Do O Globo
Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil/Ilustração/Fotos Públicas
Apesar de o Rio atravessar seu pior momento desde o início da pandemia — todo o estado era considerado nesta sexta-feira área de risco para Covid-19 e a Região Metropolitana I (Rio e Baixada) de alto risco —, o primeiro dia de recesso teve pontos positivos e abusos. O engarrafamento na capital, por volta das 8h, apresentava uma queda de 94%, de acordo com dados da prefeitura, e a maior parte do comércio manteve as portas fechadas, obedecendo às regras sanitárias. O transporte público foi o maior desafio na capital, em que ônibus ainda circularam lotados. Especialistas alertam que, sem ajuda da população, medidas de restrição podem não surtir efeito.
Para Celso Ramos Filho, infectologista e presidente da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio, caso as pessoas não respeitem o feriadão que foi imposto para conter a transmissão do coronavírus, a curva de casos da doença não vai cair em duas semanas.
— A gente entende que muitas pessoas são afetadas pelas medidas, mas é preciso segui-las — afirma. — Tivemos mais de 300 mil mortes até agora e, caso não seja respeitado o distanciamento social, até o fim deste semestre serão mais de 500 mil mortes. A vacina para todos ainda vai demorar. É preciso fiscalizar as ruas.
Já o médico e professor do Instituto de Medicina Social da Uerj Mario Dal Poz acredita que o fato de o governo ter chamado o recesso de “feriado” foi ruim.
— Foi uma decisão equivocada porque passa para as pessoas a sensação de que pode viajar e ir à praia — observa.
A Avenida Nossa Senhora de Copacabana, uma das com maior movimento comercial do bairro, ficou praticamente vazia com as lojas fechadas. Mas Botafogo era um ponto fora da curva. Desde o início da semana, dados do coletados pela empresa de inteligência Cyberlabs para o Centro de Operações Rio (COR) indicam que o bairro está com mais fluxo de pessoas do que antes da pandemia: na segunda-feira, por exemplo, o movimento, em vez de reduzir, cresceu 21%. O comércio, no entanto, fechou, obedecendo à ordem da prefeitura, e bares funcionaram fazendo entrega. A advogada Josélia de Araújo, de 63 anos, se espantou com o que viu:
— Não vi tanta diferença dos outros dias. Está quase a mesma coisa. Muita gente na rua.
Protesto em Copacabana
Em Copacabana, um grupo de pessoas fez um protesto contra as restrições. Os manifestantes caminharam pela orla do bairro sem máscaras e distanciamento social, carregando cartazes contra a administração municipal.
Na Baixada Fluminense, o descontrole era absoluto. O calçadão do Centro de Caxias ficou lotado como de costume. E boa parte das pessoas não estava de máscaras ou usava o item incorretamente, pendurado no queixo ou com o nariz de fora. Como o município deve seguir as regras do estado, que são menos restritivas, e o prefeito Washington Reis abriu mão de legislar sobre as regras sanitárias, deixando tudo aberto, o comércio teve grande movimento. Em Belford Roxo, também na Baixada, uma fila com cerca de 300 clientes se formou na porta da Caixa Econômica, sem distanciamento. Outras aglomerações foram registradas em Nilópolis e São João de Meriti.
Os passageiros que precisaram se deslocar dentro do estado também sofreram no transporte público, apesar do feriadão — criado com a antecipação dos dias de Tiradentes e São Jorge para este mês e com a criação de três feriados até o fim de semana da Páscoa.
— Para mim, não mudou nada. Tenho de pegar dois ônibus para chegar ao trabalho, em Nova Iguaçu. Hoje saí de casa às 7h, e só consegui embarcar no Cesarão quase às 9h. O 759, que vai para Coelho Neto, saiu com todos os bancos ocupados, mas na Avenida Brasil ficou superlotado. Não adianta nada as medidas do governo, se reduzem o número de ônibus na rua. Tem gente como eu que precisa trabalhar — reclamou o corretor de imóveis Rafael Lourenço, de 27 anos, morador de Santa Cruz.
O zelador Jorge Luiz de Araujo, de 51 anos, morador de Mesquita, conta que o trem que pegou para o Centro do Rio, às 6h25, estava apenas um pouco mais vazio:
— A partir de Deodoro, lotou e foi assim a viagem toda.
As restrições anunciadas pela prefeitura e o governo contra a Covid-19 entraram em vigor nesta sexta-feira e devem ser seguidas até 4 de abril. São dez dias de paralisação de atividades não essenciais para conter o avanço da doença.