Do Portal Gaúcha ZH
Foto: Divulgação (Marcopolo / Secco Comunicação)
A pandemia transformou profundamente a Marcopolo e também seu presidente, James Bellini. Foi preciso repensar e reinventar a maior fabricante de carrocerias de ônibus do mundo, diz o empresário, que contraiu covid-19. Foi surpreendente e emocionante sua franqueza ao falar sobre a angústia do imprevisível, pessoal e profissionalmente. E ao admitir que a combinação mudou o rumo da sucessão na empresa. Filho de um dos fundadores e integrante do grupo de acionistas que controlam a empresa, ele havia assumido o comando executivo em maio de 2019, depois de o executivo Francisco Gomes Neto ir para a Embraer. Sua intenção era presidir interinamente e preparar um executivo da empresa para o cargo. Diz que considera seu time de executivos o melhor do Brasil, e não trocaria nenhum deles, mas o plano foi adiado:
– Iria ficar até março de 2021, tínhamos um plano de sucessão bem desenhado. Essa crise mudou tudo. Tivemos de interromper o processo, porque havia outras prioridades. Entendemos que não é um bom momento para eu sair. É importante ficar mais um tempo. Se você perguntar quanto, não sei responder. Tudo depende como vai ser o próximo ano. Todos concordaram, vamos conversar com o conselho e ver como proceder.
Isolamento: “Nosso negócio depende muito do corpo a corpo, não fazemos produtos de prateleira. A Marcopolo é considerada a maior empresa do mundo de fabricação de carrocerias para ônibus, em volume de produção, em pessoas empregadas. Nosso segredo é produzir em escala um produto customizado. É uma característica muito particular do nosso negócio, ninguém consegue. Então é difícil dizer ‘agora vai todo mundo para casa e vamos vender por videoconferência’. Fizemos home office, chegamos a ter quase 500 pessoas em casa no auge da pandemia. Hoje há em torno de 150. Fiquei de 20 a 25 dias, depois comecei a fazer turno em casa, outro na empresa. Entre o final de julho e o início de agosto, eu e minha esposa tivemos covid-19. Tivemos de ficar 14 dias de molho. Foi um processo difícil. Não tive maiores complicações, mas foi desagradável, os sintomas não foram muito suaves. Não tive nada no pulmão, mas me sentia cansado, perdi paladar, olfato – que voltaram em três ou quatro dias -, senti dificuldade de raciocínio. Agora, estou imune por uns seis a oito meses, dizem os médicos.”
Leitura e lazer: “Tivemos de repensar e reinventar todo o negócio, o impacto foi forte. Nosso principal produto é ônibus rodoviário, e se fecharam fronteiras. Quase todos os clientes ficaram com 80% das frotas paradas. A demanda caiu muito. Precisamos criar algo que pudesse dar segurança aos passageiros. Em tempo recorde, apresentamos a plataforma BioSafe. Quatro meses depois, foi um sucesso, 85% dos produtos que estamos vendendo tem ao menos um item BioSafe. Conseguimos desenvolver algo que de fato fez diferença. Foi muito bacana ter esse reconhecimento do mercado de que fizemos algo interessante. Na quarentena, desenvolvi o hábito de ler tudo sobre como grandes líderes estavam mudando suas empresas e reagindo à covid. Percebi que velocidade era fundamental. Essa crise redefiniu o conceito de tempo: ano virou mês, mês virou semana e a semana, horas. Ações e projetos que levariam dois a três meses passaram a ter de ficar prontos em duas, três semanas. Lancei esse desafio para a minha turma. Reestruturamos a empresa com a missão de transformar paquiderme em leopardo. A Marcopolo sempre foi muito hierarquizada, as decisões demoravam muito. Hoje, trabalhamos de forma diferente. Chamo essa transformação de novo modelo de gestão da Marcopolo. Veio da leitura a principal contribuição da quarentena: dar o start nessa grande transformação que vai fazer diferença no futuro.”
Combate ao coronavírus: “Sempre tivemos grande preocupação com as pessoas na empresa, até por ser um trabalho muito artesanal. Para o trabalho ser bom, depende de as pessoas na ponta fazerem bem. Até março, prevíamos que 2020 seria o melhor ano da história da Marcopolo. Planejávamos contratar mil pessoas para atender aos pedidos. Do nada, veio a pandemia. Paramos toda a atividade , fomos a primeira empresa no Estado a tomar essa iniciativa. Conseguimos alongar a carteira de pedidos, começamos a trabalhar com as alavancas do governo (suspensão de contrato e redução de jornada e salário) . Temos cerca de 10 mil funcionários, cerca de 8,5 mil em Caxias.”
Aprendizado: “O principal foi perceber que estávamos muito dependentes de um único segmento. O ônibus rodoviário sempre sustentou a empresa. Tivemos de ser muito criativos para conseguir dar a volta. Nada teria sido possível se não fosse o espírito dos colaboradores de não pensar na sua área, mas no melhor para a empresa. Outro foi o acerto do lançamento da Marcopolo Next, braço de inovação da Marcopolo. Ajudou no processo de aceleração. Nada acontece por acaso. Algo nos dizia que era preciso acelerar a inovação. Acelerei, e caiu essa bomba atômica no nosso colo.”
Reflexões: “Quando a gente está em uma situação em que não sabe como vai ser o dia seguinte, com uma doença que ninguém conhece, pensa muito. Pensava ‘hoje estou bem, será que amanhã vou estar?’. Uma das reflexões mais importantes foi me dar conta de que a minha missão aqui, na Marcopolo e na Terra, é dar continuidade a esse legado, porque muitas vidas dependem disso. Fiquei pensando ‘estou aqui, sei lá como vai ser o dia de amanhã, se vou sobreviver ou não’. É estressante, pensava que um monte de gente dependia disso. Já fiz muitas coisas que queria fazer, dei a volta ao mundo em veleiro. Agora, meu legado é esse. Isso só me deu mais força ver quão importante é meu trabalho aqui (embarga a voz e comove a entrevistadora) .”