Rio revê frota de ônibus e anuncia nova tentativa de reorganizar o sistema

Do O Globo
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

A partir de segunda-feira (4), 50 linhas de ônibus que transportam cerca de 35% dos passageiros da cidade terão que reforçar a frota para regularizar os intervalos. A medida faz parte de um novo plano da Secretaria municipal de Transportes (SMTR) de reordenar o sistema até meados de novembro. Reportagem do GLOBO publicada em setembro mostra que os quatro consórcios operadores (Intersul, Internorte, Transcarioca e Santa Cruz) — alegando problemas financeiros, concorrência desleal das vans piratas e a redução do número de passageiros por conta da pandemia — colocam nos dias úteis apenas 40% da frota estipulada pela prefeitura em 2015. Este é o percentual que deveria estar à disposição somente aos domingos e feriados, quando há menos deslocamentos na cidade. O percentual mínimo, previsto nos contratos de concessão de 2010, prevê o emprego de pelo menos 80% da frota de segunda a sexta-feira. (Veja a lista completa abaixo)

A prefeitura concordou com um pedido dos consórcios para reduzir a frota prevista. Mas numa proporção bem menor que aquela que os empresários defendiam. Dos 7.568 coletivos que eram determinados para 6.477 (uma redução de 14,41%) e adotará uma nova forma de fiscalização da frota. Os empresários defendiam que o corte fosse maior e se aproximasse da média dos 3 mil coletivos que efetivamente rodam hoje. Na quarta-feira, por exemplo, apenas 3.095 coletivos circularam:

— A questão é que os empresários afirmam que não há demanda, mas não temos dados estatísticos em tempo real sobre o total de usuários. Essas informações são controladas pelo Riocard, administrada pelo próprio setor— diz a secretária municipal de Transportes, Maina Celidonio. — Nós só teremos mais clareza sobre essa demanda após concluirmos um processo de licitação para escolher um novo operador da bilhetagem — acrescentou a secretária.

Dificuldade na hora de conseguir informação é também uma situação corriqueira para o operador Rosivaldo Antônio da Silva, de 57 anos, que mofa esperando o 397 — Campo Grande X Candelária, do consórcio Santa Cruz. Morador de Santa Margarida, na Zona Oeste, ele tenta pegar o ônibus toda segunda-feira e quinta-feira. Na maioria das vezes, mofou no ponto.

— Já cheguei a não encontrar ônibus nenhum aqui e ficar sem informação sobre quando teria outro. Tive que ficar esperando uma vida. Fiscal? Uma vez na vida e outra na morte — reclama.

Segundo Maina, os técnicos da SMTR dizem também ter encontrado distorções em relação à forma com que os dados são apresentados à prefeitura. Geralmente, esses relatórios são apresentados pelo Riocard com defasagem de 5 e 40 dias (com as estatísticas revisadas). Na comparação das informações, a prefeitura encontrou defasagens de até 5% no volume de passageiros informados. Os empresários alegam que os dados são transparentes.

A data da licitação não está definida porque o edital passa por revisão da Procuradoria Geral do Município. Segundo a SMTR, o Riocard não poderá participar por uma espécie de conflito de interesses: hoje um mesmo grupo empresarial opera e presta contas sobre o total de passageiros transportados.

Para tentar obrigar as empresas a cumprir a determinação, o sistema de fiscalização das linhas de forma remota pelo GPS dos coletivos também vai mudar. Desde 2010, a prefeitura usa um software cedido pelo Rio Ônibus, mas que só permite analisar a frota operante linha por linha. Com isso, ao longo dos anos, várias estratégias foram adotadas para tentar punir os consórcios por não colocar na rua a frota determinada. No governo passado, por exemplo, a prioridade era acompanhar a rotina das empresas com o maior número de reclamações através do serviço 1746.

Um novo software foi desenvolvido pela SMTR. Agora, todas as linhas passam a processar relatórios diários. A multa prevista é de R$ 1.926,75 pelo descumprimento das determinações. Nas duas primeiras semanas, com o sistema em testes, os consórcios seriam apenas advertidos. As multas para essas 50 linhas seriam aplicadas a partir do dia 18 de outubro. Na mesma data, a nova regra para frota mínima passa a ser adotada para mais 47 linhas.

Entre as 50 primeiras linhas, a que exigirá maior frota é a da Zona Oeste. Ao todo, a linha 864 (Bangu-Campo Grande), do Consórcio Santa Cruz, deve operar com 60 coletivos por ser a de maior demanda da cidade (1,80% dos passageiros transportados pelos ônibus). A lista inclui ainda três linhas que interligam bairros da Zona Oeste e da Barra da Tijuca que passam pela Zona Sul ou têm como destino final a região, tais como a 565 (Tanque-Gávea), com 40 coletivos; e 309 (Alvorada-Central ), que deve manter 50 carros na rota.

Hoje, das 496 linhas existentes, apenas 107 (21,7%) rodam efetivamente na cidade com a frota e frequência determinadas. Outras 174 estão inoperantes (35,2%) e 212 (43,10%) circulam de forma irregular.

Essa não é a primeira vez que o governo atual tenta disciplinar a frota. No início do ano, Maina anunciou um plano que previa que 40 linhas consideradas prioritárias deveriam ser restabelecidas até 30 de abril. Mas os empresários alegando não haver demanda e dificuldades financeiras, não cumpriram.

Quem lamenta as linhas perdidas é o operador de empilhadeira Paulo Ricardo Batista, de 40 anos. Ele lembra de quando ainda existiam as linhas 398 — Campo Grande X Tiradentes e a 822 — Corcundinha X Campo Grande, que foram determinadas pela prefeitura para retornar com a frota entre os meses de março e abril deste ano. Agora, sem ambas, ele conta que a linha 936 serve para suprir a perda de todas as outras — e não dá conta:

— Ela já era ruim antes da pandemia, só piorou. Fora as condições dos carros, que são horríveis, janela tremendo, parafuso caindo, banco furado. E não tem outra opção, ou vou pagar muito mais caro no frescão, que custa R$ 15 reais. Não dá para mim.

O plano para reorganizar as linhas foi apresentado aos consórcios em uma reunião entre técnicos da SMTR e os operadores na manhã desta sexta-feira. Antes do encontro, o porta- voz do Sindicato das Empresas de Ônibus do Rio (Rio Ônibus), Paulo Valente, adiantou que caso se confirmasse que a prefeitura exigiria mais coletivos nas linhas, os operadores não teriam condições financeiras, ônibus em condições de circular e nem pessoal suficiente para atender às determinações a curto prazo:

— Se a decisão for multar, os consórcios terão que optar entre pagar as infrações ou comprar combustível para a frota continuar a circular. Essa semana, o diesel sofreu um aumento de 8,9%, que impacta R$ 0,22 nos custos do setor. Só esse ano, o reajuste acumulado dos combustíveis chegou a 51%. As tarifas estão congeladas e não temos demanda. A própria prefeitura sabe disso com a experiência do BRT. Desde o início da intervenção está investindo cerca de R$ 10 milhões por mês em recursos públicos — argumentou o porta-voz do Rio Ônibus.

Enquanto isso, Rayssa da Silva, de 27 anos, fica sem o ônibus da linha 398 — Campo Grande X Tiradentes, que, segundo ela, era a salvação para chegar ao trabalho, no Centro. Com o sumiço, a única alternativa foi optar pelo 397 — Campo Grande X Candelária, que nunca tem horário para sair e muito menos para chegar no ponto.

— Já cheguei em cima do laço várias vezes por causa da demora. Prejudica muito o meu dia. Se tivesse mais ônibus, eu sairia mais tarde. Além disso, não tenho outra opção, o que piora ainda mais — diz Rayssa.

Conheça as etapas do plano:

de 4 a 17 de outubro – Início do plano com 50 linhas. Consórcios serão apenas notificados

de 18 a 31 de outubro – Multas passam a ser aplicadas nas 50 linhas

de 1º a 14 de novembro – Início do monitoramento de outras 47 linhas

a partir de 15 de novembro – Monitoramento e aplicação de multas em todas as linhas

Confira as linhas do plano:

864 – Bangu – Campo Grande

371 – Praça Seca – Praça Tiradentes

565 – Tanque – Gávea

309 – Alvorada – Central

606 – Engenho de Dentro – Rodoviária

624 – Mariópolis – Praça da Bandeira

878 – Tanque – Barra da Tijuca

639 – Jardim América – Saens Peña

232 – Lins – Castelo

790 – Campo Grande – Cascadura

774 – Madureira – Jardim América

629 – Irajá – Saens Peña

838 – Jardim Maravilha – Campo Grande

483 – Penha – General Osório

298 – Acari – Castelo

315 – Central – Recreio dos Bandeirantes

343 – Jardim Oceânico – Candelária

557 – Rio das Pedras – Copacabana

363 – Vila Valqueire – Candelária

249 – Água Santa – Carioca

550 – Cidade de Deus – Gávea

328 – Bananal – Candelária

918 – Bangu – Irajá

721 – Vila Cruzeiro – Cascadura

312 – Olaria – Candelária

324 – Ribeira – Candelária

900 – Merck – Downtown

108 – Jardim de Alah – Rodoviária

497 – Penha – Cosme Velho

220 – Usina – Candelária

779 – Pavuna – Madureira

954 – Taquara – Recreio

399 – Pavuna – Passeio

463 – São Cristóvão – Copacabana

805 – Alvorada – Jardim Oceânico

292 – Engenho da Rainha – Castelo

712 – Cascadura – Irajá

390 – Curicica – Candelária

756 – Santa Cruz – Coelho Neto

905 – Bonsucesso – Irajá

548 – Alvorada – Metrô Botafogo

794 – Cascadura – Bangu

621 – Penha – Saens Peña

394 – Vila Kennedy – Tiradentes

793 – Pavuna – Sulacap

770 – Campo Grande – Coelho Neto

812 – Carobinha – Bangu

840 – São Fernando – Campo Grande

412 – Saens Peña – Gávea

897 – Paciência – Pingo d’Água

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