UNIBUS Entrevista – “Há entendimento nacional de que a retomada de 100% talvez não aconteça”

Por UNIBUS RN
Fotos: Divulgação/FETRONOR/Arquivo

Quem é? Eudo Laranjeiras Costa, presidente da Federação das Empresas de Transporte de Passageiros do Nordeste – FETRONOR e do Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros do Rio Grande do Norte (Setrans-RN).

SETRANS-RN é o sindicato patronal que reúne as empresas transporte de passageiros por ônibus intermunicipais do Rio Grande do Norte, fundado na década de 1970, e atualmente reúne as empresas Trampolim da Vitória, Transportes Guanabara, Litorânea, Campos, Expresso Cabral, Riograndense, Empresa Alves, Jardinense, Nordeste e Cidade do Sol (Mossoró).

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UNIBUS RN: Passado um mês do retorno, como está sendo a demanda no setor intermunicipal?

Eudo Laranjeiras: Na área metropolitana, a gente já consegue chegar aos 40%, 45% de demanda em média, mas no interior, nas viagens mais longas, a demanda ainda está muito baixa. Estamos rodando em média com índices de 30% a 35% e tem lugares que tá menos de 30%. Isso tem os aspectos de que as pessoas ainda não estão totalmente na rua. A abertura não foi total, há atividades que ainda não estão funcionando, e há também os receios que as pessoas têm da contaminação. Acredito que isso tem contribuído para que a retomada tenha sido bem mais lenta na nossa área. Mas essa é a linha de raciocínio: como na área metropolitana as pessoas têm mais atividades, há aumento da demanda. Essa semana, por exemplo, tivemos o retorno dos shoppings, que vão dar um reflexo na demanda da próxima semana, mas o mês termina com a área metropolitana na média de seus 40%.

UNIBUS: Já há previsão de quando haverá um aumento mais significativo nesta demanda?

Eudo: É uma incógnita, uma incerteza desse novo normal. Imaginamos que vamos perder deste ano até o próximo ano boa parte da demanda, em média de 20% a menos. E há entendimento nacional de que a retomada de 100% talvez não aconteça, em função de alguns aspectos: home office e novas formas de transportes que as pessoas optaram. Também foram divulgadas algumas afirmações que não são corretas de que o transporte público, tanto de ônibus e metrô, pode contaminar. Isso não procede, se houver o cuidado da operação dos ônibus com as janelas abertas, com a lotação com todo mundo sentado e no máximo 20 pessoas em pé. Existem vários lugares onde o ônibus foi liberado sem problema. Mas tudo isso gera receio da população, e o tempo é que vai dizer.

UNIBUS: Mas para que o ônibus consiga transportar menos pessoas, são necessários mais veículos. Automaticamente isso vai para a questão do custo, recaindo para a tarifa. Há discussões em relação a isso com os governos? Você tem conhecimento se alguma ação vai ser posta em prática?

Eudo: Eu posso citar aqui que, fora a redução dos 50% do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) do óleo diesel das empresas de ônibus do Estado – e que o reflexo é pequeno, pois se a gente está rodando com metade da frota, a redução de 50% é na prática uma redução de 25% do valor anterior –, não houve qualquer tipo de ajuda. Pelo contrário: Nós pedimos de ajuda aos governos municipal, estadual, e federal, mas o transporte público ficou muito por fora de todo esse radar. O que ocorre é o seguinte: o Governo Federal reconhece que nós somos um dos setores mais afetados, mas que não pode agir diretamente porque os serviços são do estado e do município, então fica difícil ele repassar dinheiro direto para as empresas. Existe, desde os últimos 15 dias, uma tentativa de uma solução, com uma ajuda de R$ 4 bilhões para as empresas todo Brasil, o que daria um desafogo momentâneo, mas isso tem tido muita discussão, muita política no meio, e isso é ruim porque as coisas ficam mais demoradas e bem mais complicadas.

O que ocorre, especificamente, é que esse modelo de colocar mais ônibus para transportar menos gente vai aumentar a tarifa… Esse modelo não vive! A gente não pode transmitir para o usuário todo custo de um serviço que não é barato. Se fosse barato, se fosse fácil de fazer, o governo não repassava para a iniciativa privada. E é preciso explicar que existem duas tarifas: tem a tarifa que é para o usuário pagar, que ele não deve pagar os 100% dos custos. E tem a tarifa dos custos – nessa, as empresas que estão operando no sistema de concessão/permissão, têm um custo, e esse custo tem que ser pago por alguém. Então, dentro dessa linha de raciocínio, o modelo está falido, e é assim no Brasil inteiro.

UNIBUS: Qual seria a solução, então?

Eudo: No projeto de lei que está para aprovar os R$ 4 bi, diz no corpo dele os argumentos de que não tem como se manter o custo para o usuário. Por outro lado, você vê que não existe por parte dos governos uma intenção… Não sei! (parece que) transporte não rende voto… Nós transportamos eleitores, mas a gente não consegue transmitir isso aos políticos. Não temos corredores especiais, mas temos dificuldades no financiamento do serviço… E não se trata de estar dando dinheiro para o empresário, mas de investir dinheiro para o serviço. Se o governo disser: ‘eu quero 100% da frota agora’, então que ele pague a diferença do usuário, ou até mesmo coloque tarifa zero e pague… Agora não pode exigir que se coloque 100% (da frota) com a gente nessa faixa de demanda de 40%. Esse modelo está errado. E é no Brasil todo, com algumas raras exceções, como São Paulo que já existe o subsídio, que é orçamentário, ou no modelo do trem (da Grande Natal), onde a tarifa não paga nem 10% dos custos. Isso é um modelo que poderia vir para o ônibus também.

Além disso, a falta de prioridade, de faixa exclusiva… Tudo isso faz parte do custo tarifário. Os congestionamentos são responsáveis por 17% da tarifa, pois o ônibus fica parado, e é gasto. O modelo está falido: ou muda, ou o sistema de transporte por ônibus vai entrar em colapso total. Isso foi o que a pandemia escancarou, e acho que começou a preocupar os gestores.

UNIBUS: Os políticos estão mais alertas para isso, então?

Eudo: O passageiro não pode pagar toda a conta… Veja essas gratuidades todas! Se fosse retirado à gratuidade de 50% do estudante, a tarifa já diminuiria uns 40%. E ai você pode dizer: ‘Mas Eudo, você quer tirar um benefício que já existe?’, não, em hipótese alguma. Não sou contra estudantes, não sou contra idosos, deficientes… Mas acho que quem usa o ônibus não pode pagar pelo outro. Hoje a pessoa que menos tem condições financeiras, está subsidiando, por exemplo, um aluno que estuda no Salesiano, que paga uma mensalidade de R$ 1.000, mas tem a carteira de estudante e paga metade no ônibus, subsidiado por pessoas que não podem pagar.

UNIBUS: É injusto…

Eudo: O modelo está errado. E a pandemia botou isso muito claro, escancarou isso. Eu não acho que existe lado bom da pandemia, dado a quantidade de pessoas que morreram, mas ela vai mudar a forma de pensar das pessoas, e é uma grande vantagem para o transporte público do futuro. Operar o sistema de transportes não é fácil, e não é barato atender a população como se deve, com melhor quantidade de ônibus, com menos pessoas dentro dos ônibus, porque a tarifa a gente calcula através do custo dividido por quantas pessoas andam, então quanto mais gente andar, menor é a tarifa. Mas acredito que essa pandemia vai modificar um pouco a realidade. Ela já escancarou tanto o problema que ele vai ser mais visto, e, espero, resolvido.

UNIBUS: E qual a avaliação sobre a retomada da economia no Estado? A FETRONOR e o SETRANS estão vendo com bons olhos apesar da demanda ainda não ter reagido?

Eudo: Acho que com todos os percalços, com todas as idas e vindas, as discussões que foram grandes, o modelo foi quase perfeito. Poderia ter tido algumas mudanças. Mas, acho que funcionou, tanto que tanto a gente tá ai com bastante atividades. Espero que as aglomerações parem, e que a gente tenha consciência do uso da máscara, de tudo que a gente precisa para que não tenhamos a volta da gravidade. O comércio tá muito preocupado, trabalhando muito… Tudo isso é uma adaptação. Ninguém sabe de nada, tudo é novo para todo mundo, e esperando que dê certo.

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