Por Diário do Nordeste
Foto: David Candéa (Ônibus Brasil)
O fluxo de passageiros cearenses entre as cidades do Estado perdeu força no momento em que o novo coronavírus chegou como um risco à saúde presente no ar. Entre março e maio deste ano, pelo menos 466.530 passageiros deixaram de embarcar em ônibus intermunicipais e interestaduais, em comparação a igual período do ano passado, saindo da Capital. Em 2019, foram 661 mil usuários, enquanto durante a pandemia esse total caiu para 194.470, o que representa uma queda de 70,6%. Os dados foram repassados pela Socicam, empresa administradora da Rodoviária de Fortaleza.
Como forma de evitar a propagação do novo coronavírus no Estado, no dia 23 de março foram interrompidas as viagens intermunicipais na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) e no interior cearense. Essa medida foi anunciada no primeiro decreto estadual, divulgado no dia 19 de março, e foi flexibilizada no plano de retomada da economia do Governo do Estado. Assim, desde o dia 1° de junho, as linhas que ligam a Capital aos 18 municípios da RMF iniciaram o retorno gradual às atividades.
“Teve um momento que o movimento chegou a zerar quando foi decretado lockdown em outras cidades, então foi melhor parar. Na crise da pandemia foi parado 100% porque o decreto abrange o transporte intermunicipal, mas o interestadual foi afetado também”, analisa Newton Fialho, gerente da Socicam.
Ele conta que foi definido um plano de segurança biológica. Dessa forma, há uma logística para desinfecção de ambientes, divulgação de informativos sobre a doença e disposição de totens com álcool em gel. Os funcionários também devem oferecer orientações e exigir o uso de máscaras para a entrada na Rodoviária da Capital.
Os veículos também passam por um processo de maior rigor na desinfecção e são feitas adaptações, como explica Fialho. “Os aparelhos de ar condicionado estão com ciclo 10 vezes mais rápidos do que o comum e isso garante a segurança biológica. Além da distância, como as vendas estão sendo limitadas a 50% do total, tem intervalo entre uma poltrona e outra”.
Quem voltou à rotina, já nessa fase inicial, foi a consultora de vendas Cleíza Saturnino, de 42 anos, que mora em Maranguape e depende dos ônibus para chegar ao trabalho em um shopping de Fortaleza. “Nesse momento no qual todo mundo está se adaptando à situação, estão sendo divulgados nas redes sociais os horários dos ônibus. Aí, eu já sei quando ir para a parada”.
No início, houve algumas divergências de horários e maior número de passageiros, mas a situação foi normalizada, como Cleíza Saturnino observa. “Todo mundo está tentando fazer a sua parte. Aos poucos, a gente vai voltando à normalidade e se conscientizando do novo até porque a gente precisa trabalhar”, reflete.
Durante a interrupção do serviço, a consultora de vendas precisou assinar documentos em Fortaleza e fez o trajeto por meio de aplicativos de transporte. Agora, com a volta da circulação dos ônibus, os cuidados com uso de álcool em gel e de máscaras fazem parte do trajeto e dão maior segurança às viagens.
Impactos: Tereza Gurgel, de 43 anos, trabalha em uma biblioteca de Quixadá, no Sertão Central, onde fica durante a semana. Já na sexta-feira à tarde, ela se prepara para voltar à Capital e permanecer na casa em que vivem os pais, o marido e os dois filhos. Já os domingos são de retorno ao local de trabalho, mas desde março essa realidade mudou. “Eu vim para Fortaleza na expectativa que fosse uma coisa rápida, a gente não imaginava que ia demorar tanto, mas foi quando as coisas pioraram e a rodoviária teve de fechar”, lembra.
Desde que passou a trabalhar no Município, a funcionária pública aluga um apartamento para evitar as viagens de 3 horas todos os dias. “Eu tô mais despreocupada porque têm outras pessoas lá. Onde eu moro é um condomínio de família, a dona acompanha a movimentação, sabe quem está lá e quem viaja”, explica.
Ainda assim, a falta de acesso ao apartamento gera certa preocupação. “Eu tô há dois meses aqui (em Fortaleza) e minha geladeira está lá ligada, tem wi-fi também, mas questões de emprego estão certas. Fica só um pouco a saudade de Quixadá”, relata. Os pagamentos de água e energia elétrica, bem como aluguel, são feitos pela internet.
De forma remota, Tereza também consegue cumprir com as demandas do trabalho durante a interrupção do serviço presencial. O retorno às atividades regulares, no entanto, desperta o receio da contaminação. “Por mais que esteja em isolamento social, na hora que eu tiver de ir pra Quixadá, entrar no ônibus com ar condicionado em que nem todo mundo se cuida, eu fico pensando como vai ser”, destaca.
Algumas estratégias, como diminuir a frequência das viagens, carregam o peso da distância dos filhos e do suporte dos parentes. “Outra coisa que eu me preocupo é se eu me contaminar quem vou ter para os cuidados e acompanhamento, junto da família é mais tranquilo”, acrescenta.
Foram definidas normas no Protocolo de Reabertura do Transporte Coletivo Público e Privado, elaborado pelo Governo do Estado, para evitar a propagação da doença. Entre as regras, precisa ser disponibilizado álcool em gel 70% aos passageiros e Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) a todos os funcionários. Além disso, os veículos devem ser desinfectados, no mínimo, três vezes ao dia: uma à noite, outra após o pico da manhã e outra antes do momento de maior demanda da tarde. Os ambientes devem ser ventilados, com janelas abertas, e as áreas comuns precisam passar por limpeza durante o dia.
Acesso ao interior: Os riscos de contágio pela Covid-19 continuam como forte preocupação enquanto não houver vacina, como reflete o secretário executivo de Planejamento e Orçamento da Secretaria de Planejamento do Estado (Seplag), Flávio Ataliba. “Fortaleza foi atingida primeiro e, depois, o vírus se espalhou no interior. Infelizmente, o transporte pode ser vetor de contaminação e a gente precisa controlar”, disse.
Flávio Ataliba também faz parte da coordenação executiva para a flexibilização do isolamento social no Ceará. O cuidado para evitar uma nova onda de casos de infecção pelo vírus é reforçado neste momento em que “Fortaleza começa a ser um novo suporte para quem precisa de cuidados” daqueles vindos do interior.
“Quando for liberado (o serviço de viagens de ônibus intermunicipais), na 4° fase, teremos protocolos rígidos e os viajantes devem atender aos requisitos (para evitar contaminação”. Caso todas as fases aconteçam dentro do período estabelecido pelo Grupo de Trabalho, com análise do comportamento da população e monitoramento dos casos, a 4° fase da flexibilização dos serviços deve acontecer por volta do dia 20 de julho.
Para continuar visitando os pais idosos em Aratuba, no Maciço de Baturité, Aurineide Cavalcante, de 43 anos, pegou caronas com um primo por duas vezes durante a pandemia, na época do Dia das Mães e da Semana Santa. Como é uma das filhas que mora mais perto dos pais, em Fortaleza, ela costumava ir com mais frequência ao interior, pegando ônibus intermunicipal ou caronas com familiares. “A gente passou por muitas barreiras. Em todas que passava fazia vistoria, era examinado, se a gente tivesse doente, a gente voltava”, conta. Ela espera que quando os transportes voltarem a funcionar normalmente, ela possa encontrar os pais mais vezes. “O medo (do vírus) a gente tem, mas está nas mãos de Deus”.