Por Agora RN
Foto: José Aldenir (Agora RN)
Os problemas do sistema de transporte público de Natal ficam cada vez mais evidentes à medida em que a pandemia do coronavírus avança. A população, que em sua maioria tem que sair às ruas para garantir o sustento, enfrenta uma verdadeira prova de fogo para cumprir com seus compromissos. Afinal, ficar em um lugar lotado de pessoas, sem distanciamento, na presença de alguns indivíduos sem máscara, durante minutos – e até horas – não é tarefa fácil.
Responsável pela situação, a Prefeitura do Natal pensou, então, em uma estratégia para ajudar os usuários. Prometeu aumentar o número de viagens no horário de pico, mas, para isso, alguém teria que pagar o preço. Literalmente. Na escolha do Executivo Municipal, estudantes e idosos que utilizam a gratuidade não têm mais acesso aos seus respectivos benefícios entre 6h e 8h e 17h e 19h, durante os dias úteis. Ou seja: se eles quiserem utilizar o serviço, têm que pagar a passagem inteira. A determinação começa nesta terça-feira 9.
Mas o novo horário das viagens já foi colocado em prática. E o que prometia mudar o cenário caótico vivenciado não passou de ilusão. Tudo continuou como estava, como sempre foi: paradas lotadas, usuários chateados e veículos com capacidade acima do limite. As imagens que compõem esta matéria são exemplos de como não se deve tratar a população que tem o ônibus público como único meio de transporte durante uma crise sanitária.
A interpretação é do estudante universitário Melquisedec Lima (jovem de camisa e máscara preta na imagem), que utiliza o transporte público diariamente com o objetivo de se locomover até o local de trabalho, que atualmente está em atividade presencial. Para ele, que se beneficia da carteira de estudante, a ação da gestão municipal vai na contramão do que determina as leis. “Acredito que a medida tomada pela prefeitura no último decreto fere o direito da meia passagem estudantil, que é de todos os estudantes. É algo assegurado por lei”, avalia.
Melquisedec revela que tem preocupação com a aplicação da medida do decreto, já que terá que pagar a passageira inteira, caso queira manter a pontualidade no emprego, que começa às 8h. “O ônibus estava lotado como sempre. Logo, vemos que essa não é a alternativa mais viável. A saída adequada é o aumento da frota para que os trabalhadores em atividades presenciais possam ir e voltar para casa devidamente sentados”, sugere, ao considerar que apenas cerca de 70% dos ônibus saem das garagens.
Atualmente, o estudante, que trabalha 9 horas por dias, tem a difícil missão de escolher entre ir para casa no horário habitual pagando mais caro ou ficar no trabalho por duas horas adicionais a fim de ter acesso ao seu direito de estudante. “Apesar das promessas, não percebi nenhum aumento de viagens; muito pelo contrário. Só notei horários mais reduzidos e a população cada vez mais exposta tanto ao risco biológico (da Covid-19), devido a proximidade das pessoas, quanto aos assaltos nas paradas. Infelizmente, me resta pagar a passagem inteira ou esperar, após o expediente, dar 19h para poder voltar para casa”, desabafa.
“Lavei minhas mãos”, diz motorista: Um motorista de uma linha de ônibus que liga a zona Norte de Natal ao bairro de Mirassol contou à reportagem que não há orientação da empresa em que trabalha em relação ao número máximo de passageiros por veículo. Com medo de represália, ele não quis ser identificado, mas contou que não raro é chamado atenção pelos seus chefes por deixar passageiros entre a porta de entrada e a catraca.
“Eles [os fiscais] não querem que a gente deixe o pessoal cansado chegar em casa. Só pode. Qual a diferença de aglomerar antes ou depois da catraca? Aquele tumulto todo é uma situação complicada. Mas temos que entender o lado do passageiro que trabalhou o dia inteiro. Eu uso máscara, passo álcool em gel, mas tem passageiro que não se importa em usar. Eu parei de pedir para colocar, pois quando pedi quase apanhava. Lavei minhas mãos”, confidencia.
Vereadora aciona Ministério Público: A vereadora de Natal Brisa Bracchi (PT) acionou o Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN) solicitando a adoção de providências quanto à suspensão do direito à meia passagem estudantil e gratuidade para os idosos no transporte público em Natal. “Não vamos assistir de braços cruzados esse absurdo. O prefeito Álvaro Dias prefere com uma canetada retirar direitos garantidos por lei do que colocar a frota integral para rodar”, dispara.
A parlamentar, que faz oposição ao gestor municipal, emendou: “[O prefeito] prefere fazer com que pessoas que já vivem tão fortemente a crise econômica/sanitária gastem ainda mais do que impor medidas realmente eficazes. O que nós queremos é a frota de ônibus circulando 100%, os direitos garantidos e uma união de todas as esferas do poder público para que a gente supere essa tragédia que estamos vivendo. Precisamos de vacinas e auxílio, não de retirada de direitos”.
Membros da Comissão de Transportes da Câmara Municipal acompanharam próximo à Ponte de Igapó, na zona Norte, o primeiro dia do remanejamento da frota para os horários de pico. A vereadora Divaneide Basílio (PT) afirma que “a solução para esse problema (da superlotação) passa necessariamente pelo retorno integral da frota”. Outro fator grave é a não disponibilização do álcool em gel para os passageiros pelas empresas, o que caracteriza descumprimento da lei municipal. O caos nos transportes de Natal é uma tragédia anunciada”, encerra.
Foco em combater o vírus: Titular da Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana (STTU), Paulo César Medeiros considera que o aumento no número de viagens vai ajudar a atender a demanda de passageiros, bem como contribuir para diminuir o risco de contágio pelo coronavírus dentro dos veículos. Segundo o secretário, essa ação somada à cobrança integral da passagem de estudantes e idosos visam preservar vidas.
Titular da Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana (STTU), Paulo César Medeiros considera que o aumento no número de viagens vai ajudar a atender a demanda de passageiros, bem como contribuir para diminuir o risco de contágio pelo coronavírus dentro dos veículos. Segundo o secretário, essa ação somada à cobrança integral da passagem de estudantes e idosos visam preservar vidas.
Atualmente, o sistema de transporte público tem um fluxo de cerca de 144 mil passageiros por dia, conforme dados coletados pela STTU. Deste total, 47.760 (29%) são estudantes ou idosos. Diante deste cenário, Paulo César considera que suspender temporariamente os benefícios desses usuários nos horários de pico contribuem para redução do número de passageiros em um determinado horário e, por efeito, as aglomerações nas linhas.
“A ação tem por objetivo evitar que essas pessoas que não têm necessidade de usar o sistema nos horários de pico, especialmente os idosos, que integram o grupo de risco da Covid-19. Ninguém vai ser prejudicado porque o estudante não tem aula e o idoso poderá pegar o ônibus mais vago em outro horário. Se o estudante voltar às atividades acadêmicas de forma presencial, ele terá acesso ao seu benefício”, esclarece.
O secretário reconhece que não é possível evitar aglomerações dentro dos veículos, mas que há possibilidades de diminuir a quantidade de pessoas em uma mesma viagem, através do ajustamento dos horários das viagens. E isso, segundo Paulo César, já está em prática. “Existem linhas que rodam com os ônibus vazios em alguns horários, enquanto em outros estão cheias. A pandemia provocou a perda de mais da metade dos passageiros, mas mantivemos, ainda, assim 70% da frota. O sistema, então, tem que estar minimamente equilibrado”, encerra.