Do O Globo – Editorial
Foto: Diogo Moreira/A2 FOTOGRAFIA – Ilustração/Fotos Públicas
O aumento no número de bicicletas nas cidades tem se revelado um efeito saudável destes tempos de pandemia. Segundo a Associação Brasileira do Setor de Bicicletas (Aliança Bike), as vendas nos meses de setembro e outubro registraram aumento de 64% em relação ao mesmo período do ano passado. Em julho e agosto, os negócios foram ainda melhores, com crescimento de até 114%.
Uma explicação para a tendência está relacionada ao risco de contágio pelo novo coronavírus e às restrições impostas pelas autoridades de saúde. Com academias fechadas durante meses, muitos procuraram manter a forma em atividades ao ar livre. Ao menos nos pequenos trajetos, a bicicleta passou a ser também uma opção ao transporte público, onde aglomerações são quase inevitáveis.
Mas nem tudo gira à perfeição nesse mundo de duas rodas. Grandes cidades como São Paulo ou Rio construíram vasta malha de ciclovias e ciclofaixas, mas não conseguiram torná-las seguras. A expansão parece ter sido motivadas mais pela visibilidade política do que pela necessidade real de uma população que sofre com a deficiência de transporte no dia a dia e não tem como trocar o ônibus pela bike simplesmente porque apareceu uma ciclofaixa.
O atropelamento e morte da ciclista Marina Kohler Harkot, de 28 anos, numa ciclovia na Zona Oeste paulistana na madrugada de 8 de novembro, chocou a cidade e revelou como a segurança dessas vias é precária. Marina, que coordenava a Associação de Ciclistas Urbanos de São Paulo, era uma defensora árdua da atividade. Infelizmente, não foi caso isolado. Entre janeiro e outubro, 17 ciclistas morreram nas vias do Distrito Federal. A relação entre ciclistas e motoristas é selvagem — e trágica.
Não se pode esquecer que o governo de Jair Bolsonaro flexibilizou as normas de trânsito e, entre outras medidas, aumentou de 20 para 40 a pontuação necessária para cassação da carteira de habilitação. Deu a infratores contumazes a chance de cometerem o dobro de barbaridades ao volante.
Não basta construir ciclovias ou pintar faixas de vermelho em avenidas movimentadas achando que se oferece opção de mobilidade à população. Ainda que ciclistas sejam um grupo minoritário, é preciso garantir-lhes segurança. Isso não se faz apenas com boas intenções, mas com políticas públicas, campanhas educativas, punição a quem descumpre a lei, adequação das ciclovias às normas de segurança.
O aumento súbito das bicicletas durante a pandemia pode ser uma oportunidade para que as cidades trabalhem por um trânsito mais amigável, em que carros, motos, ônibus, bikes — e pedestres, claro — convivam de forma civilizada. Tendo como guia as leis de trânsito, não a lei do mais forte.