Como a suspensão na reposição de cobradores pode afetar o transporte público em Porto Alegre

Da Gaúcha ZH
Foto: Marco Favero / Agencia RBS

Pelos próximos 12 meses, as empresas de ônibus de Porto Alegre não precisam repor cobradores que deixarem seus cargos, seja por demissão, aposentadoria, falecimento ou qualquer outra razão. Esse é um dos itens que mais chamou a atenção no acordo homologado pela Justiça entre a prefeitura da Capital e as empresas de transporte público municipal há poucas semanas. Isso porque o item fortalece um cenário que se revelará ainda mais forte depois da pandemia: a necessidade de reduzir o quadro de trabalhadores.

Atualmente, pela legislação, sempre que um cobrador ou motorista deixa de trabalhar, ele deve ser reposto. Isso porque os ônibus da Capital não podem rodar sem os dois membros da tripulação, mesmo em dias de passe livre ou em linhas alimentadoras que não cobram tarifa. Com a pandemia, a demanda pelo transporte caiu. E, na visão de especialistas, mesmo quando a pandemia passar, o serviço não terá os mesmo patamares de antes. Outros meios de deslocamento, além do aumento do trabalho em home office e a educação à distância, vão deixar os bancos mais vazios nos coletivos. Assim, o número de ônibus necessário tende a reduzir e, por consequência, se reduz a necessidade de trabalhadores para os veículos.

Acordos

Mas, se as empresas terão que reduzir o quadro e elas já estão sob a regra de não precisar repor cobradores, por que não estão ocorrendo demissões nas empresas? Bem, quando a pandemia se acentuou e os trabalhadores começaram a ter seus vencimentos ameaçados, houve negociações entre funcionários, sindicato e empresas.

Nesses acordos coletivos, os trabalhadores aceitaram reduzir os salários ou ser incluídos nas medidas provisórias criadas pelo governo federal para manter empregos. Essas convenções garantem estabilidade para rodoviários municipais por até dois períodos. Parte fez acordos para estabilidade até dezembro e outra, até março, como explica o presidente dos Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Transporte de Porto Alegre (Stetpoa), Sandro Abbade.

— A nossa prioridade neste ano era garantir que os trabalhadores continuassem com seus empregos, ao menos, até o final do ano, mesmo tendo de enfrentar uma redução salarial — explica o sindicalista.

Como o acordo entre prefeitura e empresas foi assinado recentemente e a regra dos cobradores vale por um ano, ainda haverá uma janela de tempo em 2021 em que a estabilidade já terá terminado e os cobradores ainda não precisarão ser repostos — entre março e setembro. E é neste período que, para equilibrar o número de trabalhadores com a demanda nos carros, podem ocorrer cortes.

— Esse foi um acordo somente entre patrões e a prefeitura, não nos incluiu. Então, consideramos essa regra um ataque da prefeitura contra os trabalhadores. Acreditamos que existe uma intenção de fundo. É a insistência na retirada dos cobradores. Seguiremos trabalhando contra essa medida, mesmo no futuro — pontua o presidente do Stetpoa.

Ainda assim, Sandro reconhece que a demanda de passageiros será menor no pós-pandemia, entendendo, por consequência, a necessidade de redução dos quadros funcionais. Por isso, ele diz que o sindicato tem focado seus esforços atuais em auxiliar quem realmente quer deixar os postos de trabalho, principalmente, aqueles já aposentados que seguiam trabalhando até antes da pandemia. Quanto mais o quadro for reduzido de maneira natural, com a saída daqueles que já tem intenção de encerrar a carreira, menor serão os índices de demissão no futuro, aposta o representante dos rodoviários.

— O que vai acontecer depois de março do ano que vem não temos como mensurar. Pode ser pior, pode, mas o setor também pode se recuperar bem até lá. Trabalhamos para garantir o emprego ao menos até o início do próximo ano. Depois dali, vamos ver o que vai acontecer — diz Sandro.

Risco de demissões é pequeno, afirma ATP

Mesmo com a nova regra já em vigor, Antônio Augusto Lovatto, engenheiro da Associação dos Transportadores de Passageiros (ATP), que representa os consórcios que operam na Capital, acredita que o risco de demissões em massa é pequeno. Segundo ele, as negociações de estabilidade e o próprio acordo feito com a prefeitura garantem a operação do sistema no período mais crítico.

Lovatto endossa o ponto levantado pelo sindicato de que, até março do ano que vem, quando os acordos de manutenção dos empregos perderem a validade, muitos postos já terão sido desocupados naturalmente.

— Primeiro que, na situação atual, as empresas não têm nem dinheiro para arcar com custos demissionários em massa. Então, a chance de haver é pequena. Mas todo cenário depende da demanda que vai vir no próximo ano. Ela é que vai regular o quanto será necessário de ônibus rodando e de tripulação — pontua Antônio.

Só motorista

Sobre a possibilidade de operar sem cobradores, o engenheiro da ATP diz que é um dos caminhos que podem ser seguidos para tornar o sistema mais viável financeiramente. Segundo ele, linhas que atendem poucos usuários, ou em localidades muito distantes, poderiam ser substituídas por veículos menores e sem a presença do cobrador. Aliás, a possibilidade de novos modais para o sistema é um dos itens do acordo.

Entretanto, nem prefeitura nem empresas ainda têm detalhes de como isso será feito. Para Lovatto, existe a possibilidade de a cidade já ter linhas sem cobradores ao longo do próximo ano, mas essa é uma decisão que deve partir do órgão gestor, que é a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC).

— Existem estudos em algumas linhas. Temos que nos aprofundar e ver se existe espaço para implantar (a retirada dos cobradores). O acordo abre essa possibilidade e, no momento em que for permitido, a ideia é operar sem cobrador — pontua Lovatto.

O secretário extraordinário de Mobilidade Urbana de Porto Alegre, Rodrigo Tortoriello, é bem mais cauteloso ao tratar do tema. Segundo ele, a prefeitura ainda estuda possibilidades para agregar ao sistema novos meios de transporte em locais em que um ônibus nos padrões atuais não é mais necessário. Entretanto, não define prazos para que as ações comecem a ser implementadas. Conforme o secretário, não é o objetivo retirar cobradores, mas, sim, operar com menos custos e atender os mesmos usuários. E se, nesse panorama, a retirada de cobradores tiver de ocorrer, ela será discutida:

— Nossa premissa é como operar com menor custo e atender melhor. Se essa opção passar por um ônibus sem cobrador, vamos fazer. O nosso foco é num caminho com é a utilização de veículos menores que hoje não fazem parte do sistema, onde a demanda é menor, para viabilizar o atendimento e ser mais barato para a sociedade.

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