Do Agora RN
Foto: Divulgação/FETRONOR
O presidente da Federação das Empresas de Transporte de Passageiros do Nordeste (Fetronor), Eudo Laranjeitas, defende uma mudança no modelo de gestão do transporte público em Natal. Segundo ele, o fato de o usuário pagar toda a tarifa (incluindo os benefícios) é injusto. Confira o que ele disse em entrevista ao Agora RN:
AGORA RN – O setor de transportes, que já vivia defasagens tarifárias, passou a viver momentos difíceis, inclusive com paralisação de trabalhadores. Como conciliar esses problemas em um momento de pandemia como o atual?
EUDO LARANJEIRAS – O setor de transportes já vem com defasagens tarifárias há muitos anos. O que a gente precisa entender é que esse modelo em que o passageiro paga todo o sistema – paga a gratuidade, paga a remuneração da empresa, paga todos os custos inerentes a atividade – é injusto. Na hora de dar a tarifa, ao invés da tarefa correta, o gestor dá a tarifa política. Razão pela qual o sistema já vem defasado.
AGORA – Como estão as empresas neste momento de pandemia e de paralisação dos trabalhadores do sistema?
EL – Vivemos um tempo em que realmente os problemas crônicos se agravam. Um exemplo disso foi a manifestação dos trabalhadores do sistema. Ou as empresas pagavam o óleo diesel ou pagavam o salário dos motoristas. Ou não conseguiriam rodar. São dois insumos essenciais à atividade sem os quais não se funciona. Optamos então em não pagar os benefícios dos trabalhadores. Até porque a convenção coletiva havia encerrado e existe um entendimento do que não é devido. O que agravou o problema é rodar neste momento com 60% da frota e uma receita que não chega a 30%. E, como qualquer leigo pode deduzir, é impossível operar qualquer coisa com menos da metade da receita.
AGORA – O senhor considera as gratuidades injustas para com o usuário pobre?
EL – Não estou entrando no mérito de que é justo ou injusto. Mas que as gratuidades drenam recursos do sistema, drenam. Estamos falando aqui de milhares de pessoas de baixa renda que pagam o valor da passagem todos os dias para trabalhar, ganhar o pão. E você subsidiar gratuidades do bolso de quem paga o transporte com sacrifício é, definitivamente, um modelo que precisa mudar. Fazer o que já acontece no primeiro mundo, onde o sistema é pago por quilômetro rodado. Nesse cálculo, a empresa tem que cumprir tantos quilômetros por dia e o que ela rodou é ressarcido pela prefeitura tendo em vista o Km rodado. Ou a empresa receberia antes, e a diferença a empresa devolveria ao município. Como 70% dos recursos são oriundos das pessoas que pagam, é justo que essas pessoas sejam prioridade. Não é questão ideológica. É como funciona no primeiro mundo.
AGORA – O senhor saberia dizer o tamanho do prejuízo das empresas nesse momento com a retração da demanda?
EL – O sistema como um todo no Estado deve ter um prejuízo operacional de R$ 25 milhões. Não é um cálculo exato, mas aproximado. Hoje, por conta da pandemia, as empresas estão acumulando um passivo maior por tributos que não estão conseguindo pagar, mas que vão resolver assim que a crise sanitária passar. Se você adicionar essa conta, o prejuízo vai para uns R$ 35 milhões ou R$ 40 milhões. Isso é resultado em parte do isolamento social imposto pela pandemia. Com trabalhamos em nome do governo, num serviço de utilidade social, acho que deveríamos ter um tratamento condizente com essa condição.
AGORA – Que tratamento especial seria esse?
EL – Acho que deveríamos ser subsidiados de alguma forma, a exemplo do que o governo fará com as companhias aéreas. O próprio governo federal reconhece a importância do sistema de transporte público e que está entre os cinco maiores setores que sofreram com essa pandemia. O problema é que se reconhece, mas ninguém faz nada. Um dinheiro que veio para as administrações estaduais e municipais teoricamente parte dele deveria socorrer o setor de transportes, como chegou a afirmar o ministro da Economia, Paulo Guedes. Não aconteceu. A alegação de prefeitos e governadores é que esses recursos não pagam nem a folha. Então ficou difícil. Não sobrou nada para as empresas de transporte para manter um sistema que é, em última análise, de responsabilidade do governo. E nós somos apenas operadores.
AGORA – Como é possível conter as aglomerações com a frota de ônibus reduzida?
EL – Acho que não há a necessidade de todo o comércio da cidade abrir no mesmo horário. Outras cidades estão abrindo seus comércios em horários diferentes. Se o governo fala tanto no achatamento da curva de contágios, é preciso falar também em achatamento da demanda por serviços. Ou seja, a gente precisa alongar essa demanda para evitar aglomerações dentro dos veículos. E por uma razão óbvia: se os ônibus estão circulando com suas frotas reduzidas, é claro que haverá aglomerações nas paradas de ônibus. Esse escalonamento entre comércio e logística de transporte é fundamental.
AGORA – A que o senhor atribui a novela intitulada licitação do transporte público em Natal?
EL – Essa pergunta é interessante. É muito fácil de entender porque (a licitação) só dá deserta. Vou dar um exemplo simples: você tem um carro usado e decide vendê-lo. Você vai lavá-lo, dá um polimento na lataria, dá uma guaribada para ele ficar mais bonitinho e ficar mais fácil de acontecer? O que acontece com as licitações de transporte no País e, principalmente, esta de Natal que demora tanto tempo? Não existe um efetivo estudo de uma rede para Natal.
AGORA – Como assim?
EL – Uma rede de linhas sem tantas superposições, uma rede que indique o que é necessário para se ter um transporte mais eficiente e mais barato. Não existe nenhum planejamento de corredores exclusivos que possa ser efetivamente implementado, já que tudo isso reduz o custo da tarifa. Só os congestionamentos provocam mais de 10% sobre o custo do sistema de transportes do Brasil. Veja, um ônibus que dava antigamente 10 viagens por dia, hoje só consegue dar seis. Para se manter a mesma quantidade de viagens, a saída é colocar mais ônibus nas ruas. E mais ônibus nas ruas é igual a mais congestionamentos. Tendo uma boa rede, um bom sistema de transporte implementado, com sistemas de paradas e integrações, haverá quem queira participar da licitação. Mas esta licitação que está ai empacada, dificilmente empresas quererão participar.
AGORA – Por quê?
EL – Exatamente pelo que eu acabei de dizer. Trata-se de um sistema caro por excelência, custeado integralmente pelo passageiro, irracional e disfuncional. Sem falar que é normal no Brasil hoje uma licitação acenar com 1 milhão de passageiros e só entregar 600 mil. Assim fica difícil, já que o ônus da licitação, que era do município, passa a ser do empresário, que acaba virando o vilão, o bode expiatório do problema.
AGORA – Como o senhor enxerga o novo normal para o setor de transporte?
EL – Vai depender de muita coisa. De uma vacina, principalmente. Mas, desde já, eu vejo no horizonte das empresas algo ao redor de 70% de que elas faturavam antes e com todos os problemas aqui já mencionados, 89% no máximo. Todos têm que entender – comércio indústria, serviços – que o novo normal será profundamente diferente. E as pessoas que precisem de ônibus deverão ter das prefeituras uma gestão bastante inteligente e que as empresas compreendam e colaborem com esse esforço.