Transportes alternativos contribuem para sistema mais sustentável

O setor de transportes e de mobilidade urbana enfrenta desafios no Brasil, desde o aumento exponencial da demanda por deslocamentos até a necessidade de redução de impactos ambientais provocados pelo consumo crescente de combustíveis fósseis. Por depender de políticas públicas integradas e coerentes, a solução completa desses problemas pode demandar tempo. No entanto, existem medidas simples que não dependem de grandes obras de infraestrutura ou de grandes investimentos.
Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
A arquiteta e urbanista especializada em política de planejamento urbano Marília Hildebrand observa que, para solucionar de fato os problemas que o Brasil enfrenta no âmbito da mobilidade urbana é necessária uma compreensão bem mais heterogênea da questão. “O problema é muito profundo, pois é algo que vai muito além de soluções de infraestrutura. Também envolve política, economia, cultura”, explica. No entanto, existem medidas que podem beneficiar diretamente a vida dos cidadãos e contribuir para a melhoria da mobilidade urbana e a redução de impactos ambientais, acrescenta.
“Podemos falar de boas práticas de transporte que ajudem a melhorar o quadro geral”, afirma Marília. “Priorizar o conceito de urbanismo tático e de ruas completas, por exemplo, é algo necessário. Existem medidas simples de baixo custo, que colocam os cidadãos como protagonistas, privilegiam outras formas de deslocamento, além do carro, e geram uma experiência diferente para o usuário”, explica.
De acordo com a Mobilize, site especializado em mobilidade urbana, o conceito de ruas completas determina que as vias devem ser planejadas, projetadas, operadas e mantidas para permitir deslocamentos seguros, convenientes e confortáveis para todos os usuários, independentemente de idade, habilidades ou meio de transporte.
Segundo Marília Hildebrand, adotar esses conceitos na hora de planejar as cidades gera mudanças de perspectiva, prioriza o espaço público e deixa os sujeitos da cidade como protagonistas. “São medidas que devem ser adotadas transversalmente. Devem ser realizadas oficinas, é preciso ouvir as necessidades de quem de fato utiliza a cidade”, afirma.
Melhorar a qualidade da pavimentação e formar melhor os motoristas são outros exemplos de medidas simples que reduzem impactos negativos produzidos pelo transporte rodoviário. Estudo da Confederação Nacional de Transportes (CNT)  estima que, em 2018, tenha havido um consumo desnecessário de 876,78 milhões de litros de diesel nas rodovias brasileiras devido às inadequações do pavimento. Isso representa um adicional de 2,32 milhões de toneladas de CO2 emitidos pela combustão de diesel — um desperdício que custou R$ 3,02 bilhões aos transportadores em 2018. Segundo a CNT, rodovias deficientes reduzem a segurança viária e aumentam o custo de manutenção dos veículos, além de elevarem o consumo de combustível, lubrificantes, pneus e freios.
Dirigir buscando a diminuição do consumo de combustível também é uma prática simples, que, se adotada pelos motoristas, pode contribuir para a redução dos impactos ambientais causados por carros, ônibus e caminhões. Visando formar melhores motoristas, o Programa de Aperfeiçoamento para Eficiência Energética do Sest e do Senat oferece cursos gratuitos para profissionais de transportes. Uma pesquisa realizada com motoristas treinados em um simulador da CNT mostrou que 89,6% afirmam que o equipamento auxiliou na direção mais segura e eficiente. Além disso, 76,3% acreditam que ficaram mais atentos e 52,9%, que reduziram o consumo de combustíveis.
De acordo com o instrutor Rogério França, do Senat, medidas simples como passar as marchas na rotação correta do motor, não acelerar desnecessariamente e não ficar com o pé no freio são atitudes que podem diminuir o consumo de combustíveis e aumentar a vida útil das baterias. “A gente percebe que existe um ganho até na parte ambiental, se essas boas práticas forem seguidas”, declara.
Na visão do engenheiro ambiental e especialista em transportes Ivo Reck, o grande problema do setor é a individualidade. “O automóvel parece ser uma solução muito boa, mas deixa de ser quando muita gente passa a adotá-lo. O nome automóvel indica autonomia, mas, a partir do momento em que o motorista sai a hora que quiser e pega trânsito no caminho, ele perde a autonomia que acredita ter.”
Segundo Reck, as pessoas buscam soluções individuais, porque os transportes coletivos não atendem às necessidades da população. Para a coletividade, no entanto, o uso massivo de automóveis de forma individual traz resultados negativos. “No trânsito das grandes cidades, há um enorme problema, porque, quando os carros estão ligados, há um alto consumo energético e emissão de poluentes”, diz. Para ele, a grande deficiência do sistema público de transporte, que poderia suprir essa demanda por deslocamentos, é a falta de acessibilidade.
“Muita gente precisa andar muito para pegar um ônibus, um metrô. Então, estão começando a aparecer soluções para esse problema, como o uso de bicicletas e patinetes compartilhados. Isso parece ser uma boa alternativa para quem precisa andar do metrô até o trabalho, ou de casa até o ponto de ônibus”, observa.
Benefícios
O estudante Guilherme Gomes, 20 anos, faz uso de bicicletas e patinetes compartilhados e acredita que são uma boa forma de locomoção. “A praticidade e o preço me atraíram, pois são meios de transporte práticos e baratos”, diz. “É um serviço que ainda é restrito, disponível em apenas alguns lugares. No momento, ainda não são uma solução, mas podem se tornar”. Ele destaca ainda os benefícios à saúde, uma vez que exigem exercício físico. “Acredito que faltam legislação, conscientização dos usuários e expansão do serviço para que ele seja, de fato, uma solução.”
De acordo com Ivo Reck, para se deslocar 1km de carro, uma pessoa consome aproximadamente 2.700 kJ (mil joules, uma medida de consumo de energia). O consumo energético quando essa mesma pessoa se desloca 1km de ônibus é de 266 kJ. A bicicleta consome 112 kJ por quilômetro e usa a energia do próprio corpo da pessoa para a locomoção.
Para ele, entre algumas das soluções simples que poderiam ser adotadas a curto e a médio prazos e que não dependem de investimentos tão altos, estão o limite de veículos por casa, a oferta de subsídios que beneficiem quem utiliza transportes coletivos e outras medidas que convidem o usuário a utilizar mais o transporte público.
“É preciso incentivar um ciclo virtuoso na mobilidade urbana, priorizar o coletivo ao invés do individual”, explica Reck. Além disso, ele cita outras medidas que contribuem para a redução de impactos ambientais, como renovar gradualmente a frota de veículos, controlar emissões de gases através de filtros, fazer manutenção regular nos carros e optar por aqueles elétricos ou híbridos. Usar bicicletas ou andar a pé em distâncias mais curtas é uma solução simples e de múltiplos efeitos benéficos.
“O principal é tornar o usuário mais interessado nos meios de transporte coletivos. Hoje em dia, as pessoas não querem mais ter um carro como antes, é um custo muito alto. Mas é preciso que elas tenham acesso a um sistema de transporte público de qualidade”, declara. Segundo ele, se o transporte coletivo for mais incentivado, o consumo energético diminuirá, as pessoas conviverão mais com a cidade, emissões de poluentes e gases de efeito estufa serão reduzidos. Além disso, as pessoas terão mais saúde e haverá menos acidentes e mortes no trânsito. “Caso seja dado o pontapé inicial e existam estímulos, a cidade se moldará a essa dinâmica.”
Correio Braziliense

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