os estudos de viabilidade e minutas de edital estão em consulta pública.

Hoje o cronograma mais provável do leilão aponta para maio de 2022. O ministério se esforça para adiantar essa data. Isso permitiria a Tarcísio encerrar sua gestão com um grande feito. Um fator decisivo para a antecipação, no entanto, será o tempo gasto pelo TCU na análise das concessões. Técnicos do tribunal, ouvidos reservadamente pelo Valor, rejeitam apressar sua avaliação.

A sucessão de decisões contrárias ao ministério teve um ápice no mês passado. Primeiro, foi paralisado o processo que tratava da primeira relicitação de um ativo de infraestrutura devolvido voluntariamente à União, com base em lei de 2017 – o aeroporto de São Gonçalo do Amarante, nos arredores de Natal, operado hoje pela argentina Inframérica.

O TCU entendeu que a relicitação só poderia avançar mediante um encontro de contas completo, que envolva a apuração de todos os “haveres e deveres” da atual concessionária. A Anac havia dividido esse acerto em valores “incontroversos” (aqueles em que os dois lados estão de acordo) e “controversos” (a serem resolvidos em arbitragem). O tribunal de contas discordou. Para o órgão de controle, a quitação total dos valores deve preceder a assinatura de um novo contrato.

Depois, em meados de setembro, o ministro Vital do Rêgo deu medida cautelar suspendendo o aditivo contratual da GRU Airport que permitiria as obras do aeromóvel ligando uma estação da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) aos terminais de passageiros do aeroporto de Guarulhos. Hoje essa conexão é feita por meio de ônibus oferecidos pela concessionária.

Com investimento previsto de R$ 271 milhões, o projeto do chamado People Mover tem 2.731 metros de extensão e os recursos serão descontados do pagamento anual de outorga feito pela GRU Airport à União. No entanto, Vital se queixou da “pressa” e disse que o aditivo foi assinado apenas três dias após a Anac ter enviado documentos ao TCU para justificar o cálculo de custo-benefício da escolha do sistema de transporte. “Soa imprudente”, comentou, em sua manifestação.

O aeromóvel de Guarulhos era uma das obras listadas no “Setembro Ferroviário”, pacote de projetos sobre trilhos anunciado por Bolsonaro e Tarcísio, com direito a solenidade no Palácio do Planalto. A assinatura da concessão da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol) e os primeiros pedidos oficiais de novas ferrovias pelo regime de autorização, após a publicação de medida provisória sobre o assunto (MP 1.065), faziam parte do pacote.

No fim do mês, outro revés – e em caráter definitivo – ocorreu quando o plenário do TCU julgou recurso da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) sobre o reequilíbrio econômico-financeiro da empresa que administra a concessão da BR-101 no Espírito Santo. O processo tinha repercussão em todos os demais contratos de rodovias pedagiadas.

Na prática, o órgão de controle precisava decidir se a inexecução de obras exigidas nas concessões deveria resultar em diminuição das tarifas de pedágio de uma só vez. Descumprimentos contratuais têm como consequência um desconto nas tarifas para os usuários, mas a ANTT argumentou que esse desconto deveria ser diluído ao longo de vários anos.

Assim, segundo a agência reguladora, o risco era de aplicar um remédio que matasse o paciente: queda de tarifa tão drástica que comprometeria o fluxo de caixa da concessionária e sua capacidade de tomar financiamento para finalmente as obras. Além disso, criaria a possibilidade de um “efeito sanfona”: uma hora o pedágio cai fortemente devido à aplicação do reequilíbrio econômico, mas depois sobe na mesma proporção quando as obras forem concluídas, deixando os usuários confusos sobre o valor.

A sessão do tribunal teve duras críticas ao desempenho dos reguladores. O ministro Walton Alencar disse que as concessionárias de estradas eram “estelionatárias” que agiam com aval da ANTT – ligada ao Ministério da Infraestrutura. Ele afirmou que as empresas atrasam suas obras propositalmente para melhorar a rentabilidade e distribuir lucros aos acionistas. Outro ministro, Aroldo Cedraz, lembrou mais casos de descumprimentos e proclamou que aquele era o “dia do basta”.

A série de decisões contrárias ao ministério teve início em maio, quando o tribunal de contas permitiu à empresa Marimex estender seu contrato de arrendamento no Porto de Santos até 2025.

O contrato havia expirado em 2020 e o objetivo da Santos Port Authority (SPA) é usar esse espaço para um novo terminal de fertilizantes e uma pera ferroviária, que pretende dar mais eficiência à movimentação de cargas. A Marimex entrou na Justiça, alegando direito à renovação do contrato por 25 anos, mas perdeu. Por cinco votos a três, o TCU aceitou a prorrogação por mais cinco anos.

O governo está recorrendo da deliberação e argumenta que renovar ou não esse contrato é uma prerrogativa do poder concedente. No entanto, o prolongamento da novela já prejudica o cronograma de reconfiguração do porto, com atraso nos preparativos da licitação para o novo terminal e das obras de um pera ferroviária. Além disso, segundo a SPA, pode servir como um precedente para outros donos de terminais que pleiteiem o mesmo benefício de renovação contratual reconhecido pelo TCU à Marimex.

Outros projetos prioritários no cardápio do Ministério da Infraestrutura ainda terão que passar pelo crivo do tribunal. No setor portuário, estão na lista as desestatizações da Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa) e do Porto de Santos, ambas previstas para 2022. O órgão de controle precisará avaliar também a oferta de seis lotes de rodovias no Paraná, que somam 3.372 quilômetros, com investimentos estimados em mais de R$ 43 bilhões.

Em ferrovias, passarão ainda pelo TCU as renovações antecipadas dos contratos de concessão da MRS Logística e da FCA, por meio das quais o ministério pretende alavancar investimentos privados.

E está no tribunal o projeto da Ferrogrão, entre Sinop (MT) e Itaituba (PA), a menina dos olhos de Tarcísio. A análise do empreendimento, porém, foi interrompida por causa de uma liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) que suspendeu a redução de área do Parque Nacional do Jamanxim, por onde a Ferrogrão passaria.

Relacionamento com tribunal nunca esteve tão azeitado, afirma secretária

Para Natália Marcassa, recentes decisões contrárias do órgão de controle refletem questões pontuais e a gestão de contratos, não a análise de projetos específicos de novas concessões

O relacionamento entre o Ministério da Infraestrutura e o Tribunal de Contas da União (TCU) é “excelente” e “nunca esteve tão azeitado”, garante Natália Marcassa, secretária de Fomento, Planejamento e Parcerias da pasta.

Para ela, as recentes decisões contrárias do órgão de controle refletem questões pontuais e a gestão de contratos, não a análise de projetos específicos de novas concessões. Por gestão de contratos ela entende processos que envolvem reequilíbrios econômico-financeiros, passivos regulatórios, ações inéditas – como a relicitação de ativos devolvidos amigavelmente pelas atuais concessionárias, que é o caso do aeroporto de São Gonçalo do Amarante (RN).

“Esses pontos envolvem análises mais aprofundadas, que às vezes suscitam interpretações divergentes. São casos mais complexos mesmo, mas temos buscado convergência e acreditamos no esclarecimento de todos os questionamentos levantados pelo tribunal”, afirma a secretária, que é uma das principais responsáveis no ministério pela interação com o TCU.

Marcassa diz ter a expectativa de reverter os últimos reveses no tribunal, como o do aeromóvel em Guarulhos (SP) e o da reconfiguração do Porto de Santos. De acordo com ela, no caso dos projetos de concessão, a análise do órgão de controle tem fluido bem e permitido à pasta fazer os leilões na velocidade desejada. “Estamos fazendo uma quantidade jamais vista de leilões. Os processos estão saindo nos prazos. Se viramos uma fábrica de projetos é porque o tribunal também virou uma fábrica de análises. Nossa relação nunca esteve tão azeitada”, argumenta.

A secretária lembra que o TCU já liberou projetos prioritários da pasta, como a relicitação da Presidente Dutra, leilões de novas rodovias, rodadas de concessões de aeroportos e arrendamentos portuários. Também foi aprovada a renovação antecipada, por 30 anos, de concessões de ferrovias.

O ministério, por meio de sua assessoria de comunicação, complementou em nota: “Desde 2019, o governo federal, por meio do Ministério da Infraestrutura, tem buscado otimizar o fluxo de trabalho com o TCU, adequando cronogramas para apresentação dos projetos de concessão, de forma a obter maior segurança e conformidade a todo o processo. A corte de contas tem contribuído para o aperfeiçoamento dos editais e desempenha um papel fundamental no sucesso dos leilões de infraestrutura de transportes”.

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