Do O Estado de SP
Foto: Nuclimeditorial/Visual hunt – Ilustração
Presente no Brasil desde o final de 2015, a startup de caronas intermunicipais BlaBlaCar estava em franco crescimento antes do coronavírus chegar ao País. Com 7 milhões de brasileiros oferecendo e pegando caronas entre cidades, a companhia viu o movimento cair 50% a partir da segunda quinzena de março – um corte brusco, mas muito acima da média do setor de transportes. Desde então, porém, a empresa já ofereceu 1 milhão de viagens no País e diz conquistar 30 mil novos usuários por semana.
“Houve uma queda brusca de viagens para estudo e turismo, mas conseguimos prover transporte para quem precisava, porque havia demanda”, diz Ricardo Leite, que comanda a empresa por aqui desde sua chegada.
Na visão do executivo, o futuro traz oportunidades boas para sua empresa, mesmo com a redução de deslocamentos para estudos e trabalho – algo que, mesmo ainda distante, parece já um legado do período de quarentena para a sociedade. Segundo ele, a carona ainda é algo muito pequeno no País. E além disso, as crises sanitária e econômica vão fazer viagens de carro, mais curtas, ganhar força após a pandemia. A seguir, os principais trechos da entrevista.
A quarentena no Brasil está completando quatro meses. Qual é o balanço geral da BlaBlaCar nesse período?
É difícil olhar o lado positivo desse período, porque não há como minimizar a dor das pessoas e a ansiedade geral. Mas olhando o copo meio cheio, a BlaBlaCar teve uma queda nas atividades menores que a do setor de transporte. Aeroportos e linhas aéreas estão com 15% da atividade. Os ônibus intermunicipais também estão nessa faixa. E nós caímos por volta de 50% em volume de viagens na segunda quinzena de março e estacionamos nessa faixa. De lá para cá, foram 1 milhão de viagens no Brasil. Ganhamos 30 mil usuários por semana, mesmo na crise. Houve, claro, uma queda brusca de viagens para estudo e para turismo. A grande maioria das viagens foi mesmo para quem buscava ver amigos e familiares nesse período.
Qual é a explicação para a queda menor o que o resto do setor?
Antes da pandemia, nós estávamos crescendo bastante, dobrando o número de passageiros no ano contra ano. Hoje, temos 7 milhões de usuários cadastrados no Brasil. E há uma demanda por transporte represada no Brasil, por diversos aspectos. Nosso modelo tem uma vantagem que é a seguinte: o condutor não oferece a viagem para ganhar dinheiro, mas sim porque ele precisa viajar. Ele oferece a carona de qualquer jeito, se for viajar – e durante a quarentena, muita gente continuou viajando porque precisava. Logo, havia oferta de viagens.
Viajar em um carro com outras pessoas também parece mais seguro que em um ônibus que sai de uma rodoviária. O aspecto de segurança não entrou em conta?
Como pessoa responsável, não posso dizer objetivamente se um ambiente é mais ou menos seguro. O que acontece é que, na BlaBlaCar, motoristas e passageiros têm um controle grande sobre quem viaja com eles. E agora estamos vendo um movimento de “volta para o carro” – um número grande de jovens, entre 18 e 24 anos, que começaram a planejar a comprar um carro, porque é um ambiente “controlado” durante a pandemia. O que a carona e a BlaBlaCar permitem? Que você consiga dividir o custo de compra e uso desse carro com outras pessoas.
Para usar um eufemismo, o Brasil teve uma quarentena bem flexível, diferentemente de outros países onde a BlaBlaCar está. Isso afetou o negócio?
Sim. Brasil e Ucrânia, que foram dois países onde não houve uma quarentena rígida, acabaram tendo um volume maior de caronas dentro da nossa atuação global. Por outro lado, conseguimos prover casos de viagens para quem realmente precisou – para cuidar de um familiar, seja porque a pessoa ficou doente ou para dar assistência no isolamento social, fazendo compras, por exemplo.
Antes da pandemia, a BlaBlaCar tinha anunciado um projeto para vender passagens de ônibus. Como está esse programa?
Estamos operando em modo de testes. A ideia é simples: o gargalo do nosso crescimento é a quantidade de caronas oferecidas. As empresas de ônibus, por outro lado, tem a demanda de passageiros como gargalo. Nós temos essa demanda de forma latente e podemos transferi-la. A crise da pandemia acaba acelerando ainda mais a necessidade dessas empresas de se digitalizarem, de acharem novos parceiros. Nossa tese é de que esse período vai acelerar a transição do mundo offline para o online – e esse projeto do ônibus vai nessa linha, ajudando nessa transformação. O usuário vai poder abrir o aplicativo da BlaBlaCar e ver, lado a lado, as caronas e as viagens de ônibus disponíveis em uma determinada rota. Estamos deixando de ser só um app de carona, na verdade. Queremos ser um aplicativo multimodal, com opções de transporte terrestre para passageiros em viagens de longa distância.
Ainda é difícil falar sobre o futuro, mas muito-se fala no potencial de empregos e ensino à distância como ‘novo normal’. Isso vai diminuir a quantidade de deslocamentos. Como o sr. vê o futuro do seu negócio?
É quase inevitável que algumas viagens deixem de acontecer. Por outro lado, não estamos preocupados, porque esse mercado tem um potencial enorme. Hoje, são 7 milhões de pessoas no Brasil. É muito pouco perto do que pode ser no futuro. Por mais que o perfil de viagens mude, ainda vamos continuar crescendo. E acredito que haverá novas demandas de viagens no futuro. Existe um movimento de migração de viagens mais longas e caras, internacionais, para períodos mais curtos. As viagens de carro e as caronas vão aparecer nisso e ganhar força após a pandemia. Além da crise sanitária, há uma crise econômica – é um fator infeliz, mas ela é um incentivo maior para um motorista preencher um assento vazio. O nosso maior competidor no Brasil é o assento vazio. E ainda tem muito vazio para se preencher aqui pela primeira vez nos próximos anos – a carona não é só uma prática, ela também é uma maneira das pessoas saírem de sua zona de conforto, de conhecer outras pessoas, ela tem um efeito social enorme. Além disso, acreditamos no efeito de comunidade. Durante a pandemia, lançamos um serviço novo, que é o BlaBlaHelp: é um app que ajuda pessoas no grupo de risco a encontrarem ajuda, como quem possa fazer compras por elas. A vantagem do app é que ele já nasce com a rede de pessoas do nosso serviço. Outra coisa que acreditamos bastante é na micromobilidade: por conta do distanciamento social, ela pode ter um novo fôlego e ser uma forma sustentável de transporte. Na França, já começamos uma parceria com uma startup sueca e lançamos um serviço de patinetes, o BlaBlaRide. Aqui no Brasil, porém, ainda temos muito o que fazer antes de lançar isso.