Em Salvador, o VLT não é um VLT

Do Mobilize Brasil
Foto: Skyrail Bahia

Trata-se de um monotrilho que recebeu o apelido de Veículo Leve de Transporte. Início das obras encerrou a circulação dos trens do Subúrbio Ferroviário

No sábado (13), o Subúrbio Ferroviário de Salvador realizou sua última viagem após 168 anos de existência. O atual sistema, que interliga as localidades pela orla da Baía de Todos os Santos, deixa de operar para dar lugar às obras de implementação do chamado VLT. Na verdade, não é um Veículo Leve sobre Trilhos, mas um monotrilho, análogo ao que que funciona na Linha Prata do metrô de São Paulo.

A ferrovia agora desativada ligava o bairro da Calçada (Centro de Salvador), ao Distrito de Paripe, no interior da Baía, uma região densamente povoada. A linha férrea da Leste (Viação Ferroviária Leste Brasileiro) começou a ser criada em 1853, quando Joaquim Francisco Alves Muniz Barreto recebeu do governo imperial a concessão para a construção de uma estrada de ferro ligando Salvador à cidade de Juazeiro. Foi a primeira ferrovia da Bahia e a quinta do Brasil.

Trens do Subúrbio, agora desativados Imagem: Arquivo pessoal/G1

A gestão desse trecho ferroviário – que estava nas mãos da Prefeitura de Salvador – foi transferida para o governo estadual em 2013, juntamente com as obras do metrô, passando a ser administrado pela Companhia de Transportes do Estado da Bahia (CTB).

Detalhes do projeto

O sistema de transporte será requalificado e ampliado para 23,3 km, com 25 paradas. Segundo o governo do Estado, o desenvolvimento do projeto vai beneficiar diretamente cerca de 600 mil pessoas moradoras ao longo do atual Subúrbio Ferroviário. O traçado do monotrilho priorizou a utilização da faixa ferroviária já existente, como forma de evitar desapropriações. Mesmo assim, mais de 400 imóveis serão afetados, exigindo o reassentamento dos moradores. “Todas as famílias nesta situação terão seus imóveis avaliados individualmente e receberão as indenizações justas”, promete o governo.

O pulo do gato (ou da lebre) do projeto foi a substituição do sistema original – que previa composições correndo sobre trilhos de aço assentados no solo – tal como os VLTs do Rio de Janeiro ou de Santos (SP) por um sistema de monotrilho, com veículos transitando sobre pneus em um trilho central, de concreto. Em agosto de 2018, o Consórcio SkyRail Bahia foi considerado vencedor da concorrência para a “Concessão Patrocinada para implantação das obras civis e sistemas, fornecimento do material rodante, operação e manutenção do veículo leve sobre trilhos ou outro modal equivalente de transporte público sobre trilho ou guia e movido à propulsão elétrica”. O Consórcio é composto pelas empresas BYD Brasil e Metrogreen. O governo do estado investirá cerca de R$ 1,5 bilhão na obra.

Trajeto do projeto do futuro monotrilho: integração ao metrô de Salvador Imagem: SkyRail Brasil

Manifestantes em Salvador protestam pelo fim do trem para obra do VLT

A obra, no entanto, é alvo de uma série de questionamentos, tanto da população – que tem realizado protestos contra a mudança – como de especialistas. Uma pesquisa que avalia a condição socioeconômica dos atuais usuários do sistema apontou que mais de 90% deles não poderá pagar a tarifa cheia do novo modal. Os trens do Subúrbio tinham tarifas de R$ 0,50 e 0,25 (estudantes), permitindo que a população de baixa renda que vive ao longo do trajeto pudesse deslocar-se ao Centro de Salvador, enquanto a tarifa prevista para o novo sistema estaria em cerca de R$ 4,00.

O urbanista Carl von Hauenschild avaliou a nova proposta escolhida para a região como “retrocesso” dos pontos de vista tecnológico, urbanístico e de desenvolvimento econômico. Em entrevista à Mari Leal, do jornal Bahia Notícias, Hauenschild lembrou que pelo contrato da PPP, o governo ficará refém do Consórcio Skyrail Bahia, que detém a tecnologia e fabrica os componentes para o monotrilho. “A gente tem uma Parceria Público-Privada de 35 anos e nesse tempo a empresa está obrigada a fornecer qualquer peça e garantir a manutenção do sistema. Mas imagine se a empresa fecha ou se depois de 30 anos não querem mais operar o sistema. A Bahia vai mudar todo o sistema para adaptar a uma nova empresa?”, questiona o urbanista. Ele defende a manutenção do transporte sobre trilhos, o que permitiria a circulação de trens de carga e o atendimento aos portos existentes na área.

Projeção artística de uma futura estação do novo sistena de transportes Imagem: SkyRail Brasil

VLT ou Monotrilho?

Sobre a sigla, algo capciosa, adotada pelo governo para o novo sistema de transporte, o secretário Estadual de Desenvolvimento Urbano, Nelson Pelegrino (PT), explicou que o edital de licitação falava em VLT ou modal equivalente, permitindo “veículo leve sobre trilhos terrestre ou um monotrilho terrestre, mas também um monotrilho elevado. O monotrilho é um modal equivalente, com uma capacidade maior, uma envergadura maior. A licitação atendeu plenamente ao que estava previsto no edital”, declarou Pelegrino na entrevista a Mari Leal, em janeiro passado. Pelegrino acrescentou que o VLT terrestre traria “inconvenientes” para as populações, criaria a necessidade de construção de passarelas para a travessia das vias, assim como para os carros, que seriam obrigados a fazer o compartilhamento do espaço no solo. “O compartilhamento seria possível, mas isso reduziria a performance e diminuiria a velocidade, problema inexistente no monotrilho elevado”.

Carl von Hauenschild lembrou também que a construção da via elevada gerará um forte impacto visual na bela paisagem local e nas edificações históricas existentes no trajeto. Mas o titular da área de Desenvolvimento Urbano argumenta que os espaços da atual faixa ferroviária e da futura linha permitirão a construção de um parque linear, com passeios, ciclovias e outros equipamentos de lazer.

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