Do El País
Por Rafael Calabria
Foto: Jeferson Silva
O ano de 2021 começou difícil para os usuários de transporte público, ainda mais, pois fácil nunca foi. Em razão do isolamento ainda gerado pela pandemia que diminuiu o número de passageiros e consequentemente a renda das empresas que operam os sistemas, agora a população mais vulnerável de diversos municípios amarga cortes de gratuidades, aumentos de tarifas, entre outras medidas prejudiciais. A situação é muito grave, pois vem privando essas pessoas não apenas do direito à mobilidade, mas do acesso a outros, como saúde, educação, lazer etc.
As perguntas que nos fazemos são: as empresas precisam mesmo disso para garantir o funcionamento do serviço? E qual a responsabilidade do poder público nesse processo? As respostas para essas questões são complexas, mas já de início podemos dizer que tudo isso é consequência de uma histórica omissão e decisões erráticas dos Governos na hora de defender o interesse público (o que por princípio é seu mais importante papel) deixando prevalecer os interesses individuais, seja de empresários seja dos próprios gestores públicos.
O início do problema está nos contratos de concessão falhos, onde as prefeituras cobram das empresas pouca qualidade do serviço e as remuneram por passageiro transportado, e não pelo custo de operação do sistema, como deveria ser. Dessa forma, é muito mais lucrativo para as companhias colocarem poucos veículos para rodar, gerando alta lotação dos ônibus.
A falha dessa dinâmica ficou muito evidente quando a pandemia diminuiu o número de pessoas pagando tarifa, e as empresas viram sua renda despencar drasticamente. Há muitos anos, as organizações que defendem o direito ao transporte alertam as prefeituras sobre a necessidade de rever a forma de remuneração das companhias e de diversificar a fonte de financiamento, com fundos de transporte, por exemplo.
Para além da diversificação da fonte, a pandemia também colocou a necessidade de um auxílio financeiro federal para a mobilidade nos municípios. Nos Estados Unidos, por exemplo, ele foi de 25 bilhões de dólares em março de 2020. Por aqui, o Governo Federal vetou, em dezembro do ano passado, o auxílio de 4 bilhões de reais aprovado no Congresso, deixando toda a responsabilidade com as prefeituras que não conseguiram responder à altura.
Vimos o resultado deste veto de Bolsonaro na proposta de aumento da tarifa dos trens do Rio de Janeiro para 5,90 reais; no corte da gratuidade para idosos em São Paulo, entre outras medidas semelhantes Brasil afora. Esse tipo de providência parece fechar a conta na hora, mas expulsa pessoas de baixa renda do sistema, que compõem a maior parte dos usuários, levando à perda de passageiros e de receita em médio prazo.
O caso de Goiânia é ainda mais grave, onde o déficit gerado pela pandemia está sendo utilizado para justificar o desmonte da rede metropolitana unificada. Lá pretende-se criar um sistema municipal e um interurbano, com linhas sobrepostas e custos totais aumentados, repetindo o erro grave das outras capitais. Já em Belo Horizonte a crise financeira está sendo utilizada para defender a extinção da empresa de transportes, o que agravaria a situação de um contrato de concessão já problemático e traria dificuldades para a fiscalização do serviço.
Em um momento de profunda crise econômica e social, com ampliação de desemprego e aumento da inflação, a omissão do Governo Federal em relação ao transporte público tem sido fatal para os setores mais pobres da população. Os governos municipais contribuem para agravar a situação, cobrando dessas pessoas o pagamento do prejuízo das empresas, fruto de contratos de concessão equivocados promovidos pelas próprias prefeituras.
O problema do transporte público no Brasil é estrutural e atinge quase todos os municípios, que não dão conta de resolvê-lo sozinhos. O que precisamos agora é cobrar do Governo Federal um plano robusto para o setor, com regras, papéis bem definidos, metas e recursos para financiamento. Para isso acontecer é necessário fortalecer o Ministério do Desenvolvimento Regional, e não desmontá-lo, como vem acontecendo desde 2018. Enquanto isso não acontece, está nas mãos das prefeituras criar editais de licitação que atendam ao interesse público, buscando fontes diversificadas de receitas onde setores diversos contribuam para pagar um serviço que beneficia a sociedade como um todo.
Rafael Calabria, geógrafo e coordenador do programa de Mobilidade do Idec.