Em vitória de grandes empresas, Senado votará texto que reverte abertura do mercado rodoviário

Do Valor Econômico
Foto: Matheus Da Mata Santos/Ilustração/Ônibus Brasil

O Senado colocará em votação na próxima semana um projeto defendido por grandes empresas de ônibus e que reverte o processo de abertura no mercado de transporte rodoviário interestadual de passageiros no Brasil.

Um dos dispositivos da proposta, relatada pelo senador Acir Gurgacz (PDT-RO), suspende todas as autorizações concedidas após 30 de outubro de 2019, quando foi instituído o novo marco regulatório do transporte interestadual de passageiros. A família do senador é dona da Eucatur, empresa de transporte rodoviário. Consultada pelo Valor, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) afirmou que a medida cancelaria autorizações dadas a 129 pedidos de mercados, que correspondem a mais de 6.200 ligações entre cidades de diferentes Estados.

O governo é contra o projeto, mas aceitou sua inclusão na pauta de votações do Senado na semana que vem para conseguir que também seja apreciado o projeto que concede autonomia formal ao Banco Central.

Pela proposta, a outorga para novas linhas deixaria de ser por autorização e voltaria ao esquema de permissões – ou seja, que exige que o governo regule tarifas e serviços, além de garantir a viabilidade técnica da linha. Na autorização, há flexibilidade na oferta dos serviços, com itinerários e frequências livres.

Gurgacz e o autor original do projeto, o senador Marcos Rogério (DEM) – ambos de Rondônia – alegam que a abertura precarizou o serviço, com entrantes usando ônibus velhos e atuando apenas em percursos que consideram vantajosos financeiramente. “Precisamos garantir a disponibilidade do serviço por meio de contratos sólidos e duradouros (…). A ANTT, em plena pandemia, tem emitido autorizações sem qualquer critério técnico ou estudo de viabilidade operacional. Neste momento, em que o setor enfrenta uma redução de 70% no número de passageiros transportados, esse tipo de atitude, a nosso ver, levará o sistema de transporte interestadual e internacional de passageiros ao colapso”, afirmou.

O Ministério da Infraestrutura contesta os argumentos dos senadores. “Ao contrário do senso comum, que entende que a abertura do setor à concorrência implicaria na concentração da prestação do serviço nos mercados mais atrativos, os dados dos pedidos em análise na ANTT indicam o contrário. Com o atual marco regulatório, o deferimento dos processos em análise representa uma ampliação no total de municípios cobertos pelo serviço de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros de cerca de 22,10%, passando de 1.882 para praticamente 2.300 municípios atendidos”, disse. Uma ampliação da rede de atendimento para cerca de 416 novos municípios.

O ministério destaca ainda que essa potencial expansão centra-se em municípios com menos de 50 mil habitantes (cerca de 86% dos novos municípios a serem atendidos estão nessa faixa). “Quando se analisa a população, os dados demonstram um aumento potencial de usuários, passando dos atuais 149 milhões para 163 milhões. A manutenção do novo marco do setor permitirá que mais de 13,5 milhões de pessoas possam ter acesso ao sistema de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros, aumento superior a 9% de brasileiros”, aponta documento do ministério.

Sobre o uso de ônibus inadequados ao serviço, o Ministério diz que “alguns daqueles que contestam o atual regime afirmam que haveria, com o instituto da autorização, um ‘déficit fiscalizatório’ do Poder Público. Tal argumento, novamente, não prospera. Afinal, a regulação e fiscalização, à luz dos normativos existentes, continuará sendo realizada pela Agência Nacional de Transportes Terrestres”.

Gurgacz foi condenado em 2018 justamente por ter obtido, mediante fraude, financiamento junto ao Banco da Amazônia para renovar a frota de ônibus da Eucatur. De R$ 1,5 milhão liberado, o senador foi acusado de se apropriar de R$ 525 mil. Com o restante, comprou ônibus usados, diferentemente do objeto do empréstimo, que era a compra de ônibus novos, prestando contas com notas fiscais falsas. A empresa de transporte rodoviário, coletivo urbano, cargas e táxi aéreo foi fundada em 1964 pelo pai do senador e que está presente em 23 Estados, além de operar na Venezuela e Bolívia.

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