Seguro paga 3.500 indenizações em 2018 por ciclomotores, alvo de mudança de Bolsonaro

Na noite do último domingo (16), em Itabaiana, agreste de Sergipe, o motorista de um ciclomotor (uma “moto” de até 50 cilindradas) foi atingido por um carro e morreu. Na semana anterior, em Itajaí, interior de Santa Catarina, o piloto de uma dessas “cinquentinhas”, como são chamadas, perdeu o equilíbrio após esbarrar em um caminhão e morreu na queda. Dias antes, um acidente similar deixara um morto em São Miguel dos Campos, em Alagoas.
Foto: João Carlos Mazella – 3.jul.2012/Fotoarena/Folhapress
Acidentes como esses não são raros. No ano passado, ciclomotores foram responsáveis por 3.457 indenizações do seguro DPVAT, a compensação paga a motoristas e passageiros vítimas de acidentes de trânsito.
O governo Jair Bolsonaro (PSL) suspendeu por um ano a exigência de aulas para quem quiser permissão para dirigir esses veículos. O argumento é que a “proposta facilita a vida das pessoas que possuem ciclomotor, já que o custo da formação do condutor é muito alto”, segundo o Ministério da Infraestrutura, onde está o Denatran (Departamento Nacional de Trânsito).
Proporcionalmente, os ciclomotores representam uma parcela alta do número de acidentes, já que são 0,39% da frota nacional —há 387.458 veículos registrados—, e representam 1% das indenizações pagas pelo DPVAT (a maior parte delas, 75%, envolve acidentes com motocicletas).
No ano passado, o DPVAT pagou 379 indenizações em que as vítimas de acidentes morreram —cada uma custa R$ 13.500. Houve ainda 2.416 compensações pagas a pessoas que ficaram inválidas permanentemente, além de 662 para o reembolso de pessoas que precisaram de tratamento médico. O valor total pode chegar a R$ 39,5 milhões.
Entre os acidentes contabilizados pelo seguro, 2.867 vítimas eram os motoristas, 407 eram passageiros, e 183, pedestres atingidos.
O Contran (Conselho Nacional de Trânsito), órgão formado por ministros de Bolsonaro, publicou resolução na segunda-feira (17) em que, entre outras coisas, reduz o número exigido de aulas teóricas e práticas para obter a ACC (Autorização para Conduzir Ciclomotor) de 20 para 5 horas.
Mas o texto também suspende por um ano essa necessidade, de modo que quem procurar uma habilitação no próximo ano poderá fazer só o teste prático.
Até 2016, não se exigia autorização para pilotar ciclomotores, mas a obrigação era uma demanda de entidades de segurança no trânsito. Esses veículos têm no máximo 50 cilindradas e atingem velocidade máxima de 50 km/h.
A ACC tem baixa procura, já que condutores com CNH do tipo A (motos) já têm automaticamente autorização para pilotar uma “cinquentinha”.
Procurado pela Folha, o Ministério da Infraestrutura afirmou que o custo da formação é uma das principais reclamações de candidatos à habilitação. “Quando esse aspecto é relacionado à ACC, o problema se torna ainda mais grave, considerando que grande parte dos proprietários de ciclomotores é formada por pessoas de baixo poder aquisitivo. Assim, a alta carga horária aumenta o custo do processo de formação, aumentando a quantidade de pessoas conduzindo ciclomotores sem a necessária autorização.”
“Considerando a velocidade máxima que os ciclomotores alcançam, bem como as suas restrições de circulação, é razoável concluir que as dificuldades para condução de ciclomotores não devem ser equiparadas àquelas que se apresentam na condução de motocicletas e motonetas. 
Logo, o processo de aprendizagem para sua condução deve ser regido por regras distintas, com menor rigor para quem deseja obter a ACC.”
A suspensão por um ano, diz a pasta, tem como objetivo facilitar a habilitação de condutores que não puderam seguir as regras. “Trata-se de um período de transição, para que o cidadão que já conduz ciclomotor sem estar devidamente habilitado, possa regularizar sua situação, obtendo a ACC.”
No dia que a resolução foi publicada, à reportagem o superintendente da ANTP (Associação Nacional de Transportes Públicos), Luiz Carlos Néspoli questionou a suspensão das aulas: “Por que então ter aula para carro? Não vi discussão sobre isso”, afirma ele, que ressalta o fato de o conselho não ser técnico, mas formado por quadros ligados ao governo federal.
Para Luiz Célio Bottura, especialista em engenharia de trânsito e ex-ombudsman da CET, “é uma medida que coloca na linha de risco” a população, ao aumentar a possibilidade de acidentes.
“É impossível que toda a experiência técnica, não só da engenharia como também da medicina de tráfego, esteja errada. Por que facilitar essas habilitações? Vale a pena, por proposta eleitoral?”, questiona ele.
Na mesma resolução que muda as regras de habilitação de ciclomotores, o governo reduziu o número de aulas práticas necessárias para tirar a CNH (Carteira Nacional de Habilitação) e tornou opcional o uso de simuladores de trânsito em auto-escolas.
Bolsonaro tem lançado uma série de mudanças nas regras de condução no país. Projeto de lei encaminhado pelo governo ao Congresso propõe aumentar o prazo de validade da CNH, extinguir a exigência de cadeirinha para crianças e acabar com o exame toxicológico para caminhoneiros, entre outros pontos.
O presidente defende também a retirada de radares móveis nas rodovias federais do país, chamados por ele de “armadilha”, e cancelou o pedido de renovação de 8.000 novos radares eletrônicos.
Em maio, Bolsonaro assinou medida provisória que muda a composição do Contran. O órgão deixou de ser chefiado pelo diretor do Denatran (Departamento Nacional de Trânsito) e passou para o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas.
Folha de SP

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