Ir e vir em segurança, para mulheres, é desafio diário em Fortaleza. O número de denúncias registradas de 6 de março a 26 de junho deste ano no botão virtual “Nina”, integrado ao aplicativo Meu Ônibus Fortaleza, é uma amostra: pelo menos 930 mulheres sofreram assédio em ônibus, pontos de parada e terminais de integração da cidade, uma média superior a oito casos por dia. Os dados são da Secretaria de Conservação e Serviços Públicos (SCSP).
Maior parte dos assédios ocorrem dentro dos veículos, mas também nas paradas e terminais de ônibus — Foto: Arquivo SVM |
Conforme o levantamento, 56% dos assédios ocorreram dentro dos veículos, 26% em paradas e 16% em algum dos sete terminais de ônibus. Além disso, 54% foram relatados por quem sofreu o assédio, todas mulheres, e 52% por quem presenciou as agressões. De acordo com a secretaria, as queixas ocorreram, principalmente, entre as 12h e as 21h, tendo pico às 20h.
Dos casos notificados, porém, apenas 77 (cerca de 8%) tiveram o cadastro concluído no aplicativo e chegaram ao conhecimento da Polícia Civil do Ceará. A titular da Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Fortaleza, Danielle Mendonça, confirma que vídeos dos coletivos obtidos por meio do Nina já foram utilizados em inquéritos policiais de crimes de importunação sexual, e salienta a importância de oficializar as queixas.
“Quando a denúncia não é efetivada na delegacia, a identificação e responsabilização criminal por inquérito policial não vai acontecer. Divulgar também tem efeito pedagógico: se o agressor importunou uma mulher dentro do ônibus e a lei funcionou, outros evitarão essa conduta”, pontua a delegada.
Segundo ela, a quantidade de denúncias de casos de assédio tem crescido. “Quando as mulheres percebem que há mais ferramentas e que a legislação está ali para protegê-las, elas denunciam com mais segurança. E o Nina tem essas perspectiva: mostrar que deve haver responsabilização sobre essa demanda.”
Botão ‘Nina’ registra 930 denúncias de assédio a mulheres em ônibus de Fortaleza em menos de 4 meses — Foto: Thiago Gadelha / Sistema Verdes Mares |
A arquiteta e planejadora urbana da Prefeitura de Fortaleza, Mariana Gomes, também alerta que concluir o cadastro na plataforma é indispensável. “É uma forma tanto de conseguirmos todas as informações sobre a violência como de evitarmos trotes, fraudes e denúncias incorretas. A intenção é proteger quem precisa de proteção”, salienta.
Apesar de considerar que os números “são um reflexo de que está aberto um canal para as mulheres poderem denunciar”, Mariana reforça a necessidade de divulgação. “Sairemos com uma segunda rodada de campanha com vídeos explicando sobre o aplicativo, para tentar ampliar a cobertura. Também estamos melhorando a interlocução com as delegacias especializadas, para melhorar a continuidade dos processos”.
Punição
Segundo a SCSP, os dados da ligação do Nina com a Polícia Civil “estão sendo avaliados para estudo dos problemas e planejamento de ações de combate e prevenção”. Por enquanto, um dos principais focos é divulgar a existência da ferramenta virtual – desconhecida pela pedagoga Ariane Rodrigues, 23, até ser entrevistada pelo G1.
Denúncias de assédio por aplicativo devem ser concluídas para que a Polícia Civil seja notificada sobre o crime — Foto: Natinho Rodrigues/G1 |
“O ônibus estava superlotado, e no aperto você não consegue diferenciar o que está encostando em você. Perto de descer no terminal do Antônio Bezerra, pensei que era uma bolsa de alguém, mas quando vi era a mão de um senhor passando entre as minhas pernas. Quando olhei pra trás, assustada, ele tava pegando nas minhas partes íntimas. Ainda consegui perguntar se ele ia continuar e ameacei gritar. Depois disso, não tive reação”, relata Ariane.
A pedagoga foi importunada sexualmente, na terça-feira (9), dentro de um veículo do transporte coletivo urbano de Fortaleza. Ao desembarcarem do coletivo em um terminal de integração, a vítima buscou ajuda e o agressor fugiu.
“Eu queria ter reagido, mas fiquei paralisada pelo medo. Às vezes sinto que as mulheres ficam muito acanhadas e se sentem impotentes diante dessas situações. Procurei um posto da polícia no terminal, uma policial me atendeu e disse que só poderia me ajudar se eu fosse pra Delegacia da Mulher. Mas no final da tarde eu tinha um casamento pra ir, eu era madrinha, não tinha tempo. Enquanto a policial fazia perguntas, ele fugiu.”
Ações
A planejadora urbana da prefeitura adianta que estão sendo estudadas “oportunidades de usar o Nina em outros ambientes além do transporte público”, mas não deu detalhes. Outra ação do Programa de Combate ao Assédio Sexual no Transporte Público é a melhoria da iluminação de pontos de parada considerados perigosos pelas fortalezenses.
“Consultamos lideranças e já identificamos 40% dos 200 pontos que queremos mapear. Em agosto, mais ou menos, vamos divulgar um mapa colaborativo, para que o público ajude nesse levantamento.
Com o Nina a gente tenta melhorar a segurança da mulher dentro do ônibus, mas temos de olhar também para fora”, avalia Mariana.
G1