Empresas de ônibus perderam 12,5 milhões de passageiros em um ano no Brasil, diz anuário da NTU

Cada vez menos pessoas estão usando ônibus urbanos no Brasil. É o que revela o Anuário da NTU – Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos divulgado nesta terça-feira, 20 de agosto de 2019, durante Seminário Nacional da entidade, em Brasília.
Foto: Ilustração/UNIBUS RN
Segundo o levantamento da série histórica, o Anuário 2018-2019, que compara abril de 2018 e abril de 2019, a queda da demanda foi de 4,3%, o que representa 12,5 milhões de passageiros a menos nos coletivos urbanos.
A falta de infraestrutura para o transporte coletivo, com redes insuficientes de corredores e faixas, é um dos motivos apontados pela entidade para o atual quadro: o ônibus cada vez mais lentos e menos atrativos.
A NTU diz que até agora, foram investidos 9,4% de um total de R$ 151,7 bilhões de verbas anunciadas pelo Governo Federal para infraestrutura em mobilidade urbana há dez anos. Os dados alertam para as graves deficiências em infraestrutura, entre outros desafios para o setor, que resultam em mais congestionamentos e contribuem para o caos urbano.
Com relação à evolução dos empreendimentos previstos, o estudo da NTU apresentado hoje mostra que no ciclo 2018-2019 somente três projetos de priorização do transporte público iniciaram operação no Brasil – um Sistema BRT e uma Faixa Exclusiva em Niterói (RJ), e outra Faixa exclusiva em Curitiba (PR).
O documento “Construindo hoje o amanhã – propostas para o transporte público e a mobilidade urbana sustentável no Brasil”, que está sendo discutido no Seminário NTU, representa o alinhamento propositivo das principais entidades que respondem pela mobilidade urbana e pelo transporte público no país, como a a Frente Nacional de Prefeitos, a ANTP – Associação Nacional de Transportes Públicos e o Fórum Nacional de Secretários de Transporte e Mobilidade.
O Anuário faz um balanço dos investimentos em mobilidade urbana, apontando que houve um estancamento dos projetos, conforme monitoramento do banco de dados da NTU.
A evolução do total de projetos ativos nas cidades brasileiras no período de 2017 até 2019 é pouco significante. Com 706 empreendimentos de mobilidade urbana ativos, a NTU detectou uma elevação de apenas 12% em relação ao ano de 2017 (632) e de 3% comparativamente com 2018 (691). A um crescimento acelerado até 2017 seguiu-se uma queda drástica no ritmo de elaboração e operacionalização de projetos.
Para ler o Anuário na íntegra basta clicar no link:
ENTREVISTA COM OTÁVIO CUNHA
Após a apresentação do Anuário, o presidente da NTU, Otávio Cunha, concedeu uma entrevista coletiva aos jornalistas, com a presença do Diário do Transporte. Leia na íntegra:
Sobre o motivo da queda de passageiros no transporte coletivo por ônibus:
Otávio Cunha: “Na verdade isso já vem  acontecendo… temos uma série histórica de mais de 20 anos que a demanda vem caindo gradativamente. De 2013 a 2017 nós tivemos uma queda de 25% de queda na demanda. A explicação para esse período foi a recessão econômica, o desemprego –12 milhões de desempregados –,  e o aumento do automóvel com os congestionamentos nos grandes centros. O ônibus deixou de ser competitivo para as pessoas e houve uma fuga de passageiros. Consequentemente mantido o mesmo custo, com menos pessoas pagando, as tarifas subiram e isso provoca nova fuga de pessoas. Hoje, a matriz de deslocamento das pessoas que estão andando a pé nas cidades chega a mais de 20%, elas estão se deslocando a pé por absoluta incapacidade de pagar o preço da passagem.”
O que fazer para reverter esse quadro?
Otávio Cunha: “Nós estamos exatamente com as propostas que apresentamos aqui, os cinco programas, o que passa pelo investimento na infraestrutura urbana, passa pela melhoria da qualidade na prestação do serviço, e também pelo barateamento das tarifas para atrair as pessoas. Afora isso nós estamos discutindo nesse seminário a questão da inovação, e a inovação é buscar saídas novas, formas novas de resolver problemas antigos. A tendência é buscar pela inovação o barateamento do serviço e criar facilidades… criar outros tipos de serviços acessórios, complementares à rede pública. A ideia é ter uma rede pública básica, para aquele que é cativo do transporte, que não tem outra maneira de se locomover, e você ter também uma rede complementar com outros serviços, por exemplo serviços sob demanda, a exemplo do que foi inaugurado recentemente na cidade de Goiânia. E trazer esse sistema pra criar serviços alternativos complementares à rede pública, como por exemplo transporte de fretamento, o transporte escolar que poderia ser oferecido, e também todo esse serviço complementar coletivo – estamos falando em transporte coletivo, e não individual –,  toda a arrecadação desses serviços ajudarem a pagar a rede pública de transporte que seria mais barata. Então é um somatório, não só a questão de se criar fontes de recursos extra tarifários para baratear o custo do serviço, mas também de você usar a tecnologia e a inovação para melhorar esse atendimento e melhorar a qualidade do serviço ofertado”.
Tem havido interesse de operadores de outras cidades junto à NTU em relação a serviços de cases inovadores como o de Goiânia?
Otávio Cunha: “Na quinta-feira vai ter uma visita para aqueles que já se inscreveram para conhecer o sistema. O sistema é semelhante a um serviço de aplicativo, uma plataforma, só que é um serviço ofertado por vans com capacidade para 14 pessoas, com ar condicionado e atuando em áreas mais centrais onde tem grande demanda. O serviço está muito bem avaliado pela população, o que nos anima porque esse case pode ser uma saída, uma alternativa. E esse serviço ele é complementar à rede pública já existente. Então ele vai ajudar efetivamente a dar sustentabilidade a esse serviço, já que o modelo de remuneração do transporte no Brasil é um modelo ultrapassado. O usuário é o único financiador do serviço de transporte e isso tem que ser mudado”.
O grande gargalo das gratuidades e a falta de prioridade ao transporte em muitas capitais, como isso impacta na tarifa de ônibus?
Otávio Cunha: “Se você tivesse faixas seletivas, corredores de ônibus com uma velocidade comercial maior… nós estamos falando hoje de 12 km/h de velocidade média, e podemos chegar a 20-22 km/h. Se nós conseguirmos ter essa velocidade para reduzir os tempos de viagem, a economia no preço, no custo do serviço, é da ordem de 25%”.
Sobre os males causados pelos aplicativos de transporte privado:
Otávio Cunha: “Houve uma fuga de demanda para esses serviços, mas essas pessoas que deixaram de usar o transporte público e migraram para o transporte individual, têm um poder aquisitivo um pouquinho maior. O usuário que é cativo do transporte, esse que não está aguentando nem pagar o preço da passagem, ou ele deixou de andar de ônibus e está se deslocando a pé, ou ele continua no transporte público. Ele não vai sair exatamente pela questão econômica. O problema do aplicativo é que ele está oferecendo serviços nas linhas de maior densidade de pessoas, são trechos curtos… e essas linhas, quando você constrói a rede pública de transporte, é que subsidiam as linhas mais longas. Então há aí um impacto efetivo de redução de demanda e consequentemente de aumento do custo do transporte”.
No curto prazo, o que é possível o empresário fazer para melhorar? A gente percebe que, em alguns detalhes, algumas empresas ainda pecam, como limpeza do ônibus, o treinamento do motorista, manutenção… o que a NTU orienta o empresário a pensar nesses detalhes que fazem a diferença?
Otávio Cunha: “Na apresentação do programa que fizemos, que são cinco pilares principais, a gente fala da melhoria da infraestrutura e da qualidade do serviço prestado. Isso aí tem a ver diretamente com o empresário, é um compromisso que os empresários estão assumindo de poder melhorar mais o serviço, de poder dar mais atenção aos usuários, de qualificar melhor seu pessoal, de melhorar a qualidade do transporte. Agora, um pouco disso fica prejudicado na medida em que você não tem hoje o equilíbrio da atividade. Como o serviço não se sustenta pela tarifa, e de queda de demanda permanente, há sempre uma dificuldade maior de você melhorar essa qualidade desse serviço. Esse é um ponto em que você fica sem muita alternativa pra poder resolver essa questão. A população, a sociedade reclama da qualidade do transporte e a gente não vê como, se não for com outros meios, não vê saída pra isso. Por isso que a gente precisa fazer o investimento da infraestrutura, pra você ganhar velocidade comercial, baratear o custo do serviço prestado, atrair demanda nova, reduzir mais a tarifa e aí você entrar num círculo virtuoso dessa questão.”
Da maneira como está a tarifa agora, o empresário não tem como melhorar a qualidade do serviço?
Otávio Cunha: “Alguma coisa você pode fazer, não vamos dizer que é impossível você melhorar a prestação de serviço. É possível melhorar, mas não vai dar a solução que a gente precisa, nós precisamos avançar muito na qualidade do transporte. O transporte público deixou de ser atrativo, ele não é competitivo, não é atrativo para as pessoas para continuarem utilizando esse serviço. Já não foi assim, nós perdemos a produtividade, ela é muito baixa. Nós estamos transportando a metade dos passageiros que a gente transportava a vinte anos atrás. A solução é transportar com uma velocidade comercial mais alta, e portanto com um custo de operação mais baixo. Então nós estamos num dilema. O problema é que o transporte deixou de ser atrativo para as pessoas e deixou de ser atrativo para o empresário de ônibus operar nesse serviço. Ele não tem nem saída. Se vocês pegarem o exemplo do Rio de Janeiro, 14 empresas fecharam nos últimos 4 anos e tem mais 7 para fechar este ano. A população ainda não percebeu isso muito porque ela tem os consórcios, e eles são obrigados a absorver os serviços deixados por essas empresas que paralisaram  sua atividade. Mas que está comprometida a qualidade, está comprometida a continuidade desse serviço, nós não temos dúvida. Como foi falado aqui, que você tem crise, tem perigo e tem oportunidade, eu acho que está na hora de aproveitar essas ideias novas, aproveitar a inovação e fazer aí um mix de ações que possam melhorar essa atividade.”
Diário do Transporte

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