As três agências reguladoras na área de infraestrutura logística – Anac (aviação civil), ANTT (transportes terrestres) e Antaq (transportes aquaviários) – vão trocar de comando no primeiro trimestre de 2020 e colocar à prova o grau de profissionalismo com que o governo Jair Bolsonaro pretende tratar esses órgãos. O Ministério da Infraestrutura já mapeia nomes para fazer as indicações dos novos presidentes das agências. Na semana passada, em despacho com Bolsonaro no Palácio do Planalto, o ministro Tarcísio Freitas ouviu do presidente que tem carta branca para escolhas puramente técnicas.
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O mercado acompanha com interesse a sucessão nas agências – por dois motivos. Primeiro: as indicações do Executivo podem esbarrar na relação ainda cheia de ruídos com o Senado, que precisa analisá-las. Segundo: o presidente emite sinais dúbios sobre a real autonomia dos reguladores. O atual presidente da Anac, Ricardo Botelho, termina o mandato em março e pode transformar-se em candidato do Brasil para a secretaria-geral da Organização de Aviação Civil Internacional (OACI), que é vinculada à ONU e tem sede em Montreal (Canadá).
O cargo hoje é ocupado por uma chinesa e fica vago no início de 2021. Por rodízio, caberá a um latino-americano no próximo período. Seria a primeira aposta do governo Bolsonaro para um cargo internacional de relevância no chamado “Sistema ONU”.Para o lugar de Botelho, a intenção é indicar Thiago Caldeira, consultor licenciado da Câmara dos Deputados e atual secretário de Transportes do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), o núcleo responsável pela coordenação das concessões federais.
Na ANTT, o diretor Davi Barreto deverá substituir Mário Rodrigues como presidente, a partir de fevereiro. Ligado ao PL (antigo PR), do ex-deputado Valdemar Costa Neto (SP), Rodrigues é acusado pelo Ministério Público Federal de fraude em licitações do Rodoanel, quando integrava a cúpula da estatal Dersa em São Paulo. Auditor de carreira do Tribunal de Contas da União (TCU), Barreto já faz parte da diretoria da ANTT e seria apenas remanejado para a presidência. Haveria, então, a escolha de outro diretor.
No caso da Antaq, que supervisiona todos os investimentos em terminais portuários e terá pela frente a missão de dinamizar o transporte de cabotagem pelo litoral brasileiro, o governo quer uma solução caseira para a presidência. Um técnico de dentro da agência é a alternativa que mais agrada o governo, por enquanto, para substituir Mário Povia como diretor-geral. Ele tem mandato até o dia 18 de fevereiro de 2020.
De um lado, Bolsonaro adotou um discurso na campanha eleitoral em que criticava o “aparelhamento político” e enfatizava a necessidade de “profissionalização” das agências reguladoras. De outro, já no Planalto, ele e seus ministros fizeram ataques à Ancine (cinema e produção audiovisual) e à Anvisa (vigilância sanitária).
Bolsonaro reclamou dos “poderes enormes” dos órgãos reguladores e lamentou que eles tenham sido criados por “um tal de FHC”. Em junho, antes de sancionar a nova Lei Geral das Agências, disse que corria o risco de virar uma “rainha da Inglaterra”. Ele se referia a um ponto da lei que estabelecia uma comissão de especialistas, no âmbito da Presidência da República, para compor lista tríplice de pré-indicados. Esse dispositivo acabou sendo vetado.
Mas, na prática, o governo Bolsonaro trabalhou pela votação da lei das agências no Senado – ela já havia sido aprovada na Câmara – e não tomou nenhuma medida concreta contra os órgãos que criticou publicamente.
Causa preocupação, entre auxiliares do presidente, como as indicações vão tramitar no Senado. A Comissão de Infraestrutura faz uma primeira análise e depois os nomes são apreciados no plenário. Fontes do governo admitem que, sem uma base consolidada e diante da desarticulação mais recente, precisa haver um diálogo bem azeitado com parlamentares para evitar surpresas.
No início de outubro, Bolsonaro encaminhou mensagem presidencial ao Senado com a indicação de dois nomes – Thiago Caldeira e Ricardo Catanant – para compor a diretoria colegiada da Anac. Depois, trocou Catanant por Gustavo Saboia, assessor internacional no Ministério da Infraestrutura. Em seguida, retirou todas as indicações que havia feito. Tudo em menos de 24 horas.Nos bastidores, comenta-se que o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), ficou insatisfeito por não ter sido consultado previamente no episódio envolvendo a Anac. Agora, o cuidado será informar e discutir as futuras indicações com os senadores. A atual composição das diretorias de agências tem apadrinhados do PL, MDB e até do PTB.
Valor Econômico