Anfavea diz não ter a ‘gestão da pandemia’

Do Valor Econômico
Foto: José Fernando Ogura/AEN/Ilustração/Fotos Públicas

Os efeitos do descontrole da pandemia tornam cada vez mais difícil aos dirigentes da indústria automobilística no Brasil convencer as direções globais do setor de que ainda há espaço para seguir com os planos de investimentos no país. “O ambiente político do país assusta as matrizes”, afirma o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Carlos Moraes.

Num desabafo que marcou a divulgação dos resultados do setor no trimestre, ontem, Moraes mostrou o quanto o setor produtivo está de mãos atadas em relação a problemas que demandam uma mudança de rumo na esfera pública. “Cabe a nós [empresas] colaborar, mas não temos a gestão da pandemia”, disse.

Ao destacar que “Brasília deveria pensar mais no Brasil”, o presidente da Anfavea disse que não se referia só ao Executivo, mas aos poderes da Nação. Para ele, “não se percebeu, ainda, a gravidade da situação”. A crise sanitária no país poderia ser “menos dramática”, disse. “Mas por incompetência ou falta de visão” isso não aconteceu.

Um setor que historicamente quase sempre teve mais motivos para alinhar-se aos governos do que para opor-se às suas decisões, desta vez não poupa críticas ao que deixou de ser feito, sobretudo em relação às contas públicas. Um dos maiores “desapontamentos”, segundo Moraes, diz respeito ao orçamento. Para ele, as despesas obrigatórias deveriam ter sido aprovadas no ano passado. “A subestimação das despesas criou espaço para emendas pensando nas eleições de 2022”, destacou.

Segundo o dirigente, o aumento da fome e de desemprego no país são motivo de preocupação para o setor produtivo à medida que isso compromete toda a atividade econômica.

Moraes não fala sobre possibilidades de algum dos associados da entidade estar avaliando eventual enxugamento das operações no país ou mesmo um completo encerramento das atividades industriais, como fez a Ford antes de a pandemia se agravar.

Mas ele destacou, por outro lado, a tarefa cada vez mais difícil de convencer as matrizes dessas companhias de que este é um país promissor porque precisa de transporte coletivo e de carga e onde o consumidor tem paixão por carros.

Em breve, as grandes empresas sentirão falta, segundo Moraes, de recorrer novamente à possibilidade de reduzir jornadas e salários, como ocorreu no ano passado. Mas a Medida Provisória que trata do assunto (MP 936) ainda não foi aprovada. E as pequenas, disse, terão mais necessidade de crédito. “Acabou também o tempo da taxa de juros baixa”, completou.

Os fabricantes de veículos aguardam a posição do Congresso sobre compra de vacinas por empresas para decidir se adquirem imunizantes para seus empregados e familiares. “Sabemos que a questão é complexa porque envolve aprovação pela Anvisa, do ponto de vista técnico e de preços, além da disponibilidade do produto no mercado internacional e há também uma discussão sobre cronogramas para atender pessoas de faixas prioritárias”, destaca.

Por outro lado, ele defende uma aceleração do sistema público de vacinação em todo o país. “Essa é a única chave para não deixarmos mais brasileiros para trás como está acontecendo”.

Em meio ao quadro obscuro que envolve uma solução para a crise sanitária, as montadoras se debatem com seus próprios problemas. O mais persistente é a escassez de componentes, principalmente semicondutores. Aliada aos decretos municipais e estaduais que determinaram suspensões de atividades, a falta de peças levou à paralisação das linhas de montagem nos últimos dias.

A suspensão do trabalho desde a última semana de março não chegou, porém, a afetar os volumes de produção no mês. Foram produzidos, em março, 220,3 mil veículos, o que representou aumento de 5,5% na comparação com o mesmo mês do ano passado. No acumulado do primeiro trimestre, a produção alcançou 597,8 mil unidades, crescimento de 2%.

Os resultados foram também positivos em vendas internas e exportações. Houve aumento de 15,7% na venda de veículos em comparação com o mesmo mês de 2020. Moraes atribuiu o crescimento à maior quantidade de dias úteis. Em março foram 23 dias, três a mais do que em fevereiro. Esse dado influência nos licenciamentos. Mas, ele disse também que o setor “aprendeu com a pandemia” a desenvolver mais ferramentas de venda de veículos on-line.

Para a Fenabrave, que representa os concessionários, o resultado positivo deve-se a entregas de veículos vendidos no fim do ano, que tiveram a produção atrasada por falta de peças.

Segundo Moraes, as fábricas têm, hoje, carros incompletos em sus pátios. A montagem dos veículos é concluída à medida que as peças chegam. Por isso, quase não há estoques na indústria.

O agronegócio continua a ajudar o setor. O aumento da demanda fez a venda de caminhões subir 67% em março na comparação um ano atrás.

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