A infraestrutura de tecnologia e informação permite o monitoramento das cidades e das pessoas sob vários aspectos e pode, portanto, ser responsável pela geração e armazenamento de grande quantidade de dados.
Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil |
Podem ser ainda agregados às informações geradas pelas tecnologias de monitoramento os dados presentes nos registros municipais, nas pesquisas governamentais ou corporativas, ou mesmo nas mídias sociais.
Essas informações são cada vez mais combinadas e interligadas num banco de dados único, a fim de produzir indicadores ou conclusões que possam nos ajudar numa gestão mais eficiente da cidade.
Contudo, isso levanta questões sobre quem deve ter acesso a essa massa de informações, e quais dados podem ser abertos para uso público. Enfim, estará nossa privacidade em risco? Na era das cidades inteligentes, onde o “big data” ajuda a melhorar a eficiência dos centros urbanos, especial atenção deve ser dada ao resguardo da vida privada das pessoas.
Talvez o primeiro passo para tratar essa questão seja o trabalho de conscientização pública sobre quais são, onde estão e de que forma essas tecnologias podem obter e utilizar informações, que muitas vezes são invisíveis aos olhos das pessoas.
Por exemplo: monitores de tráfego, sensores que contam as pessoas e analisam seus movimentos nos espaços públicos, bancos de praças que potencialmente rastreiam dados dos usuários e centros de wifi públicos, que coletam dados de todos os dispositivos conectados.
Os governos locais podem coletar esses dados para monitorar padrões demográficos e de comportamento, analisando suas interações com o objetivo de apoiar a gestão e o planejamento da cidade.
Portanto, em que pese o desafio da privacidade, em muitos casos, os cidadãos provavelmente experimentarão uma troca consciente e positiva entre entregar dados pessoais e receber benefícios sociais. Por outro lado, existe o risco de esses dados serem utilizados como forma de vigilância das pessoas de bem, o que não seria adequado.
A propósito, foi promulgada em agosto de 2018 uma lei nacional de proteção de dados pessoais, absolutamente necessária na ambiência tecnológica em que vivemos, e que entrará em vigor em 2020.
A lei, dentre outras disposições, estabelece, por exemplo, que o tratamento de dados pessoais só pode ocorrer com consentimento expresso do titular. Essa disposição, em princípio correta, poderia, em tese, impedir uma série de monitoramentos em espaços públicos, como, por exemplo, os sistemas de reconhecimento facial em aeroportos.
A lei considera também, de forma específica e adequada, o tratamento de dados pessoais pelo poder público, estabelecendo limites para essa operação, ou seja, para o atendimento de finalidade pública, na persecução do interesse público, e isso com o objetivo de executar as competências legais ou cumprir as atribuições previstas para o serviço público.
De qualquer forma, a aplicação dessa legislação num ambiente de cidades inteligentes não está muito clara, e deverá sofrer interpretações e adaptações, muito embora seja um marco legal de extrema relevância para preservar a intimidade das pessoas.
No entanto, é importante ter mente que a evolução das tecnologias das cidades inteligentes e o desenvolvimento dos modelos de coleta de dados ocorrerão de forma tão rápida nas próximas décadas, que as legislações talvez não consigam acompanhar esse processo. Por isso, a importância da conscientização das pessoas sobre como e onde esses monitoramentos estão acontecendo.
Fica claro, dessa forma, que o estabelecimento da tênue linha divisória entre o interesse público e a necessária privacidade dos dados pessoais terá de ocorrer de maneira precisa, objetiva e convincente.
Claudio Bernardes – Engenheiro civil e presidente do Conselho Consultivo do Sindicato da Habitação de São Paulo. Presidiu a entidade de 2012 a 2015.
Folha de SP