Socorro federal para empresas de ônibus força licitações municipais

Do Valor Econômico
Foto: Júnior Mendes/Ilustração

A equipe econômica quer que todos os contratos sejam alvo de licitação pública, no máximo até 2035, e pretende eliminar barreiras concorrenciais para a entrada de novos operadores em um sistema marcado por escândalos de corrupção em diversos Estados

Um projeto de lei com o socorro federal teve requerimento de urgência aprovado pela Câmara dos Deputados, na quarta-feira, e deve ser votado em plenário na próxima semana. O Ministério da Economia elogia a abertura para o diálogo do relator, Hildo Rocha (MDB-MA), mas ainda pede ajustes no texto para liberar recursos.

No auge do isolamento social, a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) calcula que houve queda de 80% dos passageiros embarcados em ônibus diariamente. Só que, devido à necessidade de reduzir aglomerações, a frota circulando diminuiu 25%. Esse desequilíbrio teria causado perdas de R$ 3,72 bilhões até o fim de junho. A previsão das viações de ônibus é de rombo superior a R$ 8 bilhões no acumulado do ano.

O secretário de Desenvolvimento da Infraestrutura, Diogo Mac Cord, disse ao Valor que a equipe econômica aceita o socorro, mas enfatiza a necessidade de contrapartidas para uma “transformação” do setor e lista três pilares.

O primeiro é a reversibilidade dos bens – os veículos que compõem a frota – para os municípios. Hoje as operadoras são donas dos ônibus e das garagens, frequentemente, por meio de empresas coligadas. Isso criaria, segundo Mac Cord, uma barreira novos entrantes em futuras licitações. A empresa vencedora de uma concorrência pública dispõe de pouco tempo para mobilizar equipamentos e garagens.

O PL 3.364 prevê que a alocação prioritária dos recursos federais transferidos aos municípios seja para compra de veículos com, no máximo, cinco anos de uso. A ideia é que as prefeituras adquiram os equipamentos das operadoras que precisam de socorro. Elas passam a ser donas da frota. À medida que forem envelhecendo, os ônibus terão que ser renovados, mas pelas próprias operadoras. O ponto essencial é que eles serão bens “reversíveis” às prefeituras no fim dos contratos. Se um novo prestador de serviço assumir, teria condições de operar esses ativos de imediato.

O segundo “pilar de transformação” exigido pela Economia é a obrigatoriedade de licitar os serviços, nos municípios onde isso não ocorreu, em prazo de até 18 meses a partir da entrada em vigência da lei. Prorrogações dos contratos atuais serão proibidas.

No caso de contratos em andamento e que já foram objeto de licitação, eles poderão durar no máximo 15 anos. Nas contas do ministério, isso significa a realização de cerca de 300 licitações para serviços de ônibus até 2035.

Conforme explica Mac Cord, o terceiro pilar seria um “choque de governança e tecnologia” no sistema: exigência de auditoria independente em balanços a partir de 2021, níveis mínimos de qualidade que podem levar à caducidade dos contratos em caso de descumprimento, incentivos à adoção de bilhetagem eletrônica.

Se isso acontecer, com a ajuda de mecanismos como QR code ou até mesmo reconhecimento facial, pode-se prescindir de cobradores nos ônibus – um tema sempre polêmico, pelo temor de perda de empregos, mas que é visto como discussão necessária.

Essas contrapartidas seriam incluídas obrigatoriamente em “termos de adesão”, segundo a lei, entre a União e os entes federados. Estes se comprometem, para receber o dinheiro, a colocar em prática essas mudanças.

Nem todos os serviços de ônibus urbanos ou semiurbanos têm titularidade municipal. Em algumas localidades, eles são de gestão estadual porque abrangem as operações em mais de uma cidade. É o caso, por exemplo, do sistema que roda em Recife e Olinda – sob administração do governo de Pernambuco.

O texto do projeto prevê que 60% dos recursos totais – de R$ 4 bilhões – sejam destinados aos municípios. Os Estados e o Distrito Federal receberiam, de acordo com o tamanho de sua população em regiões metropolitanas, os 40% restantes do orçamento.

Para o secretário Mac Cord, que havia se dedicado nos últimos meses ao novo marco legal do saneamento básico, trata-se de uma oportunidade de modernização de um dos setores mais atrasados da infraestrutura urbana. “Não faz sentido que as pessoas se sintam desconfortáveis, inseguras, incomodadas para trocar o carro pelo transporte coletivo. Esse assunto estava na nossa agenda de 2021, mas podemos conciliar a necessidade de apoio com uma transformação.”

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