Do A Gazeta – ES
Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil – Ilustração/Arquivo/Fotos Públicas
O governo do Espírito Santo comprou mais de R$ 40 milhões em combustível para socorrer as empresas de ônibus que integram o Sistema Transcol durante a pandemia do novo coronavírus. As concessionárias alegam perdas acima de R$ 130 milhões por conta da queda no número de passageiros.
Os 11,2 milhões de litros de diesel foram adquiridos em dois contratos diferentes junto à BR Distribuidora e estão sendo utilizados desde maio deste ano. O contrato mais recente termina em novembro, mas pode ser prorrogado por mais 90 dias.
O valor das compras, feitas sem licitação e de forma emergencial por conta da pandemia, supera o gasto pelo governo com respiradores. Segundo dados do Painel Covid-19 do Estado, foram gastos R$ 34,3 milhões na compra de 565 desses equipamentos para aparelhar leitos de UTI destinados aos pacientes mais graves infectados com o novo coronavírus.
O governo justifica a despesa argumentando que determinou que a quantidade de ônibus circulando fosse mantida em proporção maior do que a demanda de passageiros. Por isso, decidiu adquirir o combustível, que representa cerca de 25% dos custos das concessionárias do serviço de transporte coletivo metropolitano.
Segundo as 11 empresas que compõem os consórcios Atlântico Sul e Sodoeste, entre 15 março e 30 de setembro, houve queda no faturamento equivalente a 65% da receita normal.
“A conta não fecha. Para se ter uma ideia, nesse período, a média geral de pessoas transportadas foi de 59% do total esperado (queda de 41%), enquanto o sistema manteve uma oferta de 90% do serviço. Ou seja, a oferta foi superior a 30% da demanda, mantendo uma discrepância entre o número de pessoas transportadas e a quilometragem percorrida”, afirmou em nota o GVBus, sindicato das empresas do Transcol. No fim do mês passado, com a volta às aulas, o governo determinou que o sistema rode com 100% da capacidade.
Ainda segundo as empresas, o fornecimento de combustível por parte do poder público evitou um colapso do serviço, o que levaria, inclusive, a demissões em massa dos trabalhadores do setor.
DIFICULDADE DAS EMPRESAS É ANTERIOR À PANDEMIA
Segundo dados da Companhia Estadual de Transportes Coletivos de Passageiros do Estado do Espírito Santo (Ceturb) referentes ao ano passado, o sistema Transcol já era deficitário mesmo antes da pandemia. Somados, os dois consórcios só fecharam no azul (receita maior que despesa) nos meses de fevereiro e outubro.
No balanço final dos doze meses, o déficit em 2019 foi de R$ 18.9 milhões.
O presidente-executivo da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), Otávio Cunha, afirma que esse desequilíbrio econômico anterior à crise do coronavírus já era uma tendência nacional.
“No último ano (2019), mais uma vez, voltou a cair a demanda. Ela continuou caindo por um conjunto de fatores: congestionamento no trânsito que causa baixa velocidade, o ônibus deixou de ser atrativo, muito buscaram o transporte ativo como bicicleta, muito compraram motocicletas, o transporte sobre demanda também contribuiu para a queda. Faltou investimento em infraestrutura para dar prioridade para o ônibus, para a viagem ser mais rápida”, avalia.
ASSOCIAÇÃO PREVÊ PARALISAÇÕES E QUEBRADEIRA ATÉ O FIM DO ANO
Com a chegada da pandemia e as medidas de isolamento e distanciamento social, houve o tombo. Só em maio, a queda da demanda fez o sistema fechar o mês com deficit de R$ 26,7 milhões. As perdas vêm diminuindo desde então e ficaram em cerca de R$ 17 milhões em agosto.
Otávio aponta que, mesmo com as ajudas que alguns Estados e municípios têm dados ao sistema, é possível que, até o fim do ano, muitas empresas quebrem e parem de atuar por completo. Até o agosto, a associação já registrou a interrupção de operação de 10 empresas e um consórcio no Brasil, esse último em Salvador, na Bahia.
“Certamente, em algum momento – e vai acontecer em períodos diferentes em cada lugar – nós vamos ter uma quebradeira geral no fim de ano. Mês que vem tem 13º salario, se o trabalhador não receber ele vai parar. Há uma expectativa muito negativa para recuperação. Penso que vamos levar uns dois anos para voltar ao normal”, avalia.
EMPRESAS FECHADAS NOS PRÓXIMOS ANOS
O economista e sócio da Almeida e Fleury, que presta consultoria no setor de concessões e PPPs, Fernando Fleury, aponta que mesmo aquelas empresas que aparentam estar atravessando esse período de crise podem acabar falindo nos anos seguintes.
“Aquelas que deixaram de pagar impostos, financiamentos, recolher obrigações trabalhistas, elas podem não decretar falência em 2020, mas podem acontecer nos anos seguintes. Essa não é crise que se encerra com o fim da pandemia. Só se encerra quando volta a uma situação de normalidade que está além do horizonte hoje”, avalia.
Fleury explica que, mesmo antes da pandemia, a maior parte das empresas de trasporte urbano no país ou tinha uma lucratividade mínima para cobrir os riscos do negócio ou não conseguia nem ser sustentável.
As companhias de maior rentabilidade são aquelas com grande economia de escala, com frotas maiores que 3 mil veículos.
A título de comparação, todo o sistema Transcol (11 empresas) conta com 1.430 veículos em operação.
ESTADO TEM QUE ARCAR COM PREJUÍZO
O especialista afirma que, no caso de locais onde o transporte público é prestado através de concessões, o ente público é obrigado a contribuir para o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro em caso de eventos excepcionais, como o que ocorreu com a pandemia.
Outra fonte de socorro, que viria através de repasses federais que somam R$ 4 bilhões, está parada no Congresso.
No fim de agosto, a Câmara dos deputados aprovou o projeto de lei que concederia o repasse a Estados e municípios para a manutenção do serviço de transporte público. Em contrapartida, governos e empresas teriam que assumir alguns compromissos como abertura das contas do sistema, contratação de auditoria independente e a manutenção dos empregos.
O texto seguiu para o Senado e até o momento ainda não entrou para a pauta de votações. Fleury afirma que o motivo é a dificuldade que muitos entes públicos terão para atender as condições impostas.
“Os mecanismos previstos no projeto de lei não se enquadram na forma como os contratos estão estabelecidos hoje. Corre risco de aprovar lei com um recurso que não vai se materializar em favor de vários Estados e municípios”, avalia.