Do Valor Econômico
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil/Ilustração/Arquivo
A pandemia exacerbou a distância entre classes sociais de várias formas. Entre os exemplos mais marcantes, a necessidade de isolamento expôs o abismo que separa o estudante de baixa renda daquele que conseguiu acompanhar todas as aulas a distância graças a uma boa velocidade de conexão à internet.
Na área da saúde, logo no início do surto de covid-19 apareceram no noticiário cenas de pacientes endinheirados que deixavam suas cidades a bordo de jatimhos particulares rumo a hospitais de ponta em São Paulo.
Não faltaram histórias de quem pôde, por exemplo, dar-se ao luxo de cumprir a quarentena numa confortável fazenda, enquanto que para as famílias que dividem um único cômodo restava apenas torcer para que ninguém fosse contaminado.
Do lado da mobilidade, há também muito para contar. O transporte público transformou-se num vilão, foco de disseminação do novo vírus. Quem pôde, fugiu de ônibus, trens e demais meios compartilhados, seguindo, assim, uma direção contrária a tudo o que até então se propagava como futuro para o deslocamento sensato nos grandes centros urbanos.
Nas concessionárias de veículos, vendedores se apavoraram, nos primeiros dias com o “sumiço” do consumidor e a obrigação de fechar as portas para cumprir novas normas sanitárias. Mas, depois, aos poucos, com a permissão para reabertura do comércio, começaram a aparecer clientes com um punhado de novas razões para desejar o transporte individual.
Proteger-se do vírus dentro de um carro levou muita gente que guardara dinheiro a trocar planos de viajar pela compra de um automóvel, nem que fosse pequeno, ou mesmo usado.
Quando a situação econômica do país e a financeira de cada um começaram a ficar mais claras, o mercado mostrou-se o porto seguro também para quem estava insatisfeito com o rendimento das aplicações financeiras. E, a partir daí, o mais rico ficou mais propenso a comprar automóveis.
A Volvo, marca líder no mercado de SUVs premium, teve setembro como o melhor mês da sua história no Brasil. A Porsche, com um catálogo de modelos que custam acima de R$ 500 mil, registrou alta de 62,5% nas vendas de janeiro a setembro.
De modo geral, as vendas de carros importados, que se concentram no segmento de luxo, foram menos prejudicadas pela crise provocada pelo novo coronavírus do que o mercado total de automóveis e comerciais leves, que encolheu 32,28% de janeiro a setembro. Segundo a Abeifa, entidade que representa os importadores, o volume de veículos trazidos de países fora do Mercosul registrou retração menor, de 20,8% no acumulado dos nove meses.
Além de mais favorável ao público de alta renda, o cenário indica, ainda, que a quantidade dos que podem comprar um carro 0 km no Brasil tende a encolher ainda mais.
Além da perda de renda de grande parte da população e do aumento dos índices de desemprego, os carros estão mais caros. Os preços já subiram entre 2% e 5% neste ano e vários fabricantes avisaram que mais reajustes virão.
Encurraladas pela crise e pressionadas pelas matrizes a evitar prejuízos no Brasil, as montadoras não têm poupado o consumidor da pressão de custos, provocada por fatores como elevação dos preços de matérias-primas e desvalorização do real.
O carro tem sido a “máscara” de proteção preferida por muitos em tempos de pandemia. E tende a continuar assim mesmo depois que surgirem as vacinas.