Da Revista Época
Foto: Edvan Júnior/Ilustração
A insustentabilidade financeira e ambiental dos sistemas de transporte público foi catalisada pela Covid-19, e o debate hoje é urgente, pois as grandes cidades brasileiras correm o risco de entrar em colapso. A maior parte dos centros urbanos da América Latina tem nos ônibus seu principal meio de transporte coletivo e a discussão sobre a sustentabilidade dos sistemas por ônibus se tornou agenda emergencial, especialmente no nível subnacional, no qual se dá a implementação.
A forma de arrecadação baseada exclusivamente em receita tarifária é insuficiente e poucos munícipios subsidiam seus sistemas de transporte público. A queda do número de passageiros em virtude da pandemia reduziu a entrada de receita e, com isso, nossos sistemas estão à beira de colapso, o que acarretaria em uma provável migração para motocicletas, carros, vans, lotações.
No Brasil, os próximos prefeitos que se elegerem deverão assumir em 2021 essa agenda como prioritária e urgente. Historicamente, é no início de novas gestões que tarifas são reajustadas, entretanto, em meio a uma crise sanitária e econômica, aumentar o custo com transportes ampliará desigualdades sociais.
Segundo a última pesquisa de orçamentos familiares (POF) realizada pelo IBGE, as despesas com transportes já são maiores do que as despesas com alimentação, sendo assim, a questão que se impõe é: Como remodelar a mobilidade urbana e especialmente o transporte por ônibus? A resposta, já apontada por especialistas e pela Política Nacional de Mobilidade Urbana de 2012, é: priorizar modos ativos, transporte público e de carga em detrimento ao transporte individual.
Não é necessário só um socorro financeiro, é preciso olhar para o modelo de transporte urbano no Brasil e enxergar a oportunidade de mudar o sistema. Ou seja, é urgente o investimento em infraestrutura, campanhas de educação e conscientização incentivando a mobilidade ativa (a pé e por bicicleta).
Assim como a aplicação de instrumentos de regulação que desincentivem o uso extensivo de carros, especialmente em áreas centrais, como: cobrança por estacionamento, taxa de congestionamento e regulação de transportes por aplicativos. Os recursos apurados com essas medidas devem ser revertidos diretamente aos modos ativos e transporte público.
Por exemplo, a cidade de Fortaleza reverte parte dos recursos arrecadados com estacionamento em via pública para mobilidade ativa; Porto Alegre propôs recentemente uma taxa de congestionamento com vistas a subsidiar o custo do transporte por ônibus.
Além disso, os municípios têm a capacidade técnica e financeira de adotar medidas que priorizem o transporte por ônibus, distribuindo de forma mais igualitária o espaço público através da implantação de faixas exclusivas e corredores que comprovadamente aumentam a capacidade operacional desses sistemas. Vale lembrar que um ônibus transporta ao menos 60 pessoas, e estudos recentes da CET-SP demonstram que a taxa média de ocupação de um carro é de 1,4 passageiros.
Mas isso não é suficiente para dar sustentabilidade aos sistemas de transporte público. É preciso inovar em modelos de negócio, abrindo mercado permitindo que novas empresas e tecnologias ingressem no sistema.
A separação da propriedade dos veículos e da operação é um dos importantes passos para renovação desses sistemas que tem a possibilidade de se qualificar por meio de tecnologias zero emissões, contribuindo para um serviço de melhor qualidade e cidades com menos poluição do ar.
Prefeitos precisaram encarar essa agenda em suas próximas gestões sob risco de caso não o façam tenhamos um colapso dos sistemas por ônibus prejudicando ainda mais a parcela da população que menos acesso tem a oportunidades.
Marcel Martin – Coordenador Portfólio de Transportes do iCS – Instituto Clima e Sociedade