Sem radar móvel, PRF registra menos infrações, enquanto acidentes graves voltam a subir

A suspensão da fiscalização com radares móveis nas rodovias federais, determinada em 15 de agosto pelo presidente Jair Bolsonaro, levou a uma redução de 54% das infrações registradas em setembro pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) por excesso de velocidade. É o que revela um levantamento do GLOBO e do SOS Estradas a partir de dados do órgão obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação. A diminuição das multas aplicadas pela PRF ocorre enquanto o país volta a registrar, desde maio, alta de acidentes graves — aqueles com mortos ou feridos — nas BRs, após seis quedas anuais consecutivas.
Foto: PRF Paraná / Ilustração
Depois que os equipamentos portáteis deixaram de ser usados pelo governo federal, os casos com vítimas subiram 5,6% em setembro e 8,4% em outubro, ainda de acordo com números da corporação. A alta dos acidentes graves é motivo de alerta porque costumam ter relação com o excesso de velocidade.
Em números absolutos, na comparação com o ano passado, deixaram de ser aplicadas em setembro 203,6 mil multas a quem excedeu a velocidade nas estradas federais. Somadas, as infrações levariam a uma arrecadação de até R$ 30,1 milhões, parte dela destinada ao Fundo Nacional de Segurança e Educação de Trânsito (Funset). Ao todo, a PRF operava com 299 radares portáteis antes da suspensão.
Impunidade
Em 15 estados do país, nenhuma multa foi aplicada em setembro, entre eles Rio Grande do Sul, Ceará e Pernambuco. Nos demais estados — nos quais os casos contabilizados partiram de radares fixos instalados por concessionárias que administram as vias e ficam sob responsabilidade da PRF — foram registradas reduções significativas. A maior ocorreu no Paraná (99,5%). Minas, que tem a maior malha rodoviária do país, Rio e São Paulo também tiveram quedas. As exceções foram Mato Grosso do Sul, onde a Concessionária CCR/MS Via instalou 38 novos pontos de radares fixos na BR-163, e o Acre, que já não havia somado multas no ano passado.
— As multas hoje são aplicadas apenas por radares fixos mantidos pela Justiça ou pelas concessionárias por obrigação contratual ou legal. Nossa política de tolerância zero com álcool é de tolerância 100% com excesso de velocidade. À medida em que os motoristas forem descobrindo que não há controle de velocidade nas rodovias federais, ou que ele existe somente onde tem radar fixo, sinalizado e indicado nos aplicativos, a situação vai piorar muito — avalia Rodolfo Rizzotto, do SOS Estradas.
Como mostrou O GLOBO, o governo Bolsonaro também suspendeu 2.811 radares fixos de velocidade, sob responsabilidade do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), a maioria em março. Segundo o Ministério da Infraestrutura, após um acordo judicial, serão instalados 1.140 radares eletrônicos. A pasta e o Dnit não informaram ao GLOBO, porém, quantos desses equipamentos já estão em operação.
Dados da PRF mostram que, nos quatro primeiros meses do ano, o país registrou queda de acidentes graves nas rodovias. Em seguida, porém, os casos passaram a subir. No acumulado entre janeiro e outubro, foram registrados 45,7 mil, contra 44,3 mil no mesmo período de 2018. Também houve crescimento de feridos graves e leves, de 62,5 mil para 64,6 mil. Já as mortes ficaram estáveis nos dez primeiros meses do ano, de 4.358 para 4.340 registros. No ano passado, no entanto, o país contabilizou queda de 16% frente a 2017, o que indica que a tendência de reduções anuais consecutivas observadas desde 2013 nas rodovias federais foi revertida.
Marcelo Portal, de 32 anos, e Aline Flores, de 31 anos, estão nessas estatísticas. Em julho, eles perderam o filho, Murilo, de 4 anos, em um acidente na BR 290, próximo à cidade de Butiá, no Rio Grande do Sul, quando faziam uma viagem para visitar amigos. O veículo do casal foi surpreendido por uma caminhonete em alta velocidade que entrou na contramão para fazer uma ultrapassagem. Murilo estava em uma cadeirinha adaptada, mas não resistiu ao impacto da colisão. Aline bateu a cabeça e ficou inconsciente até o dia seguinte.
— O médico nos disse que, mesmo que fosse uma criança maior, não sobreviveria ao impacto. A velocidade foi muito alta. E, mesmo se sobrevivesse, teria sequelas — conta Marcelo Portal, que defende maior fiscalização nas rodovias e iniciativas que conscientizem os motoristas. — As pessoas não cumprem a lei nem com controladores de velocidade. Imagina sem, vira terra sem lei. O rapaz que ocasionou o acidente era um oficial de Justiça, uma pessoa que trabalha para cumprir a lei. Imagina as pessoas que não são instruídas.
O Rio Grande do Sul também tem registrado alta de acidentes graves desde maio. Nos dez primeiros meses de 2019, os casos subiram 11%, de 2,6 mil para 2,9 mil registros. Em setembro, primeiro mês após a retirada dos equipamentos móveis operados pela PRF, os acidentes dispararam 42%, a maior variação do país naquele mês. No acumulado do ano, o Distrito Federal lidera o ranking, com crescimento de 26%, de 580 para 728.
Custo bilionário
Um estudo de 2014 do Ipea estima que os acidentes em rodovias do país custam R$ 40 bilhões por ano, cerca de R$ 51,9 bilhões, corrigidos pela inflação. Especialista em trânsito, o perito Rodrigo Kleinubing enfatiza que a velocidade é a principal causa de acidentes com vítimas fatais. Também destaca, além do impacto humano, o efeito econômico da política do governo Bolsonaro para a área: o crescimento de acidentes graves também amplia as despesas, por exemplo, da Saúde.
— O percentual de alta ainda é pequeno em relação ao que deve acontecer. As festas de fim de ano são o grande teste. É uma tragédia anunciada. Teremos algumas centenas de mortes a mais — conclui Kleinubing.
O GLOBO questionou a PRF e o Ministério da Justiça, ao qual esta é subordinada, se recomendam a manutenção da suspensão do uso dos radares móveis e se a medida continuará em vigor. Não houve resposta.
O Globo

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