Em 2014, 12 empresas de ônibus operavam em Campo Grande e Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio. De lá para cá, cinco delas fecharam as portas, deixando 2,5 mil rodoviários sem emprego e quase seis milhões de passageiros com menos opções de mobilidade, segundo o sindicato que representa as empresas o Rio Ônibus.
Cinco empresas de ônibus que circulavam pela Zona Oeste do Rio fecharam as portas — Foto: Henrique Coelho / G1 |
A violência e a desordem urbana são apontadas pelos empresários como causas da crise – que segundo eles beira um “colapso”. O Ministério Público endossa. Há casos de ônibus que só podem receber passageiros quando as vans da milícia lotam.
“A atuação de milícias na Zona Oeste dificulta o trabalho de empresas que atendem os passageiros da região”, afirma o Rio Ônibus, o sindicato que representa as viações.
“Na área mais populosa da cidade, a operação de ônibus está perto de um colapso — em decorrência da atuação do transporte ilegal por vans”, emenda a entidade (veja a íntegra da nota abaixo).
As empresas que deixaram de circular foram:
Andorinha
Bangu
Rio Rotas
Top Rio
Algarve
Segundo rodoviários, há registros de ameaças e agressões físicas e verbais contra motoristas. Sem se identificar, trabalhadores contaram ao G1 que os principais locais de atuação das vans da milícia são no centro de Campo Grande e na Avenida Cesário de Melo, que liga ao bairro vizinho de Santa Cruz.
Entre 2015 e 2017, ofícios do Consórcio BRT enviados à prefeitura já tinham mencionado ações de violência, depredação, assaltos à mão armada e ameaças de morte contra funcionários em estações como Cesarão I, Cesarão II e Cesarão III, assim como Vila Paciência e Três Pontes.
Vans passam pelo West Shopping em Campo Grande, na Zona Oeste do Rio — Foto: Henrique Coelho/G1 |
Vans: lucro para a milícia
Foi justo na região de Campo Grande e Santa Cruz que surgiu a maior milícia do Estado do RJ: a Liga da Justiça. Hoje comandada por Wellington da Silva Braga, o Ecko, ex-traficante de Santa Cruz, é chamada de Bonde do Ecko.
Em 2018, o G1 constatou, através de levantamento inédito, que dois milhões de pessoas viviam em áreas dominadas pela milícia na capital e na Região Metropolitana do Rio.
O promotor de justiça Luiz Antônio Ayres, que trabalha na região há 20 anos, atesta que a situação só piorou na região, já que a atividade de vans é uma das mais lucrativas da milícia.
“A milícia impede a circulação de ônibus em várias localidades para que as pessoas tenham que usar o lucrativo serviço de transporte alternativo. Isso vai trazer problemas econômicos para as empresas de ônibus — e ao mesmo tempo vai fortalecer a milícia no aspecto financeiro”, avaliou.
Blitz para todas as vans na Avenida Felipe Cardoso, em Santa Cruz; atividade é uma das mais lucrativas para a milícia da região — Foto: Reprodução/PCERJ |
Ayres reforçou os ofícios enviados pelo consórcio BRT à Prefeitura do Rio, citando o controle do serviço através de coação e medo.
“A milícia determina quem poderia embarcar no BRT,. Só entrariam pessoas nos ônibus depois que as vans dominadas pela milícia estivessem lotadas. Mesmo em horários de pico. Essa intimidação é feita por ameaças veladas. Não há mais necessidade de o miliciano estar lá armado para impedir que pessoas ingressem nos ônibus”, detalha.
Estações do BRT depredadas
Um trecho com 22 estações do BRT Transoeste está fechado há quase dois anos por motivos de vandalismo ou violência. É o que margeia a Avenida Cesário de Melo, no trecho entre Campo Grande e Santa Cruz.
Um ofício do BRT à prefeitura em 2017 cita o preço das vans, que faziam a linha Campo Grande-Paciência a R$ 3,50 e a linha Paciência-Santa Cruz a R$ 3, como um dos maiores impedimentos à atividade do consórcio.
A exploração das estações pelo crime organizado na região causou a saída de Cláudio Ferraz da Coordenação de Transporte Complementar, em fevereiro do ano passado. Desde então, as estações seguem fechadas.
Em nota, o consórcio BRT disse que, em 2019, enviou um relatório à Prefeitura do Rio “sobre a situação das estações e estudos técnicos de viabilidade operacional naquela região estão sendo desenvolvidos de acordo com o termo de compromisso firmado entre o Consórcio e o Município”.
O que dizem as autoridades
A Polícia Civil afirma que a Delegacia de Repressão às Ações Criminosas (Draco) possui investigações, que estão em sigilo, em andamento sobre a exploração do serviço de vans pela milícia na Zona Oeste.
A Polícia Militar, por sua vez, disse que “atua diariamente no combate a criminosos com ações de policiamento ostensivo, como também presta integral apoio à Polícia Civil nas investigações de facções do crime organizado”.
Em nota, o Consórcio Santa Cruz afirmou que todas as empresas do consórcio “oferecem atendimento psicológico aos rodoviários, quando se observa necessário ou solicitado pelo profissional”.
A Coordenadoria Especial de Transporte Complementar, órgão da Secretaria de Ordem Pública, afirmou que, de janeiro a outubro de 2019, removeu 759 vans e Kombis piratas. O número é considerado um recorde histórico do órgão. A Zona Oeste foi responsável por 55% destas remoções.
A coordenadoria disse ainda que mantém um cronograma de ações na Zona Oeste, com base em informações da Central 1746 e setor de inteligência e que vai intensificar o número de operações na área no final do ano. Na última sexta-feira (8), equipes removeram 10 vans na região, sendo duas piratas.
O órgão destacou ainda que denúncias anônimas podem ser realizadas por “meio dos canais da central de atendimento da Prefeitura, 1746, em posse da placa, data, horário e local, com o objetivo de auxiliar no planejamento das ações”.
Promoção contestada
Para competir com as vans, empresas de ônibus estão fazendo até promoção: de R$ 4,05, a passagem cai para até R$ 2 se for paga em dinheiro, como mostrou o RJ1.
O Consórcio Santa Cruz afirmou que a iniciativa é uma “tentativa de sobreviver à concorrência das vans clandestinas que atuam principalmente na Zona Oeste do Rio.”
Em nota ao RJTV, o próprio Rio Ônibus afirmou que há o domínio da milícia no transporte de passageiros:
“Hoje na região, milicianos dominam o transporte de passageiros à força, cobrando os valores que melhor os atendem, sem censura alguma. Por qual motivo o transporte por ônibus, 100% regulamentado e pagador de todos os impostos, não poderia adequar a sua tarifa?”, questiona a nota.
Em entrevista ao Bom Dia Rio, o promotor de Justiça Rodrigo Terra defende a rescisão do contrato das viações que fazem tais promoções.
“Sem saber exatamente quanto custa esse serviço, fica difícil estabelecer qual o valor da tarifa. O Rio perdeu a oportunidade de ter prestadores de serviço minimamente capacitados para atender os interesses da população”, destacou Terra.
A Secretaria Municipal de Transporte informou que essa diferença é ilegal — o órgão aplicou 30 multas este ano por conta dessa irregularidade.
A íntegra da nota do Rio Ônibus:
“O Rio Ônibus lamenta que em praticamente toda a cidade do Rio o transporte público por ônibus sofre com o impedimento da livre circulação de seus coletivos por questões de segurança pública. O Sindicato vem lutando para não deixar a população desassistida, mas a atuação de milícias na Zona Oeste dificulta o trabalho de empresas que atendem aos passageiros da região.
Na área mais populosa da cidade, a operação de ônibus está perto de um colapso e, desde 2014, cinco empresas que operavam na Zona Oeste fecharam as portas em decorrência da atuação do transporte ilegal por vans. O Rio Ônibus pede ajuda ao poder público para que a segurança desses locais sejam reforçadas e, assim, as empresas consorciadas possam garantir a integridade de seus rodoviários, que muitas vezes são ameaçados por milicianos.
Além da Zona Oeste, em locais como a Cidade Alta, em Cordovil, na Zona Norte do Rio, traficantes impedem a circulação de ônibus. O serviço, infelizmente, teve que ser interrompido na região em virtude de cobranças ilegais feitas pelo poder paralelo. Diante disso, as empresas que atendiam a Cidade Alta estão sendo sistematicamente multadas por não obedecerem o itinerário estabelecido pelo poder concedente. Vale ressaltar que é de interesse das consorciadas seguirem o estipulado pela SMTR, mas frente ao grave cenário da região, a segurança de seus funcionários e passageiros é a prioridade.
O Rio Ônibus reforça seu compromisso com o transporte público por ônibus e enfatiza que está disposto a conversar com as autoridades para apresentar as dificuldades que as empresas veem enfrentando na área da segurança.”
G1 RJ