Faixas exclusivas são boas ou ruins para o transporte público? Saiba o que dizem os especialistas

Desde o começo da semana, a Avenida Independência e a Rua Mostardeiro, no bairro Independência, em Porto Alegre, passaram a contar com faixas exclusivas para ônibus e lotação em determinados horários. Segundo a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), a medida, já adotada em outros pontos da cidade, tem como objetivo minimizar os riscos de acidentes, dar mais agilidade nas viagens, diminuir o tempo de deslocamento e atrair novos passageiros para o transporte coletivo, que enfrenta sucessivas quedas no número de usuários nos últimos anos.
Foto: Jefferson Botega / Agencia RBS
O assunto mexeu com os ânimos de condutores e de dois colunistas de GaúchaZH. Enquanto Paulo Germano defende que a medida pode salvar o combalido sistema de transporte público da Capital, David Coimbra aposta no fracasso da iniciativa que, segundo ele, penaliza os motoristas.
Para ampliar o debate sobre a questão, a reportagem de GaúchaZH ouviu quatro especialistas sobre os problemas e as possíveis soluções para o assunto. Clique nas perguntas abaixo para conferir o que cada um respondeu.
FAIXAS EXCLUSIVAS PARA ÔNIBUS SÃO A OPÇÃO CERTA PARA MELHORAR O TRANSPORTE PÚBLICO?

Nívea Oppermann – Professora do curso de arquitetura e urbanismo da Unisinos e vice-diretora do programa de cidades da WRI Brasil
Sem dúvida, porque proporcionam algo fundamental, que é o ganho de tempo de viagem. Porto Alegre é uma cidade que não está crescendo muito do ponto de vista demográfico. Está crescendo territorialmente, e isso é um problema, porque pessoas morando mais longe vão encarecer o custo do transporte, e quem mora na periferia e tem menor poder aquisitivo depende do transporte público. O ônibus é uma excelente alternativa, mas não é valorizado. O papel das faixas é dar prioridade para a maior parte da população.
Rafael Roco de Araújo – Professor da Escola Politécnica da PUCRS
Não são. A melhor opção são os corredores de ônibus, como os que já temos. O corredor é projetado para estar inserido no sistema viário. Nas avenidas João Pessoa e Protásio Alves, por exemplo, já tem todo um ordenamento em relação às estações, ao espaço dos automóveis. As faixas vão ter impacto significativo no fluxo e no ordenamento do trânsito geral. Por exemplo, quem precisa fazer uma curva, tem de entrar na faixa. Criam-se obstáculos e questões complexas de julgamento para fins de fiscalização. Os critérios vão ter de ser mais flexíveis, e o risco de acidente é maior. O que está se fazendo em Porto Alegre é remendo.
Vanderlei Cappellari – Ex-diretor-presidente da EPTC
O transporte público precisa de regularidade e velocidade. Somente faixas exclusivas possibilitam esses dois requisitos, que são importantíssimos. Sem isso, não se consegue fazer uma programação de horários com a frota, que é limitada, e tem de ser, porque é melhor para o sistema. Quando os ônibus não cumprem o horário, é prejudicial para o usuário e para o próprio sistema.
João Fortini Albano – Doutor em transportes
Para melhorar o transporte público são necessárias várias ferramentas. Essa é uma importante, pela redução do tempo de deslocamento do usuário. Só duas coisas fazem o usuário do carro abandoná-lo: o custo do deslocamento e se o tempo fica muito alto. O tempo hoje é uma variável superimportante. Se o ônibus oferece uma velocidade maior, ou seja, um tempo menor de deslocamento, é uma boa medida que o gestor toma para melhorar a demanda para o transporte público, e, ao mesmo tempo, inibir o uso do automóvel.
É PRECISO REDUZIR O USO DO CARRO PARTICULAR? QUE MEDIDAS PODEM SER ADOTADAS PARA INCENTIVAR AS PESSOAS A USAREM MAIS O TRANSPORTE PÚBLICO?

Nívea Oppermann – Professora do curso de arquitetura e urbanismo da Unisinos e vice-diretora do programa de cidades da WRI Brasil
Temos um sistema injusto, porque o usuário do transporte coletivo banca totalmente o serviço. É o momento de vermos uma maneira do individual ajudar a bancar o coletivo. Em Londres, por exemplo, o privado paga uma contribuição para acessar certas zonas da cidade, chamada de uma taxação de congestionamento. O valor arrecadado é destinado a melhorias no transporte coletivo. Outra questão é que hoje grande parte das vias é destinada a estacionamentos, temos poucas áreas azuis. Acho que essa é uma forma de a prefeitura arrecadar para poder investir no transporte coletivo. A questão do conforto é importante, ter veículos com boa acessibilidade, assim como o uso da tecnologia para que o usuário se sinta muito bem informado _ ninguém quer parar numa parada de ônibus sem saber a que horas vai chegar. Também é preciso controlar a expansão da cidade, para que não seja necessário aumentar o número de linhas longas, e favorecer a integração operacional e tarifária, com um sistema integrado. Integrar os ônibus metropolitano e urbano traz economia para o sistema, porque permite que haja menos veículos fazendo trajetos mais racionais.
Rafael Roco de Araújo – Professor da Escola Politécnica da PUCRS
Não compartilho dessa ideia. Cada pessoa tem que decidir o que mais se adéqua ao seu dia a dia. Compete ao poder público oferecer o melhor para todos. Para melhorar o transporte público, o ideal é que tivéssemos um sistema tronco alimentado, como os BRTs, que foram descartados. Daria para aproveitar os corredores existentes e expandi-los, criar novos na Manoel Elias e na Cavalhada, estruturar os eixos. E ter um sistema com uma tarifa justa. Um serviço bom, barato e planejado chamaria a população para o transporte coletivo. Se o sistema é caro e não é atrativo, quem poderia utilizar acaba não utilizando.
Vanderlei Cappellari – Ex-diretor-presidente da EPTC
Não tem como manter o crescimento acelerado da frota com o espaço viário que temos hoje para a circulação de veículos. Tem de priorizar, e, na hora de decidir, não tem como o gestor não priorizar o coletivo. É ele que mantém o sistema viário saudável. Sem isso, a cidade para. É preciso buscar meios para que as pessoas sejam incentivadas a não usar o automóvel, restringindo estacionamento, aumentando o espaço dos coletivos, retirando o espaço do automóvel e dando para aqueles que transportam mais pessoas ou para transportes alternativos, como a bicicleta.
João Fortini Albano – Doutor em transportes
Acredito que sim. Os congestionamentos são provocados pelo excesso de carro. Tem muito carro que circula vazio, e muitos deslocamentos de carro que poderiam perfeitamente ser feitos com o transporte coletivo. O atrativo do carro é conforto, o transporte porta a porta. O transporte coletivo tem de ter uma tarifa justa, um tempo de deslocamento menor e mais conforto. Horários e itinerários competíveis com as necessidades dos usuários. O usuário do ônibus valoriza isso. São requisitos que têm de ser introduzidos no sistema de ônibus para torná-lo atrativo.
O CRESCIMENTO DO USO DE APLICATIVOS PODE INVIABILIZAR O TRANSPORTE PÚBLICO EM PORTO ALEGRE?

Nívea Oppermann – Professora do curso de arquitetura e urbanismo da Unisinos e vice-diretora do programa de cidades da WRI Brasil
Não acredito nisso. Tem muita gente pobre, que não vai poder usar aplicativo todos os dias. Os apps reduziram o número de pessoas que fazem viagens curtas nos ônibus, porque, para essas, vale mais a pena pagar R$ 7 ou R$ 8 por uma corrida do que R$ 4,70 no ônibus. Mas o fato delas não entrarem no sistema faz com que haja menos arrecadação para esse subsídio cruzado (em que as viagens curtas viabilizam as viagens longas). Os aplicativos também têm que contribuir. A prefeitura deveria cobrar um percentual para ajudar a bancar o coletivo.
Rafael Roco de Araújo – Professor da Escola Politécnica da PUCRS
Não. Isso é uma onda. Está aliada à crise econômica, que lançou muitas pessoas nesse mercado. E só se viabiliza em distâncias curtas. A maioria das pessoas vai precisar do coletivo. Ninguém vai pegar aplicativo de Cachoeirinha, da Lomba do Pinheiro, da Restinga, porque sai caro. Tem de ser transporte de massa. O app é inviável economicamente.
Vanderlei Cappellari – Ex-diretor-presidente da EPTC
Não. O transporte coletivo tem de existir e vai existir sempre. Os aplicativos têm impactado o transporte porque acabam retirando aquele passageiro que equilibra o sistema tarifário, que é quem faz as viagens curtas e subsidia a tarifa única. Ele é fundamental, e está sendo retirado pelos apps. Se o impacto continuar crescendo, o poder público vai ter de tomar medidas, subsidiar ou cobrar de outras fontes para que a tarifa não seja proibitiva para a maioria dos trabalhadores. O usuário de longa distância vai ter que usar o coletivo porque não tem outra alternativa.
João Fortini Albano – Doutor em transportes
Inviabilizar, não. Uma viagem da Restinga até o Centro é cara, e o ônibus tem uma tarifa social. Mas vai deixar o sistema decadente, com poucas viagens, sem investimentos. É um problema difícil de resolver, porque entre si eles têm uma concorrência predatória _ estima-se que sejam quase 20 mil carros. Tem horários em que o preço de uma viagem é irrisório. Então bate de frente com o transporte coletivo. Como resolver esse problema é talvez o maior desafio dos gestores.
QUAL É O PESO DA SENSAÇÃO DE INSEGURANÇA PARA QUE AS PESSOAS USEM MENOS O ÔNIBUS EM PORTO ALEGRE?

Nívea Oppermann – Professora do curso de arquitetura e urbanismo da Unisinos e vice-diretora do programa de cidades da WRI Brasil
A gente vive hoje uma situação de insegurança em toda a cidade, não só no transporte. Mas, se começar a colocar todo mundo dentro dos carros, vai ter cada vez menos gente circulando da rua, e menos gente na rua é mais exposição e insegurança. É preciso humanizar a cidade, devolver as pessoas para a rua, ter calçadas melhores para circular, menos muros. Nos últimos anos, Porto Alegre construiu pontes e viadutos, mas o que fez pelo transporte público? As faixas exclusivas são uma solução rápida e barata para melhorar a infraestrutura do transporte público e proporcionar ganho de tempo às pessoas. Se conseguirmos colocar mais gente na rua, a gente vai ter mais segurança.
Rafael Roco de Araújo – Professor da Escola Politécnica da PUCRS
Não só em Porto Alegre, em qualquer lugar, se tiver assalto no metrô ou no ônibus, as pessoas vão se assustar. É preciso ter medidas como o rastreamento, as câmeras de monitoramento, mais policiamento. O que acontece no transporte público acontece em toda a cidade. Afeta o comércio, o cidadão, o pedágio, que são assaltados. O ônibus é mais um.
Vanderlei Cappellari – Ex-diretor-presidente da EPTC
O que pesa mais é a qualidade do transporte, que tem que evoluir. A segurança é uma parte importante, mas têm sido feitas ações e melhorou bastante. É um fator, mas não é o único determinante. Hoje raramente se vê assalto em ônibus, como já foi corriqueiro. O mais importante é buscar uma tarifa adequada e dar velocidade ao sistema, igualando o tempo do automóvel com o coletivo. Se isso acontecer, muita gente vai usar o ônibus. E melhorar a qualidade dos veículos, que ainda não evoluíram para que seja um transporte humanizado.
João Fortini Albano – Doutor em transportes
Eu acho que a insegurança existe, mas já foi maior. A sensação de insegurança na cidade vem aumentando como um todo. Não ouço mais as pessoas falando em assalto e arrastão no ônibus, especificamente. Isso está em processo de redução. O que pesa mais para afastar as pessoas do coletivo são a tarifa, atrasos e ônibus cheio.
Gaúcha ZH

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